Clara Corrêa, da EcoD
Frederico Gelli, mais conhecido como Fred, começou a se interessar  pela forma como a natureza embalava tudo que existia no planeta ainda no  início da faculdade de Desenho Industrial. 
Desde então, o  sócio-fundador da Tátil Design de Ideias mergulhou no estudo da biônica e  biomimética, criou um núcleo de Ecoinovação na empresa e recebeu mais  de 70 prêmios nacionais e internacionais pelas soluções de baixo impacto  ambiental e alto impacto sensorial desenvolvidas pelo grupo.
Nessa conversa com o EcoDesenvolvimento.org, Fred fala sobre a busca  por inspiração na natureza, como será preciso retornar às raízes  naturais para encontrar as soluções para os problemas do futuro e como  as empresas e marcas precisarão redefinir suas estratégias para  conquistar os “desfrutadores” de seus serviços, que substituirão a  demanda por produtos.
EcoDesenvolvimento - Como começou essa sua relação com a sustentabilidade?
Fred Gelli - Começou na faculdade, ainda no segundo  ano. Eu me interessei por embalagens e resolvi fazer uma abordagem  original dessa história, ver como a natureza embalava as coisas. Então  eu fui atrás de coisas como cascas de frutos, o útero da mulher. E essa  foi a semente inicial da Tátil. Na época eu estava em contato com a  biônica, que é a ciência que busca inspiração na natureza pra pensar em  soluções para a engenharia, o design, a arquitetura.
Nesse mesmo momento, isso foi em 1988, eu comecei a estudar também as  particularidades do ecodesign. Na época isso era uma coisa  completamente inusitada, ninguém falava nisso, mas existiam alguns  pesquisadores, como o Victor Papanek, o Buckminster Fuller, que eram  pessoas que já tratavam um pouco dos princípios de projetos que geravam  menos impacto ambiental.
Nesse mesmo projeto começamos a desenvolver embalagens e produtos  feitos de materiais reciclados com alguns princípios do ecodesign, como a  desmontabilidade para poder reciclar, a obsessão pelos processos  produtivos mais simplificados possíveis, com menos uso de cola e mais de  tintas e pigmentos a base de água, coisas que naquela época ninguém  entendia absolutamente nada.
Eu me lembro que cheguei a ouvir de diretores de marketing coisas  como, “ô garoto, você está maluco? Você acha que eu vou querer associar a  minha marca a um produto ou embalagem feito de lixo?”. Foi muito  difícil na época. Outro problema é que não tinham fornecedores que  produzissem as ideias que a gente criava. Então a gente teve que montar  uma pequena fábrica. Foi aí que fizemos aquelas canetinhas de papel que  hoje estão em todos os eventos ligados a baixo impacto ambiental.
Esse foi o começo. Por dez anos a Tátil só trabalhou com soluções,  materiais e pensamento de ecodesign. Hoje nos definimos como uma  consultoria de estratégia, construção e gestão de marcas que usam o  design branding como ferramenta para construir relações sustentáveis  entre pessoas e marcas.
EcoD - Como você avalia o cenário atual do ecodesign?
FG - Acho que hoje existe um interesse radicalmente  maior por partes dos clientes em relação a quando a gente começou. Mas  acho também que ainda existe muito pouca gente habilitada para trabalhar  de fato com as premissas que fazem a diferença. Então existe uma  evolução no cenário por conta de uma demanda maior, soluções com menos  impacto ambiental, mas ainda tem um caminho longo para percorrer.
Mas eu acredito muito que em um curto espaço de tempo a gente vai  começar a ter esses diferenciais, que hoje ainda são considerados  “extravagantes” para muitas empresas. Serão diferenciais decisivos para  garantir preferência por parte dos consumidores. O que me preocupa é que  a formação dos estudantes de design sobre essa perspectiva ainda é  muito incipiente.
EcoD - Qual será a importância do design em um futuro sustentável?
FG - As premissas e atributos de menos impacto  ambiental em um produto ou serviço serão tão básicos quanto os outros  atributos, como qualidade, preço, etc. A gente está na fronteira de uma  mudança de paradigma radical onde nosso modo de vida, nossa forma de  produção e os conceitos de hiperconsumo que a gente acabou adotando como  base para o princípio de desenvolvimento da sociedade estão  absolutamente em cheque. E o design é fundamental nessa hora porque a  gente terá, acima de tudo, um desafio criativo.
Será uma demanda básica na atuação de qualquer designer num futuro  próximo, no meu ponto de vista. Não é mais uma questão ideológica ou  filosófica, é uma questão física, de sobrevivência. Pra gente conseguir  continuar colocando objetos no mundo, seguir alimentando um modelo de  consumo capitalista, a gente vai ter que redesenhar a forma como a gente  faz isso. Isso é um desafio que tem muito a ver com o design, tanto no  sentido direto, ou seja, novos desenhos de produtos e serviços, como no  sentido mais filosófico e estratégico, que é um novo modelo de  crescimento.
