Economia verde para um novo modelo de desenvolvimento
















Ambientalistas, empresários e a sociedade se perguntam como minimizar o impacto socioambiental sem abrir mão da segurança financeira

O modelo econômico atual, de produção e consumos crescentes, além de ferir o meio ambiente e o ser humano, já não se sustenta. 

Ainda assim, muitos governos, empresários e economistas continuam apostando nele e incentivando-o, como se não houvesse outra forma de manter a população da Terra alimentada, segura e feliz, mesmo sabendo que a maior parte da população da Terra não está nem alimentada ou segura e muito menos feliz.

"A humanidade descobriu que é parte do problema que afeta a sua própria sobrevivência na medida em que sistemas econômicos e políticos permitem tanto a perversa exploração do ambiente quanto de outros seres humanos", afirma o representante da sociedade civil da Comissão Nacional Organizadora do governo brasileiro da Rio+20, o doutor em Engenharia Ambiental Rubens Harry Born. 

"A economia de uma civilização sustentável tem que estar a serviço da sociedade e em defesa da vida."

Para ele, a noção da necessidade urgente de mudança para outro modelo não apenas econômico, mas civilizatório, de sociedades sustentáveis, se disseminou com a gravidade das crises climáticas e da perda de biodiversidade, e ganhou novos atores sociais que exigem de governos e de empresas essa mudança. Segundo Born, que também é coordenador executivo do Instituto Vitae Civilis para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz - organização brasileira fundada em 1989 -, no Brasil houve avanços na legislação, como aprovação de leis sobre política nacional de recursos hídricos, de resíduos sólidos, unidades de conservação ambiental, crimes ambientais, acesso à informação etc. 

"Mas esses avanços ainda não redundaram em mudanças estruturais nas políticas econômicas e em reversão da degradação socioambiental", diz. "Por isso, precisamos continuar a sensibilizar e mobilizar a sociedade para a efetivação dos compromissos globais e nacionais para a sustentabilidade."

Espera-se que um importante passo nesse sentido seja dado na Rio+20 - Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável 2012, a ser realizada nos dias 20 a 22 de junho deste ano, cujo objetivo é desenvolver uma declaração política de renovação dos compromissos internacionais em desenvolvimento sustentável assumidos na Rio-92 - Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. 

"Além da transformação econômica, o desafio é buscar a transformação dos arranjos institucionais internacionais para que estes ajudem países e cidadãos a encontrar meios para promoção da plataforma social e das condições ambientais necessárias para a vida digna de todos", diz Born.

A transição que o mundo precisa fazer para chegar a esse novo modelo econômico e civilizatório, na falta de outra definição mais exata, está sendo chamada de economia verde. Born afirma que ainda não há um consenso sobre um conceito do que seja economia verde e que essa expressão tem suscitado debates e interpretações variadas, segundo as diversas abordagens e visões dos diferentes meios sociais (trabalhadores, empresários, indígenas, governos etc.).

Para ele, independentemente do nome dado à nova economia, ela deve atender às sete questões críticas que a ONU propõe na Rio+20 (ver quadro): "E as atividades econômicas, de comunidades rurais até conglomerados industriais, devem atender a dois fundamentos: 

por um lado, contribuir para a efetivação de direitos sociais à educação, saúde, alimentação e habitação, consagrados na Declaração Universal de Direitos Humanos elaborada pela ONU em 1948 e, por outro lado, respeitar os limites ambientais planetários e de cada ecossistema, ajudando a conservar e restaurar ecossistemas, respeitar a capacidade de suporte, proteger áreas frágeis".

O ambientalista conta que um dos temas da Rio+20 (assim chamada porque se completam 20 anos da Rio-92), é a economia verde para erradicação da pobreza e promoção do desenvolvimento sustentável: 

"Outro tema importante é a governança, ou seja, os mecanismos decisórios e institucionais, de transparência e acesso à informação na esfera global para a coordenação do desenvolvimento sustentável".

Pequenos ajustes: Born afirma que não se pode confundir economia verde com apenas a mitigação, pelo uso de tecnologias de controle da poluição ou outras medidas semelhantes, de impactos socioambientais. "Economia verde não é, por exemplo, mero aproveitamento de oportunidades para atividades e negócios que ajudam a poluir menos", diz. 

