A casa e o bairro do futuro estão quase sendo uma realidade. Esta casa você encontrará na China antes que em qualquer lugar
Vai chegar, em breve, em uma loja perto de você, uma casa zero carbono, circundada por um córrego que trata e recicla a água utilizada para você. O calor do sol gera eletricidade suficiente para prover energia para a casa inteira. O telhado verde e as paredes inteligentes da casa oferecem aquecimento radiante e resfriamento natural. Você e seus vizinhos irão para o trabalho de bicicleta ou andando e também terão a opção de compartilhar qualquer um dos veículos elétricos em suas estações de carregamento.
Esta casa do futuro está chegando, mas você a encontrará na China antes que em qualquer lugar. Pergunte a Harrison Fraker, Diretor da Faculdade de Design Ambiental da UC Berkeley, e ele confirmará que a China é “o” lugar para fazer a mudança mais rápida e agressiva. No país, cerca de 60% do esgoto é despejado sem tratamento, a população está se elevando e a taxa de destruição ambiental é a maior de todos os tempos. Além disso, o aquecimento global é a causa de quase meio milhão de mortes, com prejuízos ambientais que custam à China até US$ 200 bilhões por ano.
O envolvimento de Fraker começou quando a Berkeley foi convidada a trabalhar com o instituto de planejamento e design de Tianjin, para trabalhar com conceitos de trânsito para um sistema de veículos leves sobre trilhos. Os líderes da cidade queriam conselhos e protótipos para a forma como os bairros poderiam tirar melhor proveito das opções de trânsito verde, tais com atalhos para pedestres e bicicletas.
Essa solicitação, sozinha, marcou um desvio significativo do modelo atual utilizado pelo desenvolvimento residencial urbano na China: o Superbloco, um modelo que se baseia em uma infraestrutura centralizada de usinas elétricas e linhas de energia elétrica, estações de tratamento de esgoto e saneamento e um suprimento de água sanitária fornecidos pela cidade ou pelas empresas de serviço público da província.
Entre no Eco-bloco
O que acontece quando você adiciona a esse cenário algumas indústrias pesadas do nível da Arup, a empresa de consultoria global, o talento vindo de uma escola como o de Fraker, o exame minucioso internacional advindo da rápida aproximação das Olimpíadas de Pequim 2008 e uma dose pesada do melhor que a ciência de tecnologia limpa pode oferecer, incluindo máquinas eólicas, tecnologia fotovoltaica e digestores anaeróbicos? Muito rapidamente, um novo modelo de desenvolvimento ocupa o lugar do Superbloco. Chame-o de Eco-bloco.
Configurado para ser replicado para as massas, um conceito que, em realidade, coloca pressão mínima na infra-estrutura que está fora deste local e no meio ambiente natural - esta é a visão do futuro que está ganhando forma hoje. Amplamente auto-suficiente em termos de uso de energia e água, os Eco-blocos são desenvolvimentos neutros em relação ao carbono. Suas formas estimulam o andar, pedalar e o uso do transporte público. Toda água utilizada é reciclada no local; a geração de energia se dá no local e toda energia gerada a partir do lixo, do sol e do vento é usada para tratar a água da chuva e a água suja e fornecer água potável de alta qualidade para os moradores. Mesmo os resíduos alimentares e dos jardins serão convertidos em energia para energizar as casas.
Pântanos construídos e baixadas coletam e tratam a água para reuso, servindo ao duplo propósito de melhorar o valor estético de cada bairro e criar resíduos verdes que podem ser transformados em energia dentro de um digestor anaeróbico no local. E os Eco-blocos são configurados para usar 40% menos de energia do que o desenvolvimento padrão para esse tamanho.
Sob um programa chamado de Urban Sustainability Initiative, a UC Berkeley tem trabalhado na China, pesquisando tecnologias e configurações de comunidades sustentáveis para tornar o Eco-bloco uma realidade, primeiro como um protótipo, mas, em breve, para se espalhar pela China.
Em um esforço colaborativo enorme - envolvendo uma equipe interdisciplinar unida pela Faculdade de Design Ambiental da Berkeley, pelo Instituto de Design e Planejamento Urbano de Tianjin e pela Fundação Gordon Moore - a equipe tem trabalhado para integrar o melhor das tecnologias limpas em processos de tomada de decisão de áreas urbanas por todo o mundo em desenvolvimento.
Em 2006, representantes da UC encontraram chefes de governos centrais e locais na China para identificar um local adequado ao desenvolvimento de um protótipo de Eco-bloco, e foi assentado em Qingdao, um edifício de 600 unidades que será replicado 8,5 vezes por 23 hectares (56 acres) de terra.
O potencial para economias ambientais, sociais e em saúde que o Eco-bloco pode trazer é simplesmente enorme: se 18.333 Eco-blocos de 600 unidades fossem construídos, evitaria que a construção de 34 aterros sanitários, 42 usinas energéticas, 54 estações de tratamento de água e 51 estações de tratamento sanitário, em uma economia total de US$ 38.737.185.000.
