Educação ambiental: uma ação participativa

Por Júlio Santos, da Agência Ambiente Energia – Apesar das iniciativas de empresas, governos e uma série de entidades voltadas para a educação ambiental (EA), um sentimento fica bem nítido para quem vive o dia a dia da questão: falta uma maior coordenação das ações e programas para que os resultados sejam mais sólidos e produtivos. 
Atrás de mais eficácia na adoção das medidas e do fortalecimento das políticas públicas, um grupo de profissionais e militantes da área colocam em prática o primeiro fundo brasileiro voltado para a questão. A partir deste ano, o Fundo Brasileiro de Educação Ambiental (FunBEA) começa a fomentar ações, projetos e programas de EA.
O FunBEA é uma associação civil sem fins lucrativos. Por ser um fundo público não-estatal pode atuar em espaços e nichos onde os fundos de governo atualmente não atuam, apoiando iniciativas do campo da EA com maior agilidade, com menos burocracia e com maior rigor de monitoramento. O fundo, já em fase operacional na Universidade de São Carlos, está  com consulta pública aberta para a elaboração o seu estatuto social, até o dia 1º de março.
“O momento atual exige uma profunda reflexão de cada um de nós que tem algum envolvimento com a construção de sociedades sustentáveis. Precisamos coordenar ações para avançarmos na perspectiva de uma Educação Ambiental permanente, continuada, articulada e construída com a totalidade das populações do país. É necessário o engajamento em um processo de radicalização da construção da política pública de EA no Brasil”, diz o FunBEA.
Desta entrevista, por e-mail, à Agência Ambiente Energia, participaram Alexandre Rossi (UFSCar); Haydée Torres de Oliveira (UFSCar); Isabel G. P. Dominguez (prrefeitura municipal de São Carlos/CMAm); João Paulo Soterro (Fundo Florestal Brasileiro); Marcos Sorrentino (ESALQ/USP); Rachel Trajber (MEC); e Semíramis Biasoli (OCA/Laboratório de Educação e Política Ambiental/ESALQ-USP).
Da Agência Ambiente Energia – Como surgiu a ideia de criar o Fundo Brasileiro de Educação Ambiental?
FunBea - A ideia da criação de um fundo próprio para o financiamento da Educação Ambiental (EA) reflete a experiência cotidiana de mais de três décadas de projetos desenvolvidos por profissionais e militantes da área, diante dos desafios jurídicos e operacionais para o fomento da EA. Há também a percepção de uma grande pulverização de recursos, utilizados em projetos dispersos. Se esses recursos estivessem em um Fundo, permitiria a articulação com uma rede de projetos, uma maior vinculação com políticas públicas e, consequentemente uma maior abrangência e eficácia.
O FunBEA é um fundo de interesse público, não-estatal (um fundo privado), para financiar ações estruturantes de EA que fortaleçam as políticas públicas na área. Além disso, um fundo público não-estatal poderá captar recursos junto à iniciativa privada, grandes ONGs e organismos internacionais, fontes de recursos que raramente são destinados aos fundos estatais. Esta iniciativa é de um grupo de profissionais e militantes, ligados a Universidades, ministérios e secretarias de Meio Ambiente e da Educação dos governos federal, estaduais e municipais, empresas, associações de cidadania e profissionais atuantes em diferentes coletivos de educadoras e educadores ambientais no país.
Da Agência Ambiente Energia – Quais são os pilares do fundo?
FunBEA – As principais características do FunBEA são: ser público, ágil e transparente; criar territórios educadores sustentáveis; e pautar-se pela Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) e pelo Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis da Rio 92. O FunBEA é uma associação civil sem fins lucrativos. Por ser um fundo público não-estatal pode atuar em espaços e nichos onde os fundos de governo atualmente não atuam, apoiando iniciativas do campo da EA com maior agilidade, com menos burocracia e com maior rigor de monitoramento.
Por meio da participação crítica, do exercício do controle social pelo diálogo intersetorial junto à instituição e de mecanismos de descentralização que diminuam a burocracia e ampliem a transparência sobre os recursos e sobre as formas de participação, inclusive nas suas tomadas de decisão. Outra característica importante é que este fundo deverá promover e fortalecer políticas públicas de sociedade, com especial atenção aos Coletivos Educadores em sua missão de formação de cidadãos e cidadãs preparados e atuantes, capazes de formular, consolidar e avaliar políticas públicas para a construção de Territórios Educadores Sustentáveis.
Da Agência Ambiente Energia – Por que o fundo tem a Universidade de São Carlos como incubadora?

