ALINE RIBEIRO
O Rio de Janeiro foi palco do encontro que transformou a agenda mundial do século 21. Na memorável Eco 92, reuniram-se de chefes de Estados a líderes indígenas, a fim de definir metas objetivas às nações para criar um novo modelo de desenvolvimento, menos agressivo ao planeta e socialmente inclusivo.
Pela primeira vez, a luta pelo meio ambiente deixou as rodas da extinção do urso panda ou mico-leão-dourado para entrar no centro das discussões políticas e econômicas.
Vinte anos depois, um evento da mesma monta tem a pretensão de debater os rumos da economia diante das novas demandas globais: a Rio+20.
A advogada Rachel Biderman, doutora em Gestão Pública e consultora na área ambiental, respondeu, por e-mail, algumas perguntas sobre o que esperar da conferência.
ÉPOCA – O que está em jogo na Rio+20?
Rachel Biderman – Até hoje os sinais desanimam. Não há envolvimento significativo de lideranças de peso da Economia Mundial, em um evento que tratará de `Economia Verde´. Há fortes indícios de que chefes de Estado não estarão aqui, como estiveram na Rio 92. Esses são sintomas de que se tratará de mais um esforço de bem intencionados profissionais da área da sustentabilidade para chamar a atenção da sociedade humana sobre a urgência de temas ambientais e sociais. Mais um evento, que lança mais um diagnóstico, mostrando a gravidade e urgência desses problemas! Para que isso? Já estamos cheios de medir a febre do planeta! É preciso injetar recursos financeiros e ação política para alterar o curso dessa nave de casco rachado.
ÉPOCA – A organização está satisfatória?
Rachel – Apesar de a Conferência da ONU enfatizar o tema da erradicação da pobreza, numa tentativa de aproximar agendas e movimentos das áreas sociais e ambientais, na prática esse engajamento é limitado. Veja-se, por exemplo, a dificuldade encontrada em organizar uma única mensagem e um espaço agregador singular para manifestações da sociedade civil de todos os rincões do planeta. O espaço da Cúpula dos Povos, por exemplo, construído pela sociedade civil para abrigar seus representantes, não conseguiu transformar-se no pólo de atração de todas as manifestações e tendências, que se espalharão por hotéis, salas e edifícios do Rio de Janeiro, de maneira pulverizada e descoordenada. Isso é um desperdício de oportunidade.
ÉPOCA – Qual é o problema em descentralizar o evento?
Rachel – A difusão de eventos pela orla da cidade maravilhosa tem seu lado bom, por ampliar as possibilidades de mais encontros entre atores de diferentes redes e setores. Mas tem um lado péssimo. Seria belíssimo que houvesse apenas um encontro de todos os que resolverem ir até o Rio. Esse encontro único poderia dar espaço a "uma única voz", fonte de uma visão construída holística e coordenadamente, portadora de uma simples mensagem, em uníssono: atenção, é preciso agir agora!
Uma imagem aérea do Rio de Janeiro tomado por manifestantes a favor de ação imediata parece utópica, mas é desejável, porque tudo o mais já foi tentado. E pouca atenção é dada pelos tomadores de decisão nos campos público e privado, a não ser em situações de catástrofe. Sim, Bono Vox poderia ser um dos ícones representando essa bandeira e poderia vir acompanhado de lideranças das artes, meio ambiente, empresas, povos tradicionais, mídia, estudantes, movimentos de sem terra, da política, enfim, de todas as tribos que vierem para o Brasil. Líderes e cidadãos comuns, misturados, poderiam vestir essa mesma camisa, numa marcha única. É hora do "ocupa Rio!".
ÉPOCA – Ainda há tempo para agir?
Rachel – A urgência dos problemas ambientais deixou de ser uma visão de românticos. Parece que o mais pragmáticos é que estão percebendo que é preciso mudar. E esses pragmáticos estão ´ocupando´ as praças de cidades em todo o mundo. Gritando, acampando, indicando o futuro que eles querem ter. São essas massas de jovens que já perceberam que serão herdeiros de problemas gigantescos, que precisam ser ouvidas. Se não dermos ouvidos a eles, estamos deixando de ouvir nossos filhos.
