Maracanã ganha novas arquibancadas metálicas e cobertura tensionada

Cerca de 4.600 t de perfis de aço e assentos pré-moldados de concreto aceleram prazo de construção da arquibancada da arena, que contará com cobertura tensoestruturada de lona e sistema de amortecimento construído com rejeitos de demolição. Conheça detalhes da obra
Por Carlos Carvalho


"Maracanaço." Assim ficou conhecido o jogo final da Copa do Mundo de 1950 em que a anfitriã seleção brasileira de futebol perdeu por 2 a 1 para os uruguaios, deixando desolados quase 200 mil torcedores naquele que, à época, era o maior estádio do globo: o Maracanã, no Rio de Janeiro. Mais de seis décadas depois, o Brasil terá nova chance de sair vitorioso nos campos do popular Maraca, que sediará a partida decisória da Copa do Mundo de 2014.

Mas antes de a bola rolar, a arena terá de voltar a ser contundente do ponto de vista da engenharia atual, ou pelo menos atender a todas as exigências da Federação Internacional de Futebol Associado (Fifa). 

Construído em 1948, o estádio Jornalista Mário Filho além de ter sido palco de inúmeras partidas históricas, também recebeu a visita do Papa João Paulo II, shows de Madonna, Rolling Stones, a segunda edição do festival Rock inRio e as cerimônias de abertura e encerramento dos Jogos Pan-Americanos de 2007, entre outros. 

Com tantos eventos de grande porte, é natural que o estádio tenha sofrido deteriorações em sua estrutura com o passar dos anos que, somadas às adequações exigidas pela Fifa, culminaram na atual reforma pela qual o Maracanã passa e que tem previsão de término para fevereiro de 2013.

Na obra, o primeiro passo foi demolir parte expressiva da arquibancada, pois além de possuir alguns pontos cegos que dificultavam a visibilidade total do campo para parte dos torcedores, sua estrutura também apresentava pontos de corrosão, que poderiam colocar em risco a segurança das pessoas. 

"Ninguém conhece 100% uma obra sem começar a mexer e enxergar os problemas. Logo no início, começamos com esse trabalho de verificar a estrutura e vimos que estava muito pior do que se esperava", explica o gerente do Consórcio Maracanã Rio 2014, Carlos Zaeyen.

Divulgação: Consórcio Maracanã
O acesso ao estádio será feito por duas rampas de grandes proporções - que estão sendo reativadas - 
e outras quatro laterais. Ao lado: retirada da cobertura original do estádio com o uso de guindastes

DADOS DA OBRA
Nome oficial: Estádio Jornalista Mário Filho
Área construída: 203.462,60 m²
Volume de concreto: 31.500 m (220.500 sacos de cimento - 50 kg cada)
Volume de aço: 2.915 t
Estrutura metálica: 7.200 t (arquibancada + anel de compressão)
Fôrmas de madeira: 70 mil m²
Valor do contrato: R$ 859 milhões
Autoria do projeto: Daniel Fernandes
Responsáveis pela construção:
- Contratante: Secretaria de Estado de Obras
- Interveniente e arquitetura: Empresa de Obras Públicas do Rio de Janeiro (Emop)
- Execução: Consórcio Maracanã Rio 2014, formado pela Odebrecht Infraestrutura e Andrade Gutierrez
- Principais fornecedores: Holcim, Gerdau, Otis, Mills, Usiminas, Brafer, Otis Elevator Company, Giroflex, Hightex, Sepa - Soluções de Engenharia e Projetos das Américas, Locapisos, AkzoNobe, Lumens Engenharia
Projetistas de cada etapa do projeto:
- Projeto executivo de arquitetura: Fernandes Arquitetos Associados - arquitetos Daniel Hopf Fernandes e Luis Henrique de Lima
- Cobertura: Schlaich Bergermann und Partner (SBP)
- Estrutura de concreto: Cobrae
- Estrutura de aço: Casagrande Engenharia
- Instalações elétricas: Companhia Brasileira de Engenharia (Cobrae)
- Instalações hidráulicas: Cobrae
- Instalações hidrossanitárias: Cobrae
- Ar-condicionado: DW Engenharia
- Consultoria em acústica: WSDG Designs A/V Systems
- Fluxo de multidões: Steer Davies Gleave (SDG)