FunBEA -
A incubação do Fundo por meio de Projeto de Extensão da UFSCar está ligada ao fato de ser uma proposta ousada e desafiadora em termos de gestão de políticas públicas, vistas não somente como políticas de governo, portanto, também alinhada com uma abordagem participativa e colaborativa. A proposta inédita foi acolhida pela reitoria da UFSCar, tendo em vista a sua história de inovação e compromisso social. Assim que o Fundo estiver estruturado, essa universidade será mais uma das instituições participantes, por meio de seu corpo funcional e estudantil motivado por essa causa tão essencial.
Da Agência Ambiente Energia – Como será a forma de atuação do fundo?
FunBEA - De acordo com a proposta de Estatuto em construção:1) O FunBEA adotará um Regimento Interno, aprovado pelo Conselho Deliberativo, que disciplinará o seu funcionamento; 2) A gestão do Fundo será feita por meio de Conselhos (Deliberativo e Consultivo), comissões (de Finanças, Auditoria e Técnicas), um Comitê Executivo, uma Presidência do Conselho Deliberativo e uma SecretariaExecutiva; 3) Suas instâncias deliberativas terão representantes de setores governamentais, não governamentais, empresariais e universitários; 4) Serão financiados preferencialmente projetos que contribuam para a formulação, avaliação e implantação de políticas públicas em todo o campo da Educação Ambiental; 5) Os seus conselhos, comissões e comitê serão orientados pelo diálogo com as instâncias da sociedade (as Redes de EA e os Coletivos Educadores, entre outros) e do estado (o Órgão Gestor da PNEA, seu Comitê Assessor e as CIEAs, por exemplo) responsáveis pela formulação e implantação de políticas públicas na área.
Da Agência Ambiente Energia – Que mecanismos o fundo adotará para captar recursos para financiar novas iniciativas?

FunBEA -
Existem procedimentos específicos para captação de recursos nacionais e internacionais junto ao setor governamental e não governamental. Serão elaborados planos estratégicos de captação de recursos adequados aos organismos financiadores, os quais deverão ser aprovados pelos órgãos de gestão do FunBEA. O Fundo poderá receber tanto doações de pessoa física, quanto de pessoa jurídica. Cada projeto e programa gerido pelo FunBEA terá sua governança definida em contrato, além dos manuais operacionais detalhados.

Da Agência Ambiente Energia – Quando o fundo estará, efetivamente, operacional?
FunBEA - O FunBEA já se encontra em operação, respaldado nesta primeira etapa na incubação propiciada pela Universidade Federal de São Carlos, o que já permite operacionalizar algumas ações, inclusive com aportes de recursos dos parceiros apoiadores. Para o seu pleno funcionamento, estamos na fase da consulta pública para o Estatuto FunBEA. As contribuições poderão ser feitas no blog http://consultafunbea.blogspot.com, até 1º de março e sua aprovação está prevista para 5 de abril, em São Paulo, capital, em uma das Unidades do SESC-SP. Em seguida teremos uma primeira assembléia ordinária do Conselho Deliberativo, a construção do Regimento Interno, e o início da captação de recursos para editais. O início do funcionamento de fomento a ações, projetos e programas de EA está previsto para 2012.
Da Agência Ambiente Energia – Empresas, governos nas três esferas e outras entidades têm iniciativas na área de educação ambiental? Como os senhores avaliam este quadro no Brasil?
FunBEA - Elas são importantes, mas estão muito aquém das demandas apresentadas pelo atual contexto planetário. Estamos longe de corresponder às demandas de um país tão plural, gigantesco e complexo não só em tamanho e diversidade, mas também em questões socioambientais. O momento atual exige uma profunda reflexão de cada um de nós que tem algum envolvimento com a construção de sociedades sustentáveis. Precisamos coordenar ações para avançarmos na perspectiva de uma Educação Ambiental permanente, continuada, articulada e construída com a totalidade das populações do país. É necessário o engajamento em um processo de radicalização da construção da política pública de EA no Brasil.
Da Agência Ambiente Energia – As iniciativas parecem muito descasadas, os senhores não acham?

