Vilmar Berna, do Portal do Meio Ambiente
As pessoas podem se dividir por seu grau de interesse - ou desinteresse. Por mais que alguns se interessem, têm outros que não ligam, e não exatamente por que não se importam, talvez, por não perceberem tão claramente os riscos, ou então por achar que a situação não é tão grave.
Outros ainda podem não se interessar por achar que já sabem tudo o que precisam saber, ou que não vale a pena saber mais, ou por comodidade mesmo, pois saber dá trabalho, custa tempo e dinheiro, exige esforço, motivação e disposição de se expor a debates e correr o risco de ter as idéias questionadas.
Existem pessoas que têm medo de pensar ou agir de forma diferente da maioria para evitar serem rejeitadas ou discriminadas. Outras podem achar que pensar dói, especialmente quando são obrigadas a reverem conceitos e visões de mundo que já não se adéquam mais às novas realidades, mas que são crenças consolidadas há muito tempo. Ou quando são obrigadas a encarar os fatos e descobrir que muitos dos problemas atuais foram criados por suas próprias culpas e responsabilidades, por conta de escolhas equivocadas que fizeram ou que prosseguem fazendo.
Por outro lado, pessoas interessadas geralmente são líderes, e tanto podem ser parte da solução, por estarem comprometidos com a mudança, quanto podem trabalhar para manter as coisas como estão. Por isso, não temos de aceitar de pronto o que dizem os líderes, na empolgação do momento ou pela beleza dos discursos e promessas, pois podem ser falsas ou nos conduzirem ao desastre. Hitler não chegou aonde chegou se não tivesse a capacidade de encantar ao seu público.
Os quatro pilares
Os responsáveis por definir e aplicar regras e políticas devem saber levar em conta o grau diferenciado de interesses dentro de um coletivo, adotando diferentes estratégias para obter maior eficácia na ação, principalmente quando envolve mudanças. Por exemplo, em primeiro lugar, assegurando espaço para a comunicação, ampla, geral e irrestrita, pois boa parte das pessoas muda de atitude simplesmente ao tomar conhecimento das novas regras. Ser eficaz em comunicação não é falar a mesma coisa para todo mundo, mas primeiro identificar os diferentes graus de interesse de cada público afetado e depois buscar a melhor mensagem, linguagem e forma para se comunicar, partindo da percepção e interesse de cada público e não da percepção do comunicador.
Em segundo, as políticas para a sustentabilidade devem assegurar acesso à educação ambiental, pois às vezes não basta saber sobre as novas regras, é preciso saber o que fazer e como fazer para se adequar a elas, e que novos valores e capacidades serão requeridos pela nova situação.
Em terceiro lugar, assegurar mecanismos de incentivo para estimular as pessoas e as organizações, reconhecendo o esforço daqueles que saíram na frente.
Em quarto e último lugar, desenvolver mecanismos justos e eficazes que permitam punir sem desestimular a vontade de mudar. Sabemos que a verdadeira mudança ocorre de dentro para fora, entretanto, o que fazer quando alguns escolhem descumprir as regras deliberadamente depois de já terem recebido as informações, a sensibilização, a capacitação e os incentivos necessários? A sociedade não pode ficar refém de quem escolhe não mudar e deve dispor de mecanismos de ajustamento de conduta, até como forma de ser justa com os que escolheram agir dentro das novas regras.
O papel da resistência
Por outro lado, o direito de desobedecer, desde que pacificamente, deve ser reconhecido e respeitado, embora não deva livrar os desobedientes das penas previstas. Os que desobedecem e resistem sabem dos riscos que correm, mas às vezes assumem tal postura por ser a única forma de serem ouvidos.
Os que resistem também cumprem um importante papel social para o processo e mudança. Poderão ser os lideres do amanhã, assim como os lideres de hoje foram os resistentes ou desobedientes do passado. Toda inovação pressupõe certo grau de infração às regras, caso contrário, apenas chegaríamos aos mesmos lugares que outros já chegaram antes.
Radiografia da mudança
A vida é em rede, e as mudanças também. A força de uma rede não se mede pela forca de um de seus fios, mas pelos entrelaçamentos dos fios e nós. Numa rede não existe uma cabeça mais importante. Qualquer um numa rede pode se tornar o líder ao escolher agir e, dependendo de suas escolhas, poderá reforçar ou enfraquecer a rede. Os líderes importantes não são os que vão à frente, mas os que vão junto, que ajudam a reforçar a rede, o coletivo, o grupo como um todo, preocupando-se em sensibilizar, conscientizar, mobilizar os demais. Líderes assim devem ser valorizados.
O processo de mudança entre um modelo de desenvolvimento predatório e injusto para outro, justo e sustentável, por exemplo, não se dará por força do acaso muito menos pela ação de pessoas desinteressadas e desmotivadas, mas ao contrário. Será por obra e escolha deliberada de pessoas interessadas que em vez de se deixarem paralisar por qualquer razão ou desculpa, decidem descobrir um jeito de superar as dificuldades.
Na vida nada é permanente e, assim como as velhas idéias que serviram no passado devem ser substituídas pelas novas idéias de hoje, certamente, as novas idéias também serão mudadas com o tempo, pois a única coisa permanente que existe é a própria mudança.
No início, a mudança pode parecer imperceptível, quase um pequeno desvio à regra ou mesmo uma desobediência, como os tropeiros empreendedores que começaram o mercantilismo fazendo comércio por fora dos muros das cidades feudais, nos lombos dos burros, sujeitos a todo tipo de rapina e assumindo grandes riscos. Venceram e se tornaram os poderosos de hoje, substituindo os poderosos do passado.
Hoje, esta nova forma de ver e organizar o mundo, que foi inovadora e moderna em relação ao sistema feudal da Idade Media, tornou-se velha e trouxe a humanidade à beira de sua maior crise socioambiental global ao colocar produção e o consumismo exacerbados acima da ética, do humanismo e dos limites da natureza.
Os desafios da sustentabilidade
Fomos capazes de mudar no passado. Seremos capazes de mudar novamente. E o novo que chega se chama sustentabilidade, talvez ainda uma idéia em aperfeiçoamento e por isso mesmo ainda mal compreendida, mas que indica um desvio em relação ao sistema que nos trouxe até aqui. Os sinais da sustentabilidade já podem ser notados nas idéias, promessas de boas práticas, em maior ou menos grau, aqui e ali. Eles nos permitem olhar para o futuro com esperança.
O desafio, entretanto, é não sabermos direito de quanto tempo ainda temos antes de um difícil, mas não improvável colapso ambiental planetário que poderia colocar em risco a vida como a conhecemos. Entretanto, isso não deve nos assustar por que não temos mesmo alternativas. Precisamos tomar coragem para nos levantar e agir, rompendo com a inércia. Enquanto ainda temos tempo. E, assim que der, aumentar o ritmo e a velocidade da caminhada.
*Vilmar Berna é escritor com 15 livros publicados. Na Paulus, publicou “Como Fazer Educação Ambiental”, “Comunicação Ambiental”, “O Desafio do Mar”, “O Tribunal dos Bichos”, entre outros, e nas Paulinas, “Pensamento Ecológico” e “A Administração com Consciência Ambiental”, transformados em curso à distância pela UFF – Universidade Federal Fluminense. Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e em 2003 o Prêmio Verde das Américas. É fundador da REBIA – Rede Brasileira de Informação Ambiental e editor do Portal (http://www.portaldomeioambiente.org.br/) e da Revista do Meio Ambiente. Mais informações sobre o autor: www.escritorvilmarberna.org.br). Contatos: vilmar@rebia.org.br
(Envolverde/O autor)
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