Os senhores do vento

Empresas como CPFL Energias Renováveis, Cemig e Renova estão investindo mais de R$ 25 bilhões na geração de energia eólica

Por Carla Jimenez, Hugo Cilo e Sergio Spagnuolo

Os ventos têm conspirado a favor da energia eólica no Brasil. A geração de eletricidade por enormes cataventos, cujos primeiros registros históricos datam do ano 200 a.C., ganhou fôlego há cerca de seis anos, quando o País optou por ampliar sua matriz energética, ou seja, as fontes de eletricidade em território nacional, reduzindo a dependência das usinas hidrelétricas.

Hoje, o Brasil quer liderar a corrida da geração de energia renovável no mundo, capitaneada pela China, seguida pelos Estados Unidos, e se transformar, também, em plataforma de exportação de equipamentos para a construção de usinas eólicas. Recursos não faltam. Desde que o governo começou a atrair as empresas do setor para montar a cadeia de valor em torno da energia renovável, por meio do Programa de Incentivo às Fontes de Energia Renováveis (Proinfa), no final de 2004, mais de R$ 25 bilhões foram investidos por empresas geradoras, segundo a Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeolica).


"Não mediremos esforços para assumir a liderança no setor"
Marcos Costa> vice-presidente da Alstom para a América Latina

 
Aos investimentos dos novos senhores do vento, somam-se os já decididos pelos fornecedores de equipamentos, como os geradores e as pás dos enormes cataventos. Grandes grupos globais, como o dinarmarquês Vestas, o francês Alstom e o americano GE, estão instalando fábricas no País para acompanhar o ritmo de expansão de energia eólica. Atualmente, as empresas de geração ditam o ritmo dos negócios na busca por escala da produção de energia, dando origem a um processo de concentração via fusões e aquisições. Quem tiver mais bala na agulha vai dominar o segmento.
O primeiro lance bilionário foi dado pela CPFL, uma das maiores geradoras e distribuidoras do País, que adquiriu primeiramente a franco-portuguesa SIIF Énergies, por R$ 1,5 bilhão, no início de abril, e há três semanas fundiu seus ativos na área de energia renovável com a Ersa, controlada pelos fundos de private equity Pátria, Eton Park e BTG Pactual. A fusão deu origem à CPFL Energias Renováveis, que nasce com ativos avaliados em R$ 4,5 bilhões, líder do setor de energia não convencional, e dona de uma fatia de 6,5% do mercado. Impressionantes, esses números revelam apenas o primeiro grande lance de um movimento bilionário em curso no País.
Tanto da CPFL, como dos demais atores dessa desse processo. “O mercado de energia eólica passará por uma consolidação”, afirma Miguel Saad, copresidente da CPFL Energias Renováveis. “Avaliamos novas oportunidades.” Segundo ele, a companhia tem R$ 5 bilhões em caixa para novas aquisições nos próximos três anos. “Fomos criados para sermos líderes desse segmento”, diz Saad.
A Cemig, empresa de geração de Minas Gerais, por outro lado, não quer ficar atrás e já prepara um lance ambicioso, depois de desenvolver uma experiência mais modesta, há dois anos, quando adquiriu 49% da empresa Impsa Wind, por R$ 213 milhões. Fontes do mercado garantem que a empresa mineira está a um passo de fechar a aquisição de um projeto grande de geração na Bahia.


"O Brasil será uma plataforma de exportações de equipamentos eólicos"
Marcelo Prado> diretor de marketing da Ge Energy para América Latina