FunBEA -
Como dissemos logo na primeira resposta, ao invés de termos uma grande diversidade de ações articuladas e potencializadoras de transformações; percebemos, ao contrário, uma pulverização de projetos pontuais e dispersos que desaparecem sem deixar lastro. O papel do FunBEA deverá ser o de indutor de políticas públicas que promovam  sinergia entre essas iniciativas. É importante e necessário ter políticas públicas que compatibilizem e integrem as ações de EA e que não as pulverizem, e criar condições interinstitucionais para que os recursos na área sejam mais bem aproveitados. A definição de prioridades de financiamento para projetos que estejam sintonizados com as políticas nacional, estaduais e municipais de EA, definidas em foros amplos e representativos de todas as forças que atuam nesse campo, deve cumprir também um papel de estímulo à ação cooperativa no planejamento, implantação e avaliação de políticas públicas e projetos políticos pedagógicos em cada território deste imenso país.

Da Agência Ambiente Energia – Quais são os desafios jurídicos e operacionais para o fomento desta iniciativa no Brasil?
FunBEA - Os desafios jurídicos podem ser sintetizados na relação entre o caráter inovador da proposta e o conjunto de marcos jurídicos aplicáveis. Enquanto desafios, os operacionais estão em nossa capacidade de constituirmos uma estrutura e uma gestão que sejam ao mesmo tempo leve e eficiente; equipe tecnicamente competente e conceitualmente capaz; e, sobretudo, comprometida com a construção de territórios educadores sustentáveis. Buscaremos fomentar políticas, programas e projetos que promovam o fortalecimento local e capilarizado da EA, mas de forma coordenada e cooperativa. Necessitaremos, ao mesmo tempo, da força de uma instituição sólida, com comando e controle firme, transparente e participativo e do dinamismo de uma instituição flexível, descentralizada, monitorada e com o seu controle social forjado a partir da base.
Necessitaremos captar e administrar recursos oriundos de distintas fontes governamentais, não governamentais, empresariais e de organismos internacionais e ao mesmo tempo, dialogar com as peculiaridades dos atores diversos da EA, que fazem atividades extremamente significativas e muitas vezes não cumprem os pré-requisitos definidos pelas fontes de recursos. Acreditamos que o campo da EA é um campo emergente e forte, com condições de captar recursos: a EA só terá um avanço maior se trabalhar com gestão compartilhada – federal/estadual/municipal e todos com a sociedade civil organizada. Para evoluirmos temos que ter o financiamento da EA que tem o estado junto com os demais atores sociais, que não burocratiza, e que dialoga na carteira de EA dos demais fundos – esta arquitetura tem que ser construída.
Da Agência Ambiente Energia – Que avaliação os senhores fazem da Política Nacional de Educação Ambiental?

FunBEA -
Ao considerar o tempo decorrente de sua vigência (a formalização da lei nacional ocorreu em 1999; foi regulamentada em 2002 e implementada a partir de junho de 2003, com a criação do seu Órgão Gestor), constata-se que permanece uma Política em consolidação, para a qual o FunBEA terá sua contribuição. Uma leitura critica do seu texto já mostra nos seus primeiros artigos, uma concepção da EA reducionista voltada para a conservação ambiental. Uma das suas lacunas, constatada de forma praticamente unânime pelos seus gestores e por diversos atores da área, está no campo do financiamento da EA – não existem financiamentos e recursos públicos inclusive para órgãos públicos fazerem EA. O artigo 18 vetou a destinação de recursos fixos do orçamento público, isto é ruim, seria melhor que estivesse previsto. Iniciativas como uma Rede de Fundos que financiam projetos de EA são promissoras, mas enfrentam os avanços e retrocessos das políticas governamentais. Neste sentido, um fundo público, não estatal, pode cumprir um papel complementar, supletivo e talvez de criação de alternativas às dificuldades enfrentadas pelo estado no atendimento ao fomento da EA.
Outra questão emergente na PNEA diz respeito à EA como disciplina: se no ensino fundamental não deve ser uma disciplina, e isto tem se tornado um consenso; no ensino superior deve ser obrigatória a sua presença, devendo constar na PNEA – a EA não vai surgir no ensino fundamental de forma espontânea. Outra questão que pede reflexão diz respeito ao Decreto regulamentatório da PNEA e que define que o Comitê Assessor tem caráter consultivo: deve passar a ser deliberativo? Para o gestor pode ser difícil ter o seu poder dividido com um conselho deliberativo, mas para a sociedade é importante comprometer estas instituições que participam do conselho com a tomada de decisões, comprometendo-os sem amarrar o seu funcionamento.

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