Sustentabilidade no campo

Paulo de Araújo/MMA Cabral: modelo perverso precisa mudar










Agenda para 2013 da SEDR inclui consolidação do Cadastro Ambiental Rural e ampliação do Bolsa Verde

Cadastro rural e agronegócio sustentável são temas da agenda ambiental centralizados na Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável do Ministério do Meio Ambiente (SEDR/MMA). 

A secretaria, que é o órgão mais próximo do homem do campo no Ministério do Meio Ambiente, é a ponte de diálogo com o setor e busca levar os preceitos de sustentabilidade à agricultura brasileira, com incentivo às ações de recuperação de áreas degradadas e promoção da agroecologia.

O papel dos povos e comunidades tradicionais no uso sustentável dos recursos naturais e preservação das Unidades de Conservação também são prioridade. 

Por meio de programas como o Bolsa Verde, o Ministério do Meio Ambiente, em parceria com outros órgãos do governo, garante benefícios para famílias em situação de extrema pobreza que vivem em áreas de preservação ambiental.

No comando da SEDR desde abril, Paulo Guilherme Cabral, que antes de assumir o cargo era diretor de Desenvolvimento Rural Sustentável da secretaria, comenta, nesta entrevista, a atuação e ações e destaca prioridades e desafios para 2013.

Como começou a sua ligação com o meio ambiente?
Paulo Cabral – Desde a época da faculdade, quando decidi fazer o curso de Agronomia, na década de 80. Já naquela época alguns temas que eram muito demandados, como a discussão do currículo do curso, que passava por uma formação mais holística do profissional, integrado com as questões técnicas, sociais e ambientais, com a abordagem de temas muito fortes como a reforma agrária e a agroecologia, que é um modelo de agricultura menos dependente de agrotóxicos e insumos químicos.

Depois na minha formação profissional, essas questões continuaram presentes, com encontros profissionais que discutam esse modelo de agricultura sustentável. Na minha pós-graduação, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, também trabalhei com desenvolvimento rural sustentável, e isso foi se fortalecendo com o passar dos anos.

Depois fui atuar em órgãos do governo do Estado de Mato Grosso do Sul, exatamente na Secretaria Estadual de Meio Ambiente, quando se deu minha participação em órgãos da esfera pública, para depois chegar ao Ministério do Meio Ambiente e atuar no Programa do Pantanal, em 2006.

Em seguida fui para a então criada Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável, onde passei a ser diretor de Desenvolvimento Rural Sustentável desde 2007, quando o próprio departamento começou a ser constituído, cargo que ocupei de 2007 até 2012, quando assumi a função de secretário.

O senhor falou que trabalhou como diretor na SEDR quando a Secretaria foi recém-criada. Como surgiu a SEDR?
A SEDR originou-se da Secretaria de Políticas Sustentáveis. Era um recorte muito amplo. Daí, com a criação da SEDR, começou a ter um recorte mais rural, até porque a Secretaria foi criada com agrupamento de várias iniciativas e projetos demonstrativos. 

Com o tempo conseguimos construir o Departamento de Desenvolvimento Rural Sustentável com identidade, cara, vocação e foco. O enfoque passou a ser, então, a adequação de imóveis rurais, época também que surgiu o Programa Mais Ambiente. 

Dessa forma, o Departamento foi se consolidando nesse olhar com objetivos estratégicos de promover a adequação de imóveis rurais.

Após anos de experiência na área, como o senhor vê a gestão ambiental do território rural?
Esse é um tema que vem sendo debatido há muito tempo pelo meio acadêmico e organizações dos produtores rurais, tanto familiares quanto patronais. É um assunto bastante conflituoso, pois coloca, em algumas medidas, em risco o próprio equilíbrio ambiental.

O modelo de expansão da agricultura, em grande parte, está suportado na expansão dos horizontes da fronteira agrícola, o que costuma ser um processo de alta degradação e esgotamento dos recursos naturais. Tradicionalmente, a expansão do território brasileiro vem ocorrendo dessa maneira, com baixo uso tecnológico, muitas vezes com tecnologias que não conservam os recursos naturais, o que leva a fortes críticas sobre esse modelo de expansão.