 
A companhia não detalha a operação, mas não nega o interesse no potencial energético baiano. “Estamos, sim, olhando as oportunidades para fazer aquisições, não apenas na Bahia, mas em todo o País”, afirma José Cléber Teixeira, diretor de desenvolvimento de negócios da estatal. “Aqui na Cemig, a busca de fontes renováveis se tornou uma religião.” Na Bahia, aliás, a energia eólica também se transformou numa espécie de mantra para o governo local.
O Estado garantiu benefícios fiscais para as empresas que queiram investir no setor e já soma atualmente 67 parques eólicos em desenvolvimento, tocados por cerca de 14 empresas geradoras. “Temos 35% do potencial eólico de todo o País”, afirma James Correia, secretário de Indústria e Comércio da Bahia.
Não por acaso, a espanhola Gamesa e a Alstom já estão construindo suas fábricas pelo interior baiano. “São mais de R$ 20 bilhões em projetos sendo avaliados aqui”, diz Correia. Uma das companhias que mais apostam no potencial eólico do Estado é a empresa de geração Renova, de São Paulo, que tem entre seus sócios o banco Santander, os fundos InfraBrasil e FIP Caixa Ambiental, cujos cotistas são alguns dos mais importantes fundos de pensão brasileiro.

A companhia iniciou há dois meses a construção de 14 parques eólicos na Bahia, com investimentos de R$ 1,2 bilhão, dos quais 75% contarão com financiamento do BNDES. “Conseguimos a alavancagem máxima do banco”, diz Ricardo Delneri, copresidente da Renova. Outros seis parques eólicos, com investimentos de R$ 650 milhões, estão programados.


 
Única empresa de capital aberto do mercado eólico nacional, a Renova, ao contrário das concorrentes, descarta o caminho das compras em favor do crescimento orgânico. Em menos de um ano desde o seu lançamento, ocorrido em julho de 2010, suas ações se valorizaram mais de 130%, a maior valorização dentre os recentes IPOs na Bovespa. “Isso mostra o potencial do mercado de energia eólica”, afirma Delneri.
Tamanho interesse pelo desenvolvimento do setor tem algumas explicações. Além de liderar a onda verde, a energia do vento tornou-se um contraponto à energia nuclear, que ganhou a antipatia global depois do terremoto do Japão, seguido de tsunami, que provocou o colapso da usina de Fukushima.


 
Um fator econômico também explica a sua expansão. Nos últimos anos, a queda nos custos de implementação de parques eólicos, em decorrência do barateamento de equipamentos, reduziu os custos da eletricidade eólica a níveis abaixo das Pequenas Centrais Hidrelétricas, conhecidas como PCHs, e outra importante fonte de energia renovável.
Enquanto um parque eólico tem um custo de implementação próximo a R$ 3,5 milhões e leva dois anos para começar a operar, uma PCH não sai por menos de R$ 7 milhões, demorando até cinco anos para acender a primeira lâmpada. “O setor eólico é a aposta das empresas energéticas do País, o que explica por que já injetamos R$ 550 milhões nessa área”, diz Teixeira, da Cemig. Esse montante inclui a compra de parte da Impsa Wind. Com a aquisição, a estatal passou a ter uma fatia em três usinas no litoral cearense, totalizando 100 MW.

"Avaliamos novas oportunidades para aquisições" Miguel Saad> copresidente da CPFL Energias Renováveis

