Urbanismo sustentável, uma visão sistêmica

Grandes cidades devem compatibilizar o atualcrescimento acelerado com um urbanismo sustentável
Redação AEC web



Com o crescimento das cidades, a engenharia foi se especializando em áreas como transportes, água e esgoto, drenagem, energia. “Meio século depois, concluímos que esse nível de especificidade já não é suficiente para resolver os problemas urbanos. Um bom exemplo é a questão dos congestionamentos, que a engenheira de transportes é incapaz de resolver porque se trata de conseqüência de abordagens mais complexas, como a do uso do solo, plano diretor, adensamento”, ensina o professor Alex Abiko, da Escola Politécnica da USP. Segundo ele, é preciso recuperar a visão sistêmica e, nessa medida, abandonar a especialidade para compreender tecnicamente as cidades num contexto mais amplo. “Esse é o papel do engenheiro urbano, atividade pouco conhecida no Brasil, mas que na França, por exemplo, é a razão de ser de uma escola mantida pela prefeitura de Paris”, diz. Esse profissional, detentor de conhecimento técnico de gestão da cidade – incluindo infraestrutura, serviços urbanos, uso do solo e assim por diante -, se soma ao arquiteto urbanista para pensar e solucionar as demandas.

Demandas que nas grandes cidades brasileiras passaram a ser, até mesmo, dramáticas a partir do crescimento da economia. Para Abiko é preciso entender que crescimento e desenvolvimento são dois conceitos diversos. “Nós estamos vivenciando um momento de crescimento – de construções, da população, da renda per capita, de automóveis -, mas isso não significa que está havendo desenvolvimento. Aliás, o grande desafio é como crescer e, também, se desenvolver. Porque desenvolvimento implica melhoria da qualidade de vida”, explica, acrescentando que ainda é difícil avaliar se isto está acontecendo. Outro desafio é compatibilizar o atual crescimento acelerado com urbanismo sustentável. “Temos uma legislação urbana e urbanística construída através de um processo participativo. Todas as leis que regem o ordenamento territorial, como a do Zoneamento e do Plano Diretor, foram aprovadas, no caso de São Paulo, pela Câmara Municipal e pelo prefeito que elegemos. Portanto, essa é a cidade construída por nós. Acontece que o crescimento está sendo mais acelerado do que a capacidade que toda essa legislação tem de ordenar a realidade”, alerta.

Para Abiko, a questão é política na sua essência. As soluções urbanísticas só virão de consensos negociados entre todos os atores que participam das decisões nas cidades, desde o setor imobiliário e o financeiro, até os técnicos das empresas públicas e privadas, passando por sociedades amigos de bairro. No entanto, não há mobilização ou articulação desses setores que respondam à exigência. “Existem várias ONGs e OSCIPs que estão trabalhando de forma heróica, mas a população não percebe ainda a importância de sua participação. Reclama muito da enchente ou do congestionamento, porém numa escala individual. É preciso um pensar mais coletivo”, receita.

DIAGNÓSTICO E SOLUÇÕES

O crescimento da população urbana nos países em desenvolvimento – e, de novo, São Paulo é um ótimo exemplo – se fez muito rapidamente, sem que houvesse investimentos financeiros públicos e conhecimento técnico para preparar as cidades. “Estamos sempre correndo atrás do prejuízo. Ou seja, essa é uma questão estrutural”, identifica Alex Abiko, que acredita na possibilidade de os dirigentes se anteciparem aos problemas, oferecendo qualidade de vida à população. A referência positiva continua sendo Curitiba que, entre outras ações, equacionou o problema dos transportes com a implantação dos BRTs (Bus Rapid Transit). “Só é possível imaginar os BRTs como solução para alguns bairros de São Paulo, especialmente na periferia da cidade. Aqui, a melhor opção de transporte ainda é o metrô, o que requer investimentos elevados”, afirma.