Outra dimensão que eu acredito muito é a mistura de conhecimentos.  Esses desafios futuros serão basicamente desafios multidisciplinares.  Isso já existe um pouco no presente, mas acho que no futuro a gente vai  ter que olhar realmente pros problemas com um foco que vai exigir a soma  dos conhecimentos. E o designer é um cara que olha para o mundo de uma  maneira multifacetada. Eu costumo falar para os meus alunos que o  designer é um cara que não conhece profundamente nada e nem deveria. Ele  precisa conhecer quem conheça.
EcoD - Você já comentou que os ecossistemas são  grandes ambientes de negócios, um sistema de ganha-ganha. Como esses  sistemas podem inspirar soluções para os problemas atuais?
FG - Eu acredito muito que, diante desse mega  desafio criativo que nós temos pela frente, uma fonte muito poderosa de  inspiração é a natureza. Ela está aí a quase quatro bilhões de anos  exercitando projetos, experimentando, valorizando o que dá certo,  eliminando o que dá errado. Então eu acho que é um desperdício enorme  não olharmos para ela como inspiração, como Benchmark.
E sobre essa perspectiva mais holística, mais sistêmica, a gente  começou a desenvolver um projeto pra Fundação Getulio Vargas para  entender como é que a natureza faz negócio. Ou seja, olhar para os  sistemas e ver que são grandes ambientes de troca, tem indivíduos e  espécies que estão ali o tempo todo trocando energia, matéria,  informação, e fazendo isso de maneira absolutamente virtuosa.
São conceitos de crescimento, de equanimidade, ou seja, todo mundo  ganhando o tempo todo. Cada indivíduo tem o seu próprio lucro, e isso  não é uma coisa que precisa ser demonizada, ele existe na natureza, só  que a existência do lucro de uma espécie depende do lucro de outra. A  natureza consegue equilibrar a competição e a cooperação de uma maneira  muito interessante, e nos dando uma série de inspirações para  repensarmos nossos modelos.
A gente vive diante dos ecossistemas das cidades e precisamos olhar  pros recifes de corais, pras florestas tropicais, pros manguezais, como  referências de ambientes de troca onde os principais problemas que a  gente vive hoje são equalizados de uma maneira muito eficiente, fechado  por milhões de anos que me parece tão óptimo. Além do mais tudo isso é  copyleft, não precisa pagar direito autoral pra ninguém, você pode  copiar.
EcoD - Você se baseia em princípios  elementares da natureza para desenvolver seus trabalhos, como o ponto  óptimo, o ciclo e a interdependência. Qual a importância de retornarmos a  esses princípios para nos reequilibrarmos com o planeta?
FG - Eu identifiquei esses três princípios criativos  lá naquele primeiro projeto das embalagens naturais, que são os  princípios básicos que a natureza usa pra projetar qualquer coisa. E a  ironia é que nós, seres humanos, projetamos nossas coisas em uma lógica  absolutamente inversa. Nós somos maximus, ao invés de óptimos, somos  lineares ao invés de cíclicos, e somos cartesianos ao invés de  consideramos a interdependência.
Novamente existe uma inspiração muito básica, muito essencial, do que  deve alimentar nossa nova maneira de ocupar o planeta. A ideia de que  uma empresa pode botar produtos no mercado e não se preocupar com o que  vai acontecer com esses produtos no futuro é uma ideia ultrapassada. A  gente tem leis hoje por todos os lados, como a Política Nacional de  Resíduo Sólidos que foi aprovada no Brasil e compromete as marcas a  contabilizarem todo o ciclo de vida dos objetos que elas colocam no  mundo.
A gente inventou esse lugar mágico chamado “lixo”, onde as coisas que  a gente não quer mais somem e a gente não tem nenhum trabalho extra com  isso. Isso é uma bobagem que contraria aquela lei básica que a gente  aprendeu na 4º série primária, de Lavoisier, que nada se cria, tudo se  transforma. A gente esqueceu dessa lei básica e nos empolgamos com o  modelo de produção que não é sustentável, no sentido mais general da  palavra.
EcoD - Você já afirmou que o futuro será de  menos átomos e mais bites, menos produtos e mais serviços. Como a  relação homem / tecnologia / meio ambiente irão caminhar nos próximos  anos? Como você vê o mercado daqui a 30, 50 anos?
FG - Eu falei isso em uma palestra chamada High Tech  High Green, que eu fiz com o Fábio Gandour, que é o cara de inovação da  IBM, e foi engraçado porque ele era completamente pessimista e eu  totalmente otimista em relação ao futuro nesse sentido do encontro entre  tecnologia e as novas demandas de redução de impacto ambiental.
E a minha perspectiva é muito a de que a gente tende a caminhar para  uma economia menos física, material, pesada, para uma economia mais  leve, virtual, digital. Uma tecnologia viabilizadora dessa lógica.