A geração de jovens que está nas ruas traz uma mensagem clara, que não é fruto só de uma crise financeira pontual, é fruto de uma crise de civilização, que eles estão prontos para reconhecer e têm a coragem de dizer em alto e bom tom. Mas precisamos passar o bastão para eles e dar-lhes a chance de assumir os rumos do planeta, pois parecem estar com o senso de urgência mais acurado que a maioria dos governantes e tomadores de decisão da atualidade. É preciso dar uma chance para esses jovens que clamam!
ÉPOCA – Quais avanços e retrocessos na área ambiental o Brasil teve da Rio 92 para cá?
Rachel – Nos últimos anos, com o crescimento econômico acelerado e a atração de capital para mais investimentos, o Brasil tornou-se alvo de uma ansiedade de crescimento não experimentada anteriormente com tamanha intensidade. Isso teve e continua a ter forte repercussão negativa sobre o meio ambiente. Se de um lado há um aumento animador da taxa de empregos e crescimento de renda, por outro lado, parece que estamos aos poucos destruindo nossas galinhas dos ovos de ouro, que são a Amazônia e o Cerrado. Crescimento rápido, enriquecimento no curto prazo, a qualquer preço, são os motes de quem parece correr para aproveitar o máximo de seu momento no topo da pirâmide.
Nesse modelo não há tempo nem espaço para planejamento de longo prazo, integrado, que tenha sustentabilidade ambiental e social no centro das decisões, de forma transversal. Resultado: repetimos um modelo de desenvolvimento predatório, o oposto do que preconiza a ONU em seus documentos e tratados sobre meio ambiente aprovados ao longo de três décadas. Tudo isso é o contrário do que se discute no documento que será gerado para a Rio + 20. Vivemos o paradoxo de dizer belas palavras, mas não implementá-las de fato. As futuras gerações rirão de nós? Como foram capazes de dizer tão belas palavras e não obedecê-las?
ÉPOCA – A legislação ambiental brasileira está mais frouxa?
Rachel – Nesse afã do crescimento temos assistido ao esfacelamento das leis ambientais, tidas até pouco tempo atrás dentre as mais avançadas do mundo. A legislação ambiental nunca sofreu alterações tão impactantes como as agora aprovadas pelo Congresso Nacional, na votação de projeto de lei que ´rasga´ o Código Florestal. Estima-se um aumento significativo de emissões de gases de efeito estufa em função dos desmatamentos potenciais daí decorrentes. Sem contar as perdas enormes de biodiversidade que ocasionarão.
É importante lembrar que na biodiversidade destruída pelos desmatamentos autorizados poderiam estar respostas importantes para nossa economia ´verde´ do futuro e para a medicina. A ciência não deu conta de estudar ainda a profusão de espécies contidas nos biomas brasileiros. Pouco se investe nesse conhecimento e estamos jogando fora essa biblioteca da natureza, sem sequer conhecê-la. Se realmente estivéssemos construindo uma `Economia Verde´ como propõem tantos documentos já lançados pela ONU e ´think tanks´ de todo o mundo, estaríamos atentos às riquezas da biodiversidade brasileira, ao ´ouro verde´, que estamos deixando virar carbono.
Quanto de alternativas para a agricultura, indústria farmacêutica e de cosméticos, dentre outros benefícios, poderíamos explorar de forma sustentável neste país, se houvesse essa visão da ´nova economia´?
ÉPOCA – Nosso sistema financeiro estimula a criação de uma economia verde?
Rachel – Não há instrumentos econômicos, tampouco instalados por meio de políticas públicas ou iniciativas de mercado. Ou seja, faltam os principais mecanismos para viabilizar uma "Economia de Baixo Carbono", tão propugnada em discursos governamentais. Se houvesse vontade para implementar esse modelo, já teríamos feito os estudos da `Economia do Clima´ e da `Economia da Biodiversidade´ no Brasil, dentre outros necessários para se construir a base de um novo modelo de desenvolvimento.
Enquanto isso, assistimos à distância investimentos colossais dos chineses, alemães e norte-americanos nas novas energias do futuro, que virão a substituir as fontes fósseis, como o petróleo. Nós, ao contrário, estamos apostando na energia do passado, investindo pesadamente no pré-sal.