Em um relatório de pré-viabilidade sobre os Eco-blocos, realizado pela ARUP em conjunto com a Universidade da Califórnia em Berkeley e Huahui Designs, a empresa estima que o governo chinês economizaria sozinho 1,3% de seu PIB por não ter de construir infra-estrutura adicional para suprir as demandas por energia, água limpa, distribuição de água e esgoto – e isso não está contando a economia dos custos associados atualmente com o tratamento da poluição ambiental ligados aos problemas de saúde, que atualmente utiliza cerca de 10% do PIB do país.
A boa notícia? A cidade ama a ideia. O Ministério da Construção também. E, de acordo com Fraker, a economia é, ao menos, um dos novos conceitos de eco-desenvolvimento propostos, que um gerente de propriedade pode fazer de um Eco-bloco um negócio lucrativo ao cobrar os proprietários das casas pela manutenção dos sistemas de energia, lixo e água. Fraker diz que diversos interesses dos grandes negócios estão bancando seu funcionamento, e as concorrências já começaram.
“Nas primeiras cinco mil unidades, a Siemens quer fazer o sistema do bairro funcionar”, disse Fraker. “E, depois, descobre-se que a maior produtora de eletrodomésticos da China – a Haier Corp. – está interessada em ser uma desenvolvente, como uma maneira de lançar todos seus eletrodomésticos que conservam energia e o que eles chamam de conceito de ‘casa inteligente’ ”. A aprovação da cidade de Qingdao e do Ministério da Construção daria luz verde a tais planos.
Da perspectiva de Fraker, tais desenvolvimentos das Ecocidades requererá uma forma completamente diferente de fazer negócios – ao menos, nos EUA – porque a forma como o sistema está configurado atualmente, ele diz, pende fortemente a favor de desenvolver rápido e sair, sem a mínima responsabilidade pelo impacto ambiental no longo prazo.
Em outras palavras, o desenvolvente depende de um suprimento de energia centralizado e eles apenas se ligam a ele, desenvolvem e entregam as chaves para o proprietário da casa, que acaba sendo quem paga a (s) conta (s) dali por diante, enquanto o desenvolvente apenas vende e vai embora. Os desenvolvimentos das Ecocidades, crê Fraker, requererá algum tipo de gerenciamento de propriedade com interesse próprio na operação e manutenção desses sistemas diferentes, distribuídos em pequena escala.
Por sorte, está ficando mais fácil criar Ecocidades e as mudanças inerentes que trazem conceitualmente consigo. “Arquitetos e planejadores estão novamente sendo reconhecidos como partes chave na conquista de um mundo melhor”, diz John Bilmon, “e estamos vendo agora algum progresso real no desenvolvimento e design na construção Eco”.
Princípios de desenvolvimento sustentável
Bilmon é Diretor Operacional da PTW Archtects e diretor do projeto do Watercube Project (Cubo d’Água) que a China está desenvolvendo para as Olimpíadas de Pequim. Em uma entrevista, ele disse que o maior condutor impulsionando o conceito de design de ecocidades, planejamento arquitetônico e desenvolvimento urbano talvez sejam os Princípios do Equador, em grande parte porque se aplicam à totalidade do ciclo de vida do projeto e, na maioria dos casos, requerem um monitoramento operacional após a conclusão do projeto e o investimento final da empresa.
Um conjunto voluntário de diretrizes, baseado em padrões ambientais e sociais usados pela International Finance Corporation, os Princípios do Equador foram desenvolvidos e adotados por bancos para identificar e gerenciar questões ambientais e sociais em projetos de empréstimos financeiros, e se tornaram um novo padrão de mercado, transformando projetos financeiros. Atualmente, mais de 50 bancos localizados na Europa, na América do Norte, no Japão e na Austrália se uniram ao projeto e estima-se que, juntos, organizaram cerca de 80% do projeto de empréstimo financeiro em 2003.
Embora o sol esteja atualmente brilhando para os planejadores urbanos, os incentivos serão centrais para a continuidade de levar à adoção de práticas verdes por ambos, desenvolventes e residentes. Richard Register, fundador do Ecocity Builders, sediado em Berkeley, Califórnia, acredita que os passos para uma ecologia da economia incluem algumas coisas básicas, como o que ele chama de “Lista” – de produtos e serviços e empregos que constroem e mantêm uma economia planejada, centrada ecologicamente, assim como aqueles envolvidos na reciclagem de materiais, e aqueles que se relacionam à lavoura orgânica e comunitária e restauração de áreas naturais.
Register acredita que pacotes de incentivos são essenciais para uma economia centrada na sustentabilidade – incentivos que incluem impostos e regulamentação de zonas, assim como outras leis e induções, como um comprometimento pessoal a comprar “verde”, que estimula tais produtos, serviços e negócios.