A busca pelos bons ventos da energia eólica da Cemig não se limita ao Ceará ou à prospecção na Bahia. Um recente estudo da estatal identificou no Estado de Minas Gerais um potencial eólico de 40 gigawatts, o equivalente a quatro usinas de Itaipu. Segundo a Abeeolica, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Bahia são os Estados com maior potencial para a energia dos ventos. Quem souber explorar essas regiões vai liderar o processo.“A janela de oportunidades é agora”, diz Ricardo Simões, presidente da Abeeolica. “A energia eólica é complementar à hidrelétrica e garante segurança ao sistema nacional.”
Além da CPFL Renováveis e da Cemig, outras empresas de geração, como a Neoenergia, Tractebel, Chesf e EDP, estão de olho em oportunidades de crescimento, de acordo com os especialistas. O movimento de consolidação do setor é apoiado pelo BNDES, que está por trás de pelo menos 28 grandes negócios envolvendo a energia eólica no País. Para o banco, a consolidação é mais do que natural e necessária. “Assim teremos empresas mais robustas, que possam oferecer preços mais atraentes nos leilões de energia por ganho de escala”, diz Antonio Tovar, chefe do departamento de energias alternativas do BNDES. É o que vem acontecendo nos últimos anos.
Segundo Tovar, os primeiros leilões de energia eólica, em 2009, garantiam energia a R$ 300 o MW/hora. Hoje, já custa em torno de R$ 130, e a expectativa é que no próximo leilão, em julho, o preço caia ainda mais. Desde 2005, o banco já aprovou R$ 3,2 bilhões em financiamentos. “Há outros R$ 4,1 bilhões em análise”, diz Tovar. “Ou seja, só até o final deste ano, poderemos ter um total de R$ 7,3 bilhões.”
O segmento atraiu ainda outros agentes financeiros de peso, como o Bradesco, que participava do capital da Ersa, e agora é sócio minoritário na CPFL Renováveis. “O norte que definiu a nossa participação é o potencial de crescimento”, diz João Carlos Zani, diretor do Bradesco BBI SA.
A cadeia de negócios do setor começou a ser estruturada em 2005, quando o País passou a oferecer uma série de incentivos para estimular a produção da energia renovável. De um lado, o governo acenou com crédito barato, via BNDES, para as empresas que investissem na energia eólica. Do outro, garantiu os contratos de compra de energia por meio da Eletrobras. De lá para cá, um verdadeiro complexo industrial foi criado em torno dos ventos, tanto para a geração propriamente dita, quanto para a produção de equipamentos para as usinas. Ou seja: os senhores do vento tendem a multiplicar-se.
É o caso da GE Energy, que já possui uma fábrica em Campinas, onde produz aerogeradores, e agora vai começar a construir uma segunda unidade. O local ainda não está definido, embora o governo baiano garanta que a companhia americana já assinou uma carta de intenções para se instalar no Estado. Seja onde for, a ideia da multinacional é dar conta dos contratos em carteira para o fornecimento de turbinas, que chegam a quase R$ 2 bilhões, assumidos nos últimos dois anos. “Queremos transformar o Brasil em uma plataforma de exportação de equipamentos de geração eólica”, afirma Marcelo Prado, diretor da GE Energy para a América Latina. “Diante da euforia das empresas por aproveitar o bom momento, essa unidade será mais que necessária.”


 
Sua principal rival, a Alstom, também elegeu a Bahia para acolher uma nova planta fabril. A unidade está sendo instalada em Camaçari, a 45 quilômetros de Salvador. Antes mesmo de entrar em operação, a fábrica já vendeu por cerca deR$ 250 milhões para a Densevix, geradora do grupo Engevix, 57 turbinas. Os aerogeradores serão utilizados na construção de um complexo eólico, na Bahia.
“A Alstom não medirá esforços para assumir a liderança do setor eólico brasileiro”, diz Marcos Costa, vice-presidente da empresa na América Latina. “Quase a metade dos investimentos em turbinas fabricadas pela Alstom no mundo em 2011 virá para o Brasil.” A Alstom, terá como concorrente, outra empresa global, a dinamarquesa Vestas, que deve anunciar o local para a construção de uma fábrica de turbinas no mês que vem.
O entusiasmo de empresas como a GE Energy, Alstom e Vestas acompanha o crescimento a produção. Hoje a rede brasileira comporta novecentos megawatts (MW) de energia eólica e deve receber outros 3,9 mil MW de potência a partir de 2012. Em termos de comparação, a usina hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira (RO), vai gerar 3,1 mil MW quando estiver pronta.
Mas o mapa da geração dos gigantes cataventos no Brasil chega a 300 mil megawatts de energia potencial – mais do que tudo que é gerado hoje no País, em conjunto com as hidrelétricas. Embora as boas notícias prevaleçam, o consultor Adriano Pires pondera que essa euforia esconde o peso do poder público, por meio dos financiamentos do BNDES, inclusive no preço final da tarifa. “Não deixa de ser uma tarifa subsidiada com dinheiro do contribuinte”, afirma. 
 

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