Depois da retirada de todos os assentos das arquibancadas, a demolição dos setores superior e inferior em concreto armado - substituídos mais tarde por estruturas metálicas - foi realizada com a utilização de fio diamantado composto por aço inox de tipo flexível (fios torcidos e pérolas diamantadas separadas por anéis de borracha). O material rejeitado dessa demolição acabou sendo usado para compor o sistema de amortecimento do estádio. 

Outra parte demolida foi a antiga cobertura do Maracanã, que denotava sinais de corrosão que poderiam impactar a segurança do estádio. "Quando avaliamos o estado estrutural da cobertura, vimos que ela apresentava vários trechos com alta corrosão. Além disso, o concreto tinha uma espessura de apenas 4 cm, podendo cair a qualquer momento", explica o engenheiro e projetista João Luis Casagrande, da Casagrande Engenharia, responsável pelos cálculos estruturais do projeto. 

A demolição, aparentemente simples e motivada por questões técnicas e de segurança, se mostrou complexa por uma questão legal: o Maracanã é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e, por isso, a demolição da marquise era proibida. 

Entretanto, diante de laudos técnicos que comprovavam a falta de capacidade da estrutura original da cobertura para suportar as ampliações exigidas pela Fifa, os técnicos do Iphan acabaram por aprovar a derrubada. Ainda assim, parte da estrutura do Maracanã teve de ser conservada, como a fachada e um pequeno trecho das arquibancadas superiores. 

Na demolição da marquise, a cobertura original do estádio foi dividida em pequenas peças que, depois de serradas com discos diamantados finos, foram retiradas com a ajuda de um guindaste. Os gigantes foram retirados da mesma forma; no entanto, alguns continham cabos protendidos externos que corriam o risco de chicotear quando cortados. 

"A maneira que encontramos de fazer esse processo sem risco foi aquecendo esses cabos para diminuir sua tensão e depois cortá-los", diz Casagrande. Ao todo, foram removidas mais de 18 mil t. 

A análise das estruturas originais do estádio e a recuperação do que estava danificado envolveram profissionais brasileiros e estrangeiros. "Tivemos de buscar técnicos do mais alto gabarito em termos de patologias de concreto e estruturas antigas para analisar as estruturas do Maracanã", conta Dante Venturini, diretor de engenharia da Odebrecht, uma das empresas do Consórcio Maracanã Rio 2014. 

"O trabalho de base foi realizado por brasileiros da Universidade Federal de Goiás com a colaboração de profissionais da Espanha, pois a Europa tem vastos estudos sobre patologias de concreto em estruturas antigas", completa. 

Por todas essas reviravoltas, o presidente da interveniente Empresa de Obras Públicas do Rio de Janeiro (Emop), Ícaro Moreno, avalia que o grande desafio do projeto do novo Maracanã é "adaptar o projeto original e refazê-lo com características atuais para atender os cadernos de encargos da Fifa", diz. 
Segundo Moreno, a obra necessita diariamente de um planejamento para um curto espaço de tempo para atender a essas exigências.

Imagens: Divulgação Consórcio Maracanã
Vista externa do novo Maracanã. Mais de 78 mil torcedores acompanharão as partidas em novas cadeiras, com assentos retráteis e com proteção antichamas
ESTÁDIO PRONTODepois de finalizadas as obras do novo Maracanã, o estádio terá a capacidade de 78.639 torcedores, que terão acesso ao estádio por quatro novas rampas construídas no novo projeto, além das duas rampas monumentais, que serão reativadas.
O estádio terá 110 camarotes, localizados nos setores leste e oeste, 60 bares e 231 banheiros distribuídos por toda a área construída, sendo 67 deles adaptados para portadores de necessidades especiais.
Uma das exigências no caderno de encargos da Fifa é a evacuação rápida e organizada do público. Para isso, 54 novas saídas da arquibancada foram construídas para que a capacidade total de pessoas permitida no estádio consiga deixar as dependências do Maracanã em até oito minutos.
As novas arquibancadas avançaram 14 m em direção ao campo, deixando os espectadores mais próximos, ficando separados do gramado apenas por uma mureta de 90 cm de altura com uma proteção de vidro, instalada entre os assentos e o campo.