“Nesse momento, a maioria dos incentivos apoia amplamente a infra-estrutura destrutiva da expansão automobilística”, diz, acrescentando, “precisamos reconfigurar toda nossa abordagem de construção e manutenção de cidades se estas devem ser sustentáveis, e há ainda mais empregos e uma qualidade maior de prosperidade no caminho. Temos de ter coragem de mudar, então”. E isso significa mudar a forma como os incentivos são distribuídos e quais são anunciados.
A boa notícia é que os pacotes de incentivos para empresas locais (bem como para grandes empresas) estão claramente melhores. E porque há mais opções de incentivos disponíveis agora do que antes, o negócio de vendas verdes se tornou um ótimo negócio para se participar.
As ecocidades agora e no futuro
Para expandir a adoção de comunidades verdadeiramente sustentáveis e estimular mudanças no comportamento, será crítico reduzir o preço de todas essas tecnologias limpas que são a pedra angular do design urbano e do desenvolvimento das ecocidades.
Enquanto John Bilmon vê um movimento de retorno a algumas das tecnologias mais fundamentais na arquitetura – como uso de materiais naturais e sistemas de reciclagem de água, examinando como os sistemas de fluxo de ar funcionam melhor, e os impactos desses sistemas nos ocupantes das construções – enfatiza a responsabilidade que empresas, como a dele, têm em tentar fazer a coisa certa e convencer os clientes a também fazê-la.
“É parte de nossas responsabilidades como mentores continuar a tentar implementar, em climas políticos por vezes muito experimentais, os princípios que sabemos serem verdadeiros”, diz Bilmon. “Uma empresa estrangeira tem uma responsabilidade exemplar em demonstrar respostas apropriadas às considerações de ‘vanguarda’. Empresas estrangeiras podem realmente trazer novas ideias aos projetos, sem os constrangimentos geralmente impostos quando se trabalha apenas localmente e cai em um padrão de oferecer soluções pragmáticas, visando frequentemente satisfazer apenas considerações locais. Por conta da escala de nossos projetos, devemos considerar seus impactos urbanos e culturais mais amplos”.
Harrison Fraker também vê desafios culturais como um dos próximos grandes passos no estímulo as pessoas a adotarem um modo de vida “eco” em todo o mundo. “Uma das questões culturais (com os Ecoblocos chineses) tem a ver com o quão poderosas são as comunidades fechadas do ponto de vista de sua mercantilização para chineses”, notou. “Então, temos que fazer esses blocos desenvolverem identidades que captem a imaginação e satisfaçam a necessidade chinesa de pertencer a certo segmento na comunidade”.
As novas tecnologias ajudarão a mudar padrões de comportamento, bem como o impacto ambiental. Sistemas de modelação tridimensionais no computador estão permitindo aos arquitetos, designers e planejadores a realizar projetos e estruturas de formas inovadoras, e os avanços em telecomunicações e eficiências energéticas permitem a criação de modelos de comunidades planejadas, que não são mais limitadas pelas linhas de energia e características de suporte acima do solo.
Eric Corey Freed, chefe da organicARCHITECT, sediada em São Francisco, acredita que olhar para os princípios comunitários básicos é central para fazer grandes mudanças. “De fato”, ele diz, “precisamos focar nossa atenção no trânsito público mais do que em qualquer outra coisa. Houve grandes ideias para o trânsito público desde os anos 60, e estamos agora presos nesta mentalidade do ‘ovo e da galinha’, de não sermos capazes de construí-lo sem os passageiros, sem ter passageiros porque não é construído de forma provisória. Então, tecnologias como o monitoramento de tráfego e sistemas de controle são extremamente importantes de serem incorporados no planejamento urbano, ao design e desenvolvimento arquitetônico hoje”.
O esforço não começou tão recentemente, e irá demorar ainda mais para continuar a restabelecer o que a espécie humana destruiu. E talvez, não seja tão surpreendente que essas comunidades da próxima geração estejam surgindo na China, com sua combinação de necessidade ambiental extrema e governo autoritário. Mas há grande potencial para o futuro das ecocidades, para começarem a ser aceitas em todo o globo.
Eran Ben-Joseph, um professor de Arquitetura da Paisagem e Planejamento Urbano do MIT, lhe dirá, como me disse, que o interesse e o foco no planejamento urbano e o design arquitetônico ecocêntrico nunca foi tão forte; suas aulas sobre arquitetura da paisagem e planejamento urbano estão cheias de estudantes profundamente preocupados com as questões ambientais. “Vejo razões reais para esperança. Esses estudantes – eles serão os tomadores de decisão de amanhã, afetando a mudança, fazendo as escolhas corretas para o meio ambiente, para o planejamento urbano, e eles farão isso”.
Lara Abrams-Melman (Consultora sobre estratégia e questões de desenvolvimento dos negócios, sediada no Vale do Silício)
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