Então no momento, por exemplo, que eu passo a ouvir música  simplesmente fazendo o download dela ao invés de comprar o cd, que  precisa ser produzido, transportado de navio, caminhão etc, eu estou  desfrutando da mesma experiência só que com uma redução enorme da  manipulação e do transporte de matéria.
Eu acredito que essa tendência vai se reproduzir em muitas categorias  de produto, acho que vamos caminhar, em muitos níveis e aspectos  diferentes, para uma perspectiva da tecnologia como aliada à redução de  impacto ambiental. Daqui a pouco não vai ter mais sentido nenhum uma  vídeo locadora, onde você tem que sair de carro, pegar um dvd, voltar.  Isso vai ser imaterial. Ainda tem as impressões 3D, que irão reduzir  muito o consumo de átomos.
Essa perspectiva dos átomos serem finitos e os bites infinitos  certamente vai alimentar a indústria e o capitalismo do futuro. Tem uma  frase do Sérgio Besserman que eu adoro, que diz que a ideia de que se  pode pensar num crescimento eterno e infinito em um planeta que é finito  ou é uma ideia de um débil mental ou de um economista. Então essa ideia  de consumir bites em vez de átomos faz muito mais sentido e o  crescimento virá por essa trilha de pensamento.
EcoD - Você chama os novos consumidores de “desfrutadores”, por quê?
FG - O “consumidor” é uma redução muito radical da  nossa razão de existir. Na Tátil a gente não usa mais a palavra  “consumidor”, a gente fala em “pessoas”. “Consumidor” é uma ideia que  faz a humanidade parecer um bando de cupins, que só estão aqui para  consumir o planeta, os recursos, produtos.
Já a ideia do “desfrute” parece muito mais viável, já que inclui a  dimensão do compartilhamento de objetos, que será absolutamente  fundamental se a gente pensar que daqui a 50 anos o planeta terá 9.5  milhões de pessoas. Se todo mundo quiser ter seu próprio automóvel,  esquece!
A ideia de você desfrutar de um objeto ou serviço e compartilhar isso  com outras pessoas é inevitável, não tem saída. Então é bom a gente ir  se acostumando com essa mudança de perspectiva. Eu não preciso ter um  carro, eu preciso desfrutar de um meio de transporte, que pode continuar  sendo um carro com um desenho incrível, um motor bacana, mas ele não é  meu, eu não preciso mantê-lo 92% do tempo parado na garagem. Eu vou  usá-lo pelo tempo que eu preciso e depois ele vai ser desfrutado por  outra pessoa.
Isso abre para uma série de vantagens que o “desfrutador” tem em  relação ao “consumidor” porque ele pode desfrutar da diversidade, ter um  carro adaptado para cada momento da sua vida sem se preocupar com  seguro, IPVA, oficina. E isso se alinha muito com a ideia de mudança de  uma economia de produto para serviço. Então as montadoras passarão a ser  provedoras de meios de transporte, e isso é muito mais interessante. É  um sistema vantajoso para todos, e isso já começou.
EcoD - Quais serão as ferramentas e estratégias para conquistar esse desfrutador?
FG - Isso tudo passa por um desafio criativo de  redesenhar o sistema, a lógica, a mídia, a comunicação, a relação das  pessoas com os objetos, ou seja, vai exigir muita criatividade em tudo.  Por isso que eu falei do papel ampliado do designer nessa hora,  repensando o automóvel, e não simplesmente fazendo um carro que polua  menos.
Isso vai exigir das empresas que elas consigam montar equipes  multidisciplinares que consigam lidar com esse desafio criativo em todas  as suas dimensões. As empresas terão que se reinventar a luz dessa nova  perspectiva.
EcoD - Quais são os fatores fundamentais para inserir a sustentabilidade na estratégia de uma empresa de forma consistente?
FG - Existe uma linha de pensamento chamado Branding  3.0 que propõe que as empresas mergulhem na sua essência e encontrem  alguma coisa ali, como um propósito, que seja forte o suficiente para  serem os alicerces da ponte que tem que ser construída entre o presente e  o futuro dessas empresas e marcas.
Eu sempre digo em minhas palestras que eu torço muito para que o  futuro não seja verde, eu espero que ele seja multicolorido. As marcas  vão ter que encontrar a sua maneira de ser sustentável e algumas delas  vão perder relevância porque não vão encontrar na sua essência nada que  justifique a sua existência no futuro.
Esse processo de transformação não pode ser um esforço paralelo de  marketing, ou de posicionamento institucional, mas um esforço integrado  que precisa considerar a razão de ser da empresa, o plano de negócio.  Essa busca por um caminho sustentável tem que ser uma coisa só. Enquanto  for algo separado, como é hoje na maioria das empresas, vai continuar  sendo coisa de um grupo de chatos.
Fonte: (EcoD) 
 

 
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