Para ele, essas ações são necessárias, mas não suficientes para se alcançar uma economia em favor da sustentabilidade e da sociedade, pois essa economia deve contar com marcos regulatórios estabelecidos pelo poder público e com parâmetros ambientais fundados no conhecimento científico e no princípio da precaução. Sempre considerando aspectos culturais e históricos de importância para as diferentes comunidades humanas.

O ambientalista diz que acreditar que essas iniciativas, que chama de pequenos ajustes, estão colocando o mundo no caminho da sustentabilidade é um equívoco que incentiva os modos atuais de produção e consumo. Ele exemplifica com a indústria veicular, associada ao segmento de combustíveis fósseis e renováveis, que se assentam na capacidade ilimitada (crescimento ilimitado) da produção e uso de veículos para o transporte individual. 

"Isso resulta somente em mais congestionamento nas cidades, mais óbitos e pessoas enfermas nas cidades pela poluição, além de exploração ampliada de petróleo (pré-sal) ou de terras férteis", diz. Assim, para Born, as políticas públicas e programas que favorecem tal produção e consumo, como a recente redução de impostos para veículos de baixa cilindrada como estratégia governamental para enfrentar a crise financeira, ou a aprovação da lei que altera o Código Florestal, colocam o país na contramão dos esforços necessários para lidar com a redução de emissões de gases de efeito estufa e proteção da biodiversidade.




Contudo, algumas corporações nacionais ou multinacionais se dedicam a essas ações e afirmam que estão fazendo sua parte. 

Empresas como a Volvo, fabricante motores e veículos, e a Beraca, desenvolvedora de tecnologias, soluções e matérias-primas para tratamento de águas, cosméticos, nutrição animal e indústria de alimentos e bebidas.

Para o coordenador de assuntos institucionais e governamentais da Volvo do Brasil, Alexandre Parker, todo passo no sentido de poupar o meio ambiente e as pessoas é um passo na direção da economia verde: 

"Todos os empresários podem desenvolver projetos sustentáveis, até porque há muitas linhas de crédito bastante atrativas, disponíveis nacional e internacionalmente, para projetos bem estruturados, responsáveis e profissionais".

A gerente comercial nacional da Beraca, Vanessa Salazar, acredita que toda iniciativa, por mínima que seja, é importante. Ela afirma que a Beraca está comprometida, a partir de critérios nacionais e internacionais de gestão ambiental, social e econômica, com a conservação da biodiversidade, o respeito ao conhecimento tradicional e uma repartição justa e equitativa dos benefícios ao longo de toda a cadeia produtiva.

Empresas sustentáveis: Alexandre Parker diz que, como todo o Grupo Volvo - que tem 20 fábricas e 190 pontos de venda no mundo todo -, a Volvo do Brasil, sediada em Curitiba, no Paraná, é firmada em três pilares: qualidade, segurança e respeito ao meio ambiente, e está em constante desenvolvimento de ideias e projetos em todos os departamentos que visam a esses objetivos. 

"São projetos focados, profissionais e produtivos, pensados, projetados e conduzidos para, de alguma forma, contribuir com a economia verde e o fairtrade", diz.

"Porém, entenda-se bem", adverte, "com resultados em médio e longo prazo". Ele conta, por exemplo, que o departamento de Engenharia de Produto, pelo qual ingressou na Volvo, em 1986, já na década de 1980 praticava a lista negra dos produtos, indo além da demanda legal, ou seja, não apenas não utilizando materiais proibidos legalmente, mas reconhecidamente prejudiciais. 

"Não há um dia em que eu não trabalhe com um dos nossos pilares ligados à sustentabilidade", afirma.

Já Vanessa Salazar acredita que, para uma empresa crescer de modo sustentável precisa apoiar-se no tripé da sustentabilidade, ou seja, com aproveitamento inteligente de recursos naturais e buscando desenvolvimento social e econômico. E que um produto, para ser considerado sustentável, tem que ser desenvolvido preservando os recursos naturais e as pessoas envolvidas na exploração desses recursos: 

"Em seu processo produtivo, a Beraca trabalha em parceria com cerca de 1.500 pessoas, distribuídas em núcleos comunitários. Entre as ações, está o auxílio na organização da coleta de frutos da floresta, por meio de treinamentos sobre o manejo sustentável de matérias-primas, e a ampliação das oportunidades de inserção no mercado", conta. 