Contraforte

Finalizadas as demolições, foi hora de preparar a estrutura do estádio para as ampliações. A etapa se iniciou com a execução do sistema de contraforte, que amortecerá as cargas verticais de quase 80 mil pessoas nas arquibancadas. Segundo Casagrande, o uso da solução em estádio é inovador. 

"Decidimos que não usaríamos o sistema de amortecimento tradicional, cujos amortecedores são semelhantes aos de automóveis. E como precisávamos acelerar os processos construtivos, optamos pelo contraforte, instalado na parte mais baixa das arquibancadas", diz. 

O sistema consiste em uma espécie de piscina de concreto que aproveita rejeitos da demolição do estádio e do solo retirado para a realização das fundações. Esses destroços foram reprocessados e compõem o sistema de amortecimento do estádio. 

"O Maracanã inteiro foi feito com uma massa de 95 kg/m², que é leve para um estádio de futebol. Fizemos uma boa economia de aço, graças ao sistema de amortecimento", diz Casagrande. 

De acordo com ele, o sistema suporta as vibrações de toda a estrutura em uma frequência de até 6 Hz. "Se o estádio servisse apenas para jogos de futebol, poderíamos atingir uma frequência de 2,5 Hz que já seria suficiente. 

No entanto, o Maracanã também recebe shows e outros espetáculos, por isso a necessidade de se alcançar a marca dos 6 Hz e garantir a comodidade e o conforto da plateia", diz o engenheiro. 

Estrutura das arquibancadas

"Dado o prazo que tínhamos para a reforma do novo estádio, a única forma foi substituir as arquibancadas antigas de concreto armado por estrutura metálica e pré-moldados", explica Casagrande. 

Na base de concreto do contraforte foram fixados os perfis metálicos que estruturam a nova arquibancada. Com 4.600 t de perfis de aço, a nova arquibancada do Maracanã vai se transformar em um anel único, ao contrário dos dois anéis da antiga arquitetura. A estrutura metálica, já executada e composta por perfis e vigas-jacaré, suporta os degraus de concreto pré-moldado.

Fotos: Marcelo Scandaroli
Arquibancada estruturada com perfis metálicos e com degraus em concreto pré-moldado, fabricados no próprio canteiro do estádio

Nos próximos meses, serão colocados assentos, instalados em cinco setores do estádio (arquibancada, cadeiras especiais, premium, camarotes e tribuna de honra) e que vão comportar aproximadamente 78 mil torcedores. 

"A Fifa exige que sejam utilizados assentos com níveis de flamabilidade e resistência. Por isso, foi desenvolvido esse material antichama de classe V0, e que segue os padrões da ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas]", diz o arquiteto e coordenador de projetos do Consórcio Maracanã, Bernard Malafaia.

Os perfis das arquibancadas receberam lajes de steel deck para acelerar o cronograma da obra. "Devido à proteção passiva que a estrutura tem que ter contra incêndios, foi colocada uma armadura de reforço sobre o steel deck, para que a laje ganhasse uma estrutura de concreto e o steel deck fosse usado apenas como fôrma", explica Casagrande.

Nos vãos em pavimentos abaixo das arquibancadas, serão construídos os bares e banheiros do estádio. Para abrigar os 110 camarotes do novo Maracanã, os projetistas resolveram construir uma viga em "u" em concreto armado, permitindo que as áreas dos camarotes tenham mais espaço, sem a necessidade de construção de pilares que acabariam diminuindo a área interna desses setores.