ÉPOCA – Você acredita que, em nome do "progresso", estamos deixando de lado a proteção dos recursos naturais?
Rachel – A legislação de licenciamento ambiental também tem sido simplificada para permitir aceleradas aprovações de empreendimentos urgentes da agenda política e econômica dos dirigentes do país. O velho dilema sobre a incompatibilidade da proteção ambiental e desenvolvimento econômico tem sido substituído por uma prática incontestável do uso abusivo dos recursos naturais sem preocupação com sua preservação e capacidade de recuperação.
Estamos repetindo o que a sociedade humana já fez em várias partes do planeta, deixando agora a marca verde-amarela nessa história da destruição. Com isso, comprometemos rios, nascentes, solos são contaminados e destruídos por práticas intensivas não sustentáveis, produzimos alimentos com taxas altíssimas de agrotóxicos, liberamos o uso de transgênicos, dentre outras ações arriscadas. Quem pagará a conta?
ÉPOCA – Qual o papel das empresas para o bom desempenho da Rio+20? Elas já estão se mexendo?
Rachel – Sim, as empresas estão se organizando em diferentes frentes. O CEBDS, que integra grande grupo de empresas internacionais, tem uma agenda definida para atrair lideranças empresariais para o Rio para debates de alto nível. O Instituto Ethos também está construindo sua agenda de debates junto com seus parceiros, e empresas integrantes de suas iniciativas. Um dos espaços mais interessantes que estão sendo propostos para se discutir a ´Nova Economia´ é o Forte de Copacabana, que provavelmente sediará iniciativa das federações das indústrias para promoção de debates abertos sobre os principais aspectos da pregada ´Nova Economia´ ou `Economia Verde´.
Outra iniciativa bastante relevante é o Forum de Empreendedorismo Social e Negócios Sustentáveis que está sendo liderado pela Fundacion Avina, Ashoka, Fundação Roberto Marinho, ANDE e Skoll Foundation. Promete ser um dos espaços mais criativos onde empreendedores de todo o mundo apresentarão casos e discutirão desafios e soluções para seus novos modelos de negócios. Esse espaço inovador tratará de temas ainda pouco conhecidos para a maioria dos agentes econômicos, mas fundamentais para a instalação da ´Nova Economia´, pois envolvem atores que buscam promover negócios e ao mesmo tempo solucionar os maiores problemas da humanidade, como proteção do meio ambiente, geração de emprego e renda, acesso à saúde e educação, dentre outros.
ÉPOCA – Que tema pouco conhecido é esse?
Rachel – Dentre as manifestações que serão convidadas a se apresentar nesse Fórum, encontram-se movimentos e iniciativas ligadas aos temas de negócios sociais, mercados inclusivos, economia 2.0, empreendedorismo sustentável, ' fair trade', dentre outras focadas em pequenos e micro-empresários interessados fazer negócios de forma justa e sustentável. Esses empreendedores também são atrativo enquanto potencial de atendimento de demandas das grandes empresas, através de sua cadeia de fornecedores.
ÉPOCA – O tema mudanças climáticas está visivelmente de fora da pauta da reunião. Isso enfraquece a convenção?
Rachel – A Conferência não é sobre clima. Mas clima está dentro da agenda, o que não poderia deixar de ser, já que é o maior problema ambiental que aflige a humanidade. O principal resultado esperado pelos ambientalistas no Rio é a aprovação dos `Sustainable Development Goals´, que seriam metas factíveis, tangíveis, com as quais os governos teriam que se comprometer. E mudanças climáticas aparecem direta ou indiretamente nessa proposta.
É preciso, no entanto, atentar que o espaço de discussão sobre mudanças climáticas é a UNFCCC e é no âmbito dessa convenção que se devem fixar regras mais contundentes, com metas de redução de emissão de gases de efeito estufa para os principais emissores do mundo. É preciso que a sociedade acorde e perceba o que está acontecendo com a UNFCCC, que deixou de ter a importância que tinha no passado, e padece de falta de compromisso político. A pressão da cidadania é mais que urgente nesse momento para cobrar dos governantes a rápida reinstalação de um processo de negociação eficaz, que gere em breve um tratado com metas relevantes de redução de emissões de GEE, que já atingem níveis dramáticos. O clima do planeta já está sofrendo alterações irreversíveis, mas ainda dá tempo para se evitar o pior.