Ação espontânea de parte das pessoas que vivem em São Paulo combinada à percepção da indústria imobiliária, tem aproximado moradia e trabalho, para evitar grandes deslocamentos. “Temos que caminhar para essa solução”, admite o professor, que continua: “Radicalizando um pouco esse discurso, lembro que nós, brasileiros, estamos muito arraigados ao conceito de casa própria. Por outro lado, o emprego é algo passageiro em nossas vidas. Por que a nossa casa não pode ser passageira? Aliás, já foi assim no passado, até o advento do BNH que trouxe para o país o conceito da casa própria. Esta idéia de morar de aluguel contribuiria para a proximidade da moradia com o trabalho”, recomenda. O ‘teletrabalho’ é outra alternativa que também se dissemina, porém, a banda larga no Brasil ainda tem preço elevado e sua velocidade é muito inferior à de qualquer outro país emergente.

“O que nos leva a concluir que o poder público não está sendo suficientemente ágil para incorporar essas tecnologias à rotina dos cidadãos e influenciar na vida das cidades”, diz o engenheiro urbanista.

Depois do breve ensaio feito há alguns anos, o mercado imobiliário retoma o conceito de empreendimentos de uso misto. “Idéia extremamente simpática, que se contrapõe ao movimento racionalista urbanístico – Brasília é um exemplo – que defende áreas da cidade dedicadas ao trabalho e outras à moradia. Hoje, se consegue o mix de funções num único condomínio, desde que sejam compatíveis”. Na contramão da sustentabilidade que prescreve o mínimo uso do automóvel, em bairros como o Morumbi, Alto de Pinheiros e Jardim Europa só se vai à padaria de carro. Alex Abiko mostra, no entanto, o outro lado, ao lembrar que esses bairros ainda garantem a permeabilidade do solo. E defende o tombamento, impedindo novas construções, para garantir que essas regiões continuem a preservar as raras áreas verdes da cidade. “Não tem uma solução única, a cidade é um ser complexo”, diz.

Para ele, continua válida a já bastante conhecida tese de o poder público incentivar a instalação de indústrias e serviços nos bairros mais afastados, evitando o trânsito de moradores pela cidade. “Mais do que isso, precisamos começar a pensar na gestão da metrópole. Um bom exemplo é o descarte de lixo que, hoje, o município de São Paulo já não tem onde fazer. Qual é a solução? Enviar para outra cidade? Eles vão querer o lixo que o paulistano produz? Claro que não. É preciso, portanto, que tenhamos uma instância de poder metropolitano, com a função de equacionar soluções de acordo com os interesses dos municípios”, comenta, lembrando que o governador Geraldo Alckmin criou uma Secretaria de Negócios Metropolitanos: “uma bela iniciativa, se vai funcionar ou não, só o tempo dirá”. Outra ação nesse sentido foi a legislação, aprovada pelo governo federal, de consórcios de municípios que se reúnem de forma voluntária para resolver questões pontuais, como um problema de drenagem de rio que atravessa os seus territórios.

Abiko conclui alertando que um edifício jamais será sustentável em si mesmo. Para ser ‘verde’, certificado ou não, precisa conversar com o entorno, estar implantado em região de fácil acesso, rodeado por serviços e equipamentos públicos. “Mesmo que seja um ‘green build’, de nada adianta se for construído num lugar que inunda”.

Redação AECweb

 
Alex Abiko é engenheiro civil, professor Titular em Gestão Urbana e Habitacional da Escola Politécnica da USP, coordenador do Grupo de Ensino e Pesquisa "Engenharia e Planejamento Urbanos" do Departamento de Engenharia de Construção Civil da Escola Politécnica. Tem desenvolvido pesquisas, se envolvido em consultorias e orientado alunos de mestrado e doutorado, além de possuir publicações em livros e periódicos particularmente em sustentabilidade urbana, gestão habitacional, ofertas em habitação e urbanização de favelas. 
Site para contato: http://alexabiko.pcc.usp.br.

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