Detalhe da estrutura metálica mostra vigas-jacaré (onde são montados os degraus das arquibancadas), as divisões dos pavimentos internos do estádio e a ligação de toda a estrutura no sistema de amortecimento

Cobertura

A polêmica reforma da cobertura atende a exigência da Fifa de acobertar os assentos do estádio. No Maracanã, aproximadamente 95% dos assentos serão cobertos, ficando uma pequena área descoberta devido à arquitetura do estádio, que tem um formato ovalado, segundo Malafaia.

No lugar da antiga cobertura, será instalada outra com cabos tensionados e uma membrana de PVC com Teflon PTFE, que vai cobrir um vão de 68,4 m. "A cobertura é apoiada em um anel e funciona como se fosse uma roda de bicicleta. Desse anel externo saem os cabos que vão ser tensionados, num processo chamado big lift", diz o arquiteto.

A previsão é de que a cobertura esteja toda montada até dezembro deste ano, mas é necessário que se terminem as obras das arquibancadas primeiramente, para que a região do campo onde estão concentrados os materiais para a montagem dos pré-fabricados seja liberada. 

Depois dessa liberação, a cobertura será montada na área do campo de futebol e depois içada com os cabos (big lift). Após o término da montagem da cobertura, haverá um período de um mês em que nenhuma atividade na região do campo e das arquibancadas poderá ser realizada. O trabalho deverá ser feito apenas nas áreas internas do estádio, de acordo com Malafaia.

Fotos: Marcelo Scandaroli
À esquerda: estrutura metálica fixada ao sistema de amortecimento do estádio, composto por uma camada de concreto feita com rejeitos da demolição das arquibancadas e do solo retirado para as fundações. À direita: lajes de steel deck fecham perfis metálicos das arquibancadas

A nova cobertura do Maracanã vai também captar água da chuva para reutilização em uso não potável nos banheiros. "Isso faz parte da certificação leed que o Maracanã quer implantar, de boas práticas de gestão ambiental", diz Malafaia. "Cerca de 50% da água da chuva que cair sobre o estádio será captada pela cobertura e drenada através de 60 calhas de concreto, que fazem parte da estrutura do Maracanã, por um sistema de sucção a vácuo", completa.

Essa água será, então, levada até dois reservatórios subterrâneos, com 920 m³ e 1.200 m³ de capacidade de armazenamento. Na entrada desses reservatórios serão instalados filtros para tratamento da água, que posteriormente será direcionada aos banheiros. A previsão é de que o estádio capte uma média de 29 mil m³ de água anualmente. De acordo com Malafaia, a água drenada do gramado também será reutilizada para a irrigação do campo.

O gramado do Maracanã terá um sistema de drenagem comum, diferente do inicialmente exigido pela Fifa, a vácuo. "O sistema que a Fifa pediu não era viável por conta do lençol freático do local, que varia em torno de 0,5 m abaixo do nível final do campo", explica o arquiteto. "Isso iria comprometer o terreno, que hoje está compactado, e os tubos poderiam ficar flutuando caso o lençol freático suba, causando uma série de problemas futuros como, por exemplo, o rebaixamento do campo", diz.

Segundo o arquiteto, a opção apresentada à Fifa mostrava que a drenagem por gravidade, que teve sua capacidade dobrada, era suficiente para atender às exigências da entidade e foi aprovada. "O Maracanã tinha uma espécie de espinha de peixe embaixo do campo. A distância entre as espinhas eram de 8 m e nós diminuímos para 4 m, além de aumentarmos o diâmetro dos tubos", explica.

É na cobertura também que foram instalados dispositivos para agregar eficiência energética ao estádio. Ligadas aos anéis de compressão fixados na cobertura do estádio estão instaladas placas fotovoltaicas. Os painéis cobrem toda a superfície das arquibancadas - cerca de 2,5 mil m² - para a captação de energia solar, que posteriormente será convertida para energia elétrica por transformadores. 

O sistema será capaz de gerar 670 mil kW/h por ano. Esta instalação é um projeto financiado pela Light e Eletricité de France (EDF), e é suficiente para abastecer o equivalente a 25% da energia necessária para o funcionamento do Maracanã.

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