"Dessa forma, exportamos óleos vegetais, manteigas, extratos, resinas e argila com a certeza de que estamos respeitando o meio ambiente e proporcionando uma fonte de renda para várias famílias brasileiras".

Vanessa destaca algumas iniciativas, que julga positivas, do governo brasileiro na área de atuação da Beraca, como a assinatura do Protocolo de Nagoya que estabelece bases para um regime eficaz e que torna possível o acesso e a repartição dos benefícios provenientes da biodiversidade, bem como dos conhecimentos tradicionais a ela associados: 

"É um importante passo para garantir a preservação e a conservação da biodiversidade no mundo, além de um instrumento contra a biopirataria".

Ela lembra ainda o CGEN (Conselho de Gestão do Patrimônio Genético), criado com o intuito de regulamentar a utilização de recursos genéticos. "O Brasil, berço da maior biodiversidade do mundo, precisa ser o mais preocupado em preservar suas riquezas e estimular a economia verde", afirma Vanessa. 

"Comparado a outros países do mundo, ainda temos uma atuação tímida nesse sentido, mas, acreditamos, a iniciativa privada e a sociedade podem realmente fazer diferença e assumir a liderança desse movimento".

A Beraca, com sete fábricas no território nacional, e presente em 41 países por meio de 33 distribuidores, localizados nas Américas, Europa, Ásia e Oceania - e ainda um escritório comercial em Paris, é signatária do Pacto Global da ONU, para o setor privado, defende dez princípios universais, derivados da Declaração Universal de Direitos Humanos, da Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.

Nos sites de ambas as empresas, Volvo do Brasil (www.volvodobrasil.com.br) e Beraca (www.beraca.com.br), é possível conhecer em detalhes cada projeto ligado à sustentabilidade e ao comércio justo.

Pessoas sustentáveis: Além de iniciativas corporativas e empresariais, surgem cada vez mais iniciativas da sociedade na busca pela preservação dos recursos do planeta e da vida humana. Instituições, ONGs e indivíduos que trabalham e até dedicam suas vidas a esses valores. Pessoas como o diretor de cinema diretor israelense Micha Peled, que acaba de lançar o último filme da sua Trilogia da Globalização, que mostram, com eloquência, os efeitos negativos das ações de grandes corporações nas vidas de pessoas.

"O que eu posso fazer a esse respeito?" Questionando-se dessa forma diante do que acredita serem os maus efeitos colaterais da globalização, Peled produziu os documentários Store Wars: when Wal-Mart comes to town (sem versão em português), China Blue e Amargas Sementes. Este foi exibido no Brasil no festival internacional de documentários "é tudo verdade", que aconteceu no Rio de Janeiro e em São Paulo no final de março. Através dos olhos de uma adolescente que sonha se tornar jornalista - Manjusha Amberwar -, Amargas Sementes desvenda uma epidemia de suicídios entre produtores familiares de algodão - mais 250 mil mortes - que, ao serem obrigados a utilizar sementes transgênicas produzidas pela Monsanto, perdem suas colheitas e terras, entram em desespero e cometem suicídio, deixando famílias inteiras para trás. Manjusha é uma das órfãs da epidemia.

Peled diz que o objetivo desses filmes é chamar a atenção para o poder das grandes corporações sobre as vidas e que a única forma de parar as consequências ruins desse poder é as pessoas se informarem e se organizarem.

Apesar de se declarar um cineasta e não um ativista, as escolhas de Peled têm sido bem particulares. Seus primeiros trabalhos como documentarista abordam questões ligadas às origens do diretor, que nasceu e viveu uma parte da vida em Israel, e a trilogia, que levou doze anos para ser concluída, levanta questões de fairtrade. "Eu não teria devotado doze anos da minha vida a fazer filmes sobre algo com o qual não me importasse", afirma. "É aí que entra o ativista: faço os filmes e mostro essas questões a pessoas do mundo todo."