Hoje, a preocupação é maior. Diante do esgotamento, também, da fronteira agrícola, já que existe uma compreensão hoje que esse modelo predatório não pode avançar para a Amazônia e está fortemente fixado no Cerrado, há um questionamento maior na opinião publica. 

É necessária a promoção do avanço tecnológico, mudanças no modelo produtivo para ampliar a produção de forma sustentável. Gerar emprego e riqueza de forma sustentável. Vemos que há essa compreensão tanto na agricultura familiar quanto no agronegócio. Sinal que o mundo busca sustentabilidade, conservação do meio ambiente e recursos naturais.

Qual o papel dos povos e comunidades tradicionais do desenvolvimento sustentável e conservação ambiental?
Os povos e comunidades tradicionais são conservadores dos recursos naturais. Eles têm uma relação de vida e produção diferente de outros setores produtivos. A diferença está que essas populações, na maioria dos casos, vivem nos próprios locais de produção. 

Então há um compartilhamento entre produção e convívio com a questão cultural, a vida deles está dependente e relacionada com os recursos naturais. Eles bebem da água que usam, respiram o ar que conservam ou poluem, usam e se alimentam dos mesmos recursos genéticos que produzem e comercializam.

Se poluírem a água com agrotóxicos, é aquela mesma água que irão beber. Essa relação é bem mais direta, por exemplo, eles utilizam sementes crioulas e conservam recursos genéticos. Para nós, esse resgate à valorização do modo como usam os recursos naturais é muito importante. 

Conhecer, conservar e divulgar o que os índios fazem no Xingu é importante, pois lá temos saber, conhecimento e práticas milenares que precisam ser resgatadas, valorizadas e difundidas. Assim também como os povos e comunidades da floresta, do cerrado, dos assentamentos. 

É necessário valorizar, conhecer e apoiá-los para que tenham políticas públicas adequadas para comercializar e dar sequência ao processo de uso e de conservação dos recursos.

Como se pode fomentar a recuperação de áreas degradadas no meio rural?
Primeiramente, por meio da criação de instrumentos de políticas públicas adequados para isso, com incentivo, fomento, linhas de crédito que apoiam a recuperação de áreas degradadas e que também garantem condições para que o produtor faça isso. No geral, produtores e entidades necessitam desse fomento.

Por outro lado é importante, também, estimular que haja acompanhamento, controle e fiscalização da degradação de terras. O poder público, por meio dos órgãos de meio ambiente, junto aos órgãos que apoiam a agricultura, precisa fazer essa adequação e controle.

Além disso, também é preciso auxiliar a organização dos produtores porque, em grande parte, já existem medidas e políticas que apoiam, por exemplo, a comercialização da produção oriunda da agricultura familiar, que conserva os recursos naturais. 

Porém, muitas dessas populações não estão organizadas e não conseguem acessar esses benefícios para comercializar a produção e participar de programas como o Programa de Aquisição de Alimentos. Assim, é preciso apoiar, inclusive, para que elas se organizem para garantir o acesso a esse tipo de política pública.

Uma das grandes ações da SEDR é o Cadastro Ambiental Rural. Como está o processo de implantação?
Nós estamos implantando o Cadastro Ambiental Rural (CAR) de forma articulada com os órgãos estaduais. O CAR, definido pela atual Lei Florestal, que está em fase final de tramitação no Congresso Nacional, será feito junto aos órgãos ambientais nos estados.

O papel do governo federal será o de integrar essa base de informações. Por um lado, estamos trabalhando com os órgãos estaduais para orientá-los e estimulá-los a implantar seus instrumentos, com MMA, Ibama e ICMBio desenvolvendo ferramentas tecnológicas para colocar a disposição dos órgãos estaduais, e vamos também, a partir da conclusão do processo legislativo, fazer uma campanha de mídia para orientar produtores sobre as atuais normas do cadastro ambiental.

Assim, por um lado, estamos apoiando para promover a integração junto aos órgãos estaduais e produtores, tanto os familiares quanto os médios e grandes, para que eles saibam o que a legislação estabelece e como devem proceder, procurando os órgãos ambientais estaduais para fazer o seu cadastro rural.

Quais os benefícios para o agricultor que fizer o CAR?
A regularização ambiental aumenta a eficiência ecológica dos atributos ambientais do imóvel, especialmente as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reserva Legal (RL). 

