Entre as muitas curiosidades produzidas pelos novos paradigmas da sustentabilidade no ambiente de negócios e na organização das cidades, sem dúvida chama atenção o conceito da manufatura reversa, ou "desfabricação".
Habituados à ideia de fabricação como a ação de fazer algum objeto, de elaborar materiais, de repente se torna necessário aos seres humanos associar ao conceito de produção também o ato de desfazer. Mais estranho ainda é considerar que a desconstrução passa a ser uma atividade "produtiva".
Muito além da necessidade de reciclar materiais já usados em processos industriais, como parte da eliminação de detritos do meio ambiente, essas atividades representam uma nova forma de prospecção de matérias-primas, oferecendo alternativas para aquilo que é encontrado na natureza em estado bruto.
Aliás, até mesmo a expressão "matéria-prima" passa por uma transformação, uma vez que, retornando de um processo industrial, certos insumos não deveriam mais ser chamados de material primário.
Mas a nomenclatura é apenas parte dessas mudanças.Ao lado de novas expressões, também ocorrem estratégias inovadoras, técnicas de gestão, design e processos de compra e venda que exigem um novo conceito de marketing. Comunicar o valor da desconstrução não é o inverso das atividades de fabricação tradicional. À medida em que se sofisticam as aplicações de materiais reaproveitados, consolida-se um setor que se afasta do velho conceito de lixo reciclado.
A lógica desse sistema tem suas origens nas preocupações do Clube de Roma, que no início dos anos 1970 produziu um relatório sobre o esgotamento de matérias-primas e o risco de levar a expansão do sistema industrial aos limites do poder de recuperação da natureza.
Mas foi preciso a atmosfera dar sinais inequívocos de intoxicação, com as altas concentrações de gases do efeito estufa, para que o capital começasse a buscar alternativas ambientalmente corretas. A ideia da reciclagem, antes um processo marginal nos negócios, passou rapitamente a fazer parte do planejamento de quem produz.
A indústria de bens duráveis se viu impelida a contribuir para a recuperação de materiais. No entanto, há evidências de que a nova indústria que nasce do reaproveitamento de materiais começa a andar por suas próprias pernas.
Embora sempre tenha que depender da reciclagem, o setor começa a desenvolver suas próprias marcas e já influencia seus fornecedores, como se pode observar claramente na indústria de pneus.
Também chama atenção o investimento em "desfábricas" especializadas em desfazer o que produzem as indústrias tradicionais.
Investimentos nesse novo negócio exigem alta visão estratégica. De aparelhos eletrônicos a automóveis, de móveis a produtos de borracha, passando por materiais como óleo lubrificante, quase tudo pode ser reciclado e reaproveitado.
A tendência crescente é vincular novos produtos ao processo final de recuperação, desde o projeto, passando pela logística e a coleta após a obsolescência e reiniciando-se o ciclo com a desconstrução. É o próprio conceito de indústria sendo reinventado.
Luciano Martins Costa é jornalista e escritor, consultor em estratégia e sustentabilidade
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