Entretanto, ele ressalta uma questão importante: para que as pessoas realmente mudem de comportamento não se pode somente lhes apontar o que está errado, é preciso apresentar alternativas: "Não adianta mostrar às pessoas somente o que eles devem ser contra, mas do que podem ser a favor."

Peled acredita que a melhor contribuição que pode dar é fazer filmes. Ele conta que recebe muitos emails de pessoas que, tocadas pelos documentários, procuram informações para agir de forma mais justa e sustentável. 

O filme China Blue, que mostra as agruras da vida de duas adolescentes que trabalham como operárias em uma indústria de jeans que exporta para várias partes do mundo, é um bom exemplo. Ao ver como aqueles operários trabalham sob condições insalubres e análogas ao trabalho escravo, as pessoas querem saber como podem comprar roupas feitas sob condições corretas de respeito ao trabalhador, à natureza e ao mercado. 

Peled leva muito tempo para fazer um documentário (levou quatro anos para terminar China Blue e três anos para Amargas Sementes) porque passa muito tempo observando, conversando com as pessoas e colhendo informações e provas. 

Ele verifica a veracidade de todas as informações e ouve os vários lados de cada questão. Confirma fatos, consulta cientistas, recolhe relatórios e documentos.

Para ele, a natureza de uma grande corporação é crescer continuamente e agregar valor a suas ações, garantindo sua lucratividade não apenas hoje, mas no futuro. Conversando com muitas pessoas ligadas a grandes corporações, empregados, diretores, etc., especialmente das indústrias que critica nos filmes, Peled ouve as mais variadas explicações de porque o que estão fazendo é uma coisa boa: 

"Em todas as indústrias, as pessoas, seres humanos como eu, podem ser muito boas, talvez melhores do que eu", diz Peled. "O que percebo é que a mente humana não consegue viver muito tempo em dissonância cognitiva, ou seja, você não pode se olhar no espelho e sair para trabalhar todos os dias se sabe que a empresa para a qual você trabalha está fazendo coisas terríveis. Então você acredita em outra coisa que o faça se sentir melhor. 

E acredita profundamente nisso, da mesma forma que eu acredito no oposto."


7 Questões Críticas da Rio+20 (fonte: site da Rio+20 - www.rio20.info)

EMPREGO
Ação econômica e políticas sociais para criar trabalho remunerado são fundamentais para a coesão e estabilidade sociais. "Empregos verdes" são vagas na agricultura, indústria, serviços e administração que contribuem para a preservação ou restauração da qualidade do meio ambiente.

ENERGIA
O Secretário-Geral das Nações Unidas Ban Ki-moon está liderando a iniciativa Energia Sustentável para Todos para garantir o acesso universal a serviços energéticos modernos, melhorar a eficiência e aumentar o uso de fontes renováveis.

CIDADES
Permitir que as pessoas avancem social e economicamente está entre as melhores coisas nas cidades e os desafios enfrentados podem ser superados de forma que possam continuar a prosperar e crescer, melhorando a utilização dos recursos e reduzindo a poluição e pobreza.

ALIMENTAÇÃO
Uma mudança profunda no sistema alimentar e na agricultura mundial é necessária se quisermos alimentar os atuais 925 milhões de famintos e os 2 bilhões de pessoas esperadas até 2050.

ÁGUA
Escassez e má qualidade de água impactam negativamente a segurança alimentar, subsistência e oportunidades educacionais para as famílias pobres em todo o mundo. Até 2050, uma em cada quatro pessoas provavelmente viverá em um país afetado por escassez crônica ou recorrente de água potável.

OCEANOS
Nossa água da chuva, água potável, tempo, clima, litorais, grande parte da nossa alimentação, e até mesmo o oxigênio do ar que respiramos são, em última análise, todos fornecidos e regulados pelo mar. A gestão cuidadosa deste recurso global essencial é uma característica chave de um futuro sustentável.

DESASTRES
Com um ritmo acelerado de desastres naturais, acarretando uma perda maior de vidas e propriedades, e um maior grau de concentração de assentamentos humanos, um futuro inteligente significa planejar com antecedência e ficar alerta.

Matéria publicada na Edição 28 da Revista Geração Sustentável - Jornalista Letícia Ferreira

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