Rogério Ruschel* 

Já  não restam dúvidas científicas de que o desenvolvimento sustentável é o  único modelo capaz de evitar a degradação em velocidade geométrica das  condições de vida e finalmente a inevitável extinção de várias espécies  de flora e fauna do Planeta, entre as quais provavelmente a do Homo  Sapiens.
Sabemos que para buscar a sustentabilidade uma pessoa ou organização  deve adotar como padrão de comportamento ou gestão ser ambientalmente  correta, socialmente justa e economicamente viável - o “triple bottom  line”, conceito formulado pelo britânico John Elkington. Sabemos também  que a busca pela sustentabilidade é uma caminhada que deve ser trilhada  com início urgente, imediato, mas final inexistente.
Então o que faz uma pessoa, um cidadão, mobilizar-se pelo assunto ou  uma empresa adotar a sustentabilidade no universo corporativo? Não sou  filósofo, mas entendo que fundamentalmente a diferença está numa  qualidade humana chamada “Generosidade” - e que a Generosidade é o  quarto elemento do “triple bottom line”.
Generosidade é a qualidade do que é generoso, pródigo, do que perdoa  facilmente, nobre, leal; a virtude de quem acrescenta algo ao próximo.  Generosos são tanto as pessoas que se sentem bem em dividir algo com  mais pessoas porque isso fará com que se sintam bem (num contexto  egocêntrico), tanto quanto aquelas que dividirão bens tangíveis ou  intangíveis com outros, sem a necessidade de receber algo em troca. É o  contrário da “Ganância”. E isto se aplica quase que literalmente para  organizações, porque por trás delas sempre estão gestores humanos.
No livro “Princípios de Filosofia” René Descartes apresenta a  generosidade como “uma despertadora do real valor do Eu” e ao mesmo  tempo uma mediadora para que “a vontade se disponha a aceitar o concurso  do entendimento”. É filosófico, sim, mas é simples: a generosidade é  uma qualidade de quem coloca os interesses de terceiros no mesmo plano  dos seus interesses pessoais, para resolver um problema ou dilema que  atinge a todos, que busca o entendimento. Não é exatamente disto que uma  sociedade sustentável necessita?
No campo do Direito isto se chama “interesses difusos” – e como  sabemos, os interesses difusos - aqueles de interesse do conjunto da  sociedade - são constitucionalmente inalienáveis. Trocando em miúdos, a  Generosidade deveria ser um dos fundamentos da sociedade brasileira, até  mesmo pelo que está escrito em nossa Constituição. E a Ganância, o  oposto da Generosidade, deveria ser execrada porque ofende direitos  constitucionais coletivos.
No mundo corporativo Generosidade pode ser traduzida como uma forma  de altruísmo – e aqui está a razão do porque poucas empresas realmente  adotam a sustentabilidade no processo de gestão: altruísmo não combina  com capitalismo selvagem, com a famosa “Lei de Gerson”, aquela de que se  deve levar vantagem em tudo. No mundo corporativo Generosidade  significa uma empresa tomar a decisão de reduzir um pouquinho a margem  de lucro ou aumentar em alguns meses o prazo de retorno de um  investimento para ser ambientalmente correta e socialmente justa – sem  deixar de ser economicamente viável.
Significa ter a coragem para contrariar práticas de gestão, regras de  mercado, de design de produtos e de formas de concorrência  estabelecidas por força de um modelo de crescimento a qualquer custo que  já se demonstrou completamente inviável do ponto de vista de recursos  naturais e de felicidade humana. A Generosidade é o que diferencia uma  empresa que adota critérios de sustentabilidade no modelo de gestão  daquelas que dizem que o fazem, mas deslizam na superficialidade ou  praticam o greenwashing, a maquiagem verde.
Generosidade corporativa significa também compartilhar gratuitamente  seu aprendizado, seu conhecimento, suas patentes, sua força e seus  recursos em nome de interesses que ultrapassam os limites da empresa. O  jornalista Dal Marcondes, da Envolverde, costuma dizer que filantropia é  dar um peixe a quem tem fome, responsabilidade social é ensinar a  pescar e sustentabilidade é preservar o rio. Pois no contexto da  Generosidade corporativa este compartilhamento é estar na nascente do  rio e compreender a importância de seu fluxo e entorno até a foz e além –  é perceber o que de fato importa para possam continuar existindo  peixes.
Generosidade corporativa é perceber o problema de emissões de Gases  de Efeito Estufa não apenas como um volume de particulados em suas  chaminés, mas como um assunto de interesse coletivo – e ir além de metas  de redução. Generosidade corporativa é compreender que não basta fazer o  seu papel, é preciso mobilizar seus parceiros de negócios – e para isso  poderá ser necessário ceder em aspectos antes inegociáveis. Mas a  Generosidade corporativa também oferece vantagens e oportunidades de  negócios. Alguns exemplos, já clássicos:
• A Danone francesa se associou a cooperativas de trabalhadores e ao  Grameen Bank para implantar em Bangladesh 50 fábricas de iogurte de  baixo custo. Com isso está atendendo crianças subnutridas com redução de  custos fixos na implantação de fábricas e custos de produção, porque os  funcionários são sócios e consumidores. A BASF fez um projeto parecido,  para a produção de mosquiteiros de baixo custo com essências de  proteção. Marketing? Sim, e inteligente, porque o modelo só funciona se  houver redução da margem de lucro – uma opção generosa para conquistar  mercado
• No começo dos anos 2000 a Sadia investiu na construção de dezenas  de biodigestores nas propriedades de pequenos produtores de suínos. E  porque ela fez isto se não está no ramo de produção de energia? Porque  com esta iniciativa passou a evitar dezenas (talvez centenas) de multas  pela contaminação do solo com os resíduos da criação, reduziu os custos  dos produtores que passaram a gerar sua própria energia elétrica,  agregou valor à atividade para fixar os filhos dos produtores no campo,  perpetuando o fornecimento de matéria-prima – e ainda gerou créditos de  carbono! Puro negócio? Sim, mas a generosidade está em investir  “dinheiro bom” em uma idéia coletiva, com prazo longo de recuperação
• Evoluindo aos poucos durante os anos 90, a Interfaceflor, empresa  norte-americana fabricante de tapetes, já está fabricando produtos com  100% de fibras recicladas a partir dos tapetes velhos de seus clientes.  Ao fazer isto percebeu uma ótima oportunidade. Como tapete é artigo de  decoração e sai de moda, a empresa mudou o modelo de negócio: está  propondo que seus clientes não comprem seus tapetes – e como num  processo de “leasing” de automóveis, as famílias podem ficar com o  produto ou trocar por outro, ao fim do pagamento. Coragem para mudar  exige generosidade
Na linha do tempo da história a Generosidade é um dos traços da  personalidade de pessoas que trouxeram benefícios universais para a  Humanidade como Mahatma Gandhi, Buda, Jesus Cristo, Nelson Mandela,  Martin Luther King, Wangari Maathai, Muhammad Yunus, Madre Teresa de  Calcutá e outros - mas também aparece em pequenos gestos de pessoas  comuns em nosso dia-a-dia, e que merecem ser elogiados e replicados.
Se lhe parece complicado entender a importância da Generosidade como  parte da essência da sustentabilidade, basta pensar no seu oposto, a  Ganância. Com certeza você vai concordar comigo que a Generosidade  realmente é o quarto elemento do triple bottom line.
*Rogerio Ruschel é jornalista, editor da revista eletrônica “Business do Bem – Economia, Negócios e Sustentabilidade”. (Envolverde/ECO 21)
 
 
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