A existência dessas áreas na propriedade, nós temos convicção disso, melhora a qualidade ambiental do imóvel rural, além de valorizá-lo financeiramente. 

Então, o produtor pode, consequentemente, reter mais água dentro da sua propriedade, na media que ele tem RL e APP, pode ter maior conservação do solo, aumentando sua biodiversidade e garantindo um equilíbrio ecológico maior e fazendo com que tenha melhores condições, por exemplo, de fazer controle de pragas. 

No final, tudo isso faz com que o produtor tenha melhores condições de produzir, com mais rentabilidade e sustentabilidade.

Outro programa da Secretaria que é o Bolsa Verde. Como ele funciona?
O Bolsa Verde é uma retribuição aos produtores que conservam os recursos naturais. As famílias devem atender a dois requisitos para receber o benefício: o social e ambiental. 

No social, devem estar incluídas do Plano Brasil Sem Miséria, que são aquelas famílias que possuem renda de até R$ 70 por mês. E o ambiental, que é atender ao requisito de condicionalidade ambiental, ou seja, tem que estar dentro de área de reserva extrativista, assentamento diferenciado, onde existe um plano de manejo dessa área ou algum acordo coletivo que faz com que seja estabelecida uma condição de não desmatamento e de conservação dos recursos naturais. 

Atendidos esses dois requisitos, o social e o ambiental, a família então pode ser atendida pelo Bolsa Verde, onde há um comprometimento com a manutenção das características ambientais da área, passando a receber R$ 300 a cada três meses.

É uma forma de estimular e dar condições para quem utiliza os recursos naturais de forma sustentável, não precisando, por exemplo, provocar desmatamento ilegal. 

Essas famílias, pela própria situação social delas, fazer uma exigência para que preservem os recursos naturais é algo bastante forte, então, eles precisam ser apoiados, reconhecidos e valorizados, inclusive por estarem preservando os recursos naturais.

Como está o andamento da Política Nacional de Agroecologia, recentemente lançada pelo governo federal?
Está sendo muito bem recebida pela sociedade, ONGs e representações de produtores. O tema foi bastante discutido, desde o ano passado, com a formação de um grupo de trabalho interministerial que dialogou fortemente com a sociedade. Também promovemos, junto com outros ministérios envolvidos, a discussão da agroecologia em todas as regiões do país, por meio da realização de seminários regionais.

Agora estamos na fase de implantação da política e elaboração do Plano Nacional de Agroecologia. Nesse plano serão estabelecidas medidas que os diversos órgãos irão implantar. Pelo que já discutimos e levantamos com a sociedade, conseguimos identificar diversas medidas que o Ministério do Meio Ambiente, especialmente a Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável, irá apoiar e implantar. 

A partir daí, iremos fazer adequações e criar instrumentos para apoiar os produtores que trabalham nessa linha agroecológica, que é uma linha de produção muito demandada hoje pela sociedade, a partir da perspectiva de substituição da produção baseada em insumos para tornar a produção mais sustentável e viável economicamente.

Quais as perspectivas e desafios da secretaria para 2013?
Nós temos dois grandes desafios já esse ano que vão continuar no ano que vem, que é a implantação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Programa Bolsa Verde, que são dois grandes desafios que nós perseguimos. São metas estabelecidas no âmbito do Ministério do Meio Ambiente que dialogam junto à Presidência da Republica. Ações que, para nós, hoje, já são tratadas como prioridade e que no ano que vem queremos avançar mais.

O CAR, a partir da finalização do processo legislativo da Lei Florestal e também da conclusão da aquisição dos instrumentos tecnológicos para o cadastramento e dos acordos de cooperação com os estados, acredito que teremos um processo muito intenso na sua implantação.

O Bolsa Verde já está no processo de ampliação de beneficiários. Vamos fechar 2012 com cerca de 50 mil a 70 mil famílias beneficiadas e queremos aprofundar mais e ampliar a inclusão de famílias, especialmente aquelas que estão nas UCs de uso sustentável. 

Também queremos criar condições e ampliar para outros grupos sociais, como por exemplo, assentados da reforma agrária e ribeirinhos, de forma que esse público rural do Plano Brasil Sem Miséria, que tenha atributos ambientais, possa ser também atendido pelo Bolsa Verde.

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