Mas é preciso agir rápido. Quem puder entender desse assunto para levá-lo para dentro de seu dia-a-dia em casa, trabalho, escola, família, deve fazê-lo. Pois todos nós temos que ser coadjuvantes na construção de um modelo de regulação do tema que permita à humanidade e outras formas de vida no planeta subsistirem às mudanças climáticas. O alarmismo não é discurso de ambientalista, mas de cientistas de painel nomeado pela ONU que não cansam de dizer em voz alta que esse é um problema gravíssimo. É preciso escutá-los, e agir!
ÉPOCA – Quais os pontos chaves para caminhar rumo a uma economia verde?
Rachel – É fundamental criar instrumentos econômicos para viabilizar esse novo modelo de desenvolvimento. Já se escreveu abundantemente a esse respeito e é hora de trazer os ´economistas ambientais´ para o centro dessa discussão. Eles têm muitas sugestões de como lidar com o problema. Meio ambiente não pode ser mais visto como algo externo à Economia. Não é insumo para a produção apenas.
É base de sustentação de todas as formas de vida e principalmente da Economia. Pensar dessa forma é fundamental. A mentalidade exploradora destrutiva que tem imperado na história da presença humana no planeta só demonstra nossa capacidade de criar cataclismas. É preciso sacudir as regras ortodoxas da economia e oxigenar as fórmulas que contabilizam riqueza, sucesso, progresso.
ÉPOCA – Qual o papel das instituições financeiras neste processo?
Rachel – Não se pode deixar de mencionar que a comunidade financeira tem que se engajar mais. Jà avançaram em algumas direções passando a adotar princípios e práticas de sustentabilidade. Mas é preciso ir além, agora é hora de criar regras que impeçam investimentos que impliquem em desastres ambientais. É preciso baratear acesso aos recursos financeiros para as atividades inovadoras e sustentáveis que precisam de incentivo para se firmarem no mercado.
Empoderar os cidadãos para que tenham voz e vez nos processos decisórios sobre meio ambiente também é fundamental. O Brasil dá bom exemplo, pois criaram-se ao longo das ultimas décadas inúmeros espaços colegiados para manifestação de entidades da sociedade civil a respeito de prioridades para a área ambiental. Mas é preciso dar condições para que as recomendações dos conselhos ambientais passem a ser implementadas e para isso o governo precisa destinar mais recursos para a área ambiental.
ÉPOCA – E o do governo?
Rachel – Novas formas de fazer política também são necessárias. E novos modelos de governo também. A democracia está em xeque. Sua reconstrução ou a formulação de um novo modelo são urgentes. O engajamento de cada um de nós nessa reflexão é fundamental. Os jovens já estão ´ocupando´ as ruas, sinal de que há um despertar que veio para ficar e crescer.
A convocação dos jovens nas ruas é um alerta. Eles não admitem mais os modelos construídos até agora. Seria momento de nos reorganizarmos? A corrupção em tantos países e regimes humilha e despreza a todos nós que lutamos por justiça. O cansaço de tantos com os escândalos sem fim de governantes sem honra e sem vergonha deve ser transformado em energia criativa. Sim, é momento de nos engajarmos e sairmos do falso conforto que nos impusemos.
O papel dos indivíduos não deve ser menosprezado. É na ação de cada pessoa que faremos as mudanças necessárias. Para que as pessoas se engajem nos movimentos necessários é preciso colocarem-se como co-responsáveis pelo destino do planeta e dos seres humanos e outros seres vivos. Esse despertar de consciência é urgente. A introspecção e reflexão podem ajudar cada um de nós a descobrirmos nosso papel nesse sistema complexo.
Se cada um fizer sua auto-crítica, auto-estudo e colocar-se no coração pulsante do planeta, poderá entender como sua ação é fundamental para que os seres possam continuar vivos na Terra.
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