Um guia sobre as controvérsias em torno do aquecimento global


Contradição evidente: Artista Bansky pixou "Eu não acredito em aquecimento global"
em um muro submerso na cidade de Londres, durante as negociações da ONU em 2009 
para um novo acordo de redução de gases de efeito estufa. Foto: paul nine-o 
(http://www.flickr.com/people/paulo2070/)

Há mitos e controvérsias divulgados sobre o aquecimento global, suas causas e efeitos, e até sobre a ocorrência ou não do aumento de temperaturas médias do planeta. Para esclarecer algumas dessas dúvidas, ((o)) eco conversou com três cientistas da área de climatologia:

Thomas Mote, professor do Departamento de Geografia
da Universidade de Georgia (EUA) e pesquisador 
na área de hidroclimatologia e mudanças climáticas.
Francisco Aquino, professor do Departamento de Geografia 
e pesquisador do Centro Polar e Climático da Universidade 
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), atuando na 
área de estudos climáticos relacionados à Antártica e 
à América do Sul.
Denilson Viana, geógrafo e pesquisador na área de 
eventos extremos associados a complexos convectivos 
de mesoescala, atualmente ligado ao INPE – 
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais como 
doutorando em Meteorologia.

Veja o que eles falam sobre o assunto.

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Se o vapor d'água é o principal gás de efeito estufa, por que as emissões antropogênicas de CO2 (dióxido de carbono) e CH4 (metano) são consideradas responsáveis pelo aquecimento global?

A quantidade de vapor d’água na atmosfera está fortemente relacionada com a quantidade dos outros gases-estufa na atmosfera. Isso quer dizer que, conforme o professor Thomas Mote explica, “é verdade que o vapor d'água causa grande parte do efeito estufa e não conseguimos controlar a emissão desse vapor diretamente. Mas as emissões antropogênicas não só aumentam por si mesmas a temperatura média como criam um feedback positivo, isto é, contribuem para aumentar também a quantidade de vapor d’água na atmosfera, por provocar mais evaporação da água”.

No caso do CO2, especificamente, o climatologista Francisco Aquino afirma que esse gás-estufa tem o agravante de permanecer por décadas na atmosfera - o que não ocorre com o vapor d´água. Assim, o CO2 tem um efeito duradouro e, portanto, cumulativo sobre as temperaturas do planeta.

O aumento de evaporação d´água causada pelas emissões antropogênicas explica porque, mesmo sendo estas um fator secundário na formação do efeito estufa, ainda são responsáveis pela maior parte do aquecimento global verificado no último século.

Os céticos acusam o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima) de fornecer dados não confiáveis, pois o IPCC esconderia seus interesses políticos e econômicos, como o de frear o desenvolvimento dos países mais pobres. Há fundamento nesse argumento?

Francisco Aquino afirma que essa acusação é equivocada. “Todos os dados do IPCC foram e são gerados por inúmeras fontes oficias e por centros de pesquisa renomados. Além de verificados e submetidos ao parecer de especialistas independentes. Na verdade, o que existe é, isto sim, uma articulação política e econômica que busca criar falsas interpretações para que não adotemos políticas econômicas e ambientais mais eficientes”.

Para Denilson Viana ainda há uma série de limitações a respeito do conhecimento do comportamento da atmosfera e dos oceanos, por isso os dados do IPCC devem ser olhados com cuidado.

Sobre a questão dos países em desenvolvimento, Aquino complementa que esses não são os responsáveis pela atual aumento de temperatura, “mas sim os países que se industrializaram primeiro, há décadas, como por exemplo, EUA e Inglaterra”. Ao longo desse tempo, esses países se tornaram os principais responsáveis pelo acúmulo do CO2 e outros gases do efeito estufa na atmosfera.

Será que o aquecimento global é mesmo promovido pelos seres humanos? Ele não pode ser resultado de causas naturais, como a atividade solar?

Cerca de 97% dos cientistas afirmam que o aquecimento global é causado por atividades humanas. Aliás, variantes dessa hipótese já foram levantadas por pensadores pioneiros nos anos de 1890, como o químico sueco Svante Arrhenius. Eles já imaginavam que o uso de combustíveis fósseis pudesse esquentar o planeta. No entanto, à época, os dados que apresentaram foram desmentidos por outros cientistas.

Foi a partir de 1958 que se iniciaram as medições precisas da quantidade de dióxido de carbono na atmosfera. O acompanhamento desses dados indicou que o aumento da quantidade de gases de efeito estufa, emitidos pelas atividades humanas, pode tornar o clima mais quente.

O climatologista Francisco Aquino explica que “o atual aquecimento é muito diferente dos períodos quentes da história climática recente da Terra (últimos 1000 anos) e é explicado adequadamente quando incluímos a influência das atividades humanas, como o desmatamento e a queima de combustível fóssil”. Ele ainda acrescenta que, se considerarmos as causas naturais que modificam o clima, a tendência da temperatura média da Terra deveria ser de queda. Principalmente, ao analisar o comportamento da atividade solar e parâmetros como inclinação, orientação do eixo e forma da órbita da Terra.

Ainda sobre a questão da atividade solar, o professor Thomas Mote cita que as recentes mudanças na atividade solar não explicam o aquecimento climático. “O Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima traz dados mostrando que a atividade solar tem uma influência de apenas 20% sobre o aquecimento global nos últimos 250 anos”, diz.

Denilson Viana faz uma ponderação: “não é possível atribuir uma única causa às alterações do clima que o planeta vem experimentando nas últimas décadas. Isso porque o micro influencia o macro. Logo, pequenas perturbações nas camadas próximas à superfície podem alterar a circulação atmosférica em grande escala”. Para o pesquisador, o homem tem sua parcela de responsabilidade pelas alterações observadas, no entanto, não há como separar os efeitos antrópicos das causas naturais.


Se a temperatura média do planeta está aumentando, como explicar grandes tempestades de neve, granizo e recordes de temperaturas baixas?

“É fato que a temperatura média está aumentando, mas continuaremos a ter temperaturas abaixo do normal. É a diferença entre o conceito de tempo e o de clima. Nós teremos sempre períodos mais quentes e mais frios do que a média, ou de chuva e estiagem, por causa da variabilidade na circulação da atmosfera”, explica o professor Thomas Mote.

Quanto aos episódios de neve, granizo e baixas extremas de temperatura, Denilson Viana acrescenta que eles também fazem parte da variabilidade natural do planeta e continuarão ocorrendo. “De maneira geral, através da mídia, tomamos conhecimento sobre fenômenos considerados extremos, mas que são recorrentes dentro do sistema climático”, explica. Além disso, o que agrava a percepção desses eventos, para ele, é o fato de a memória climática do Brasil ser relativamente curta, já que passamos a ter observações meteorológicas sistematizadas a partir de 1900, o que, em se tratando de clima, é um período insuficiente.

Tempestades, tornados e furacões estão se tornando mais frequentes por conta do aquecimento global?

Viana explica que é preciso definir, em primeiro lugar, o que é um evento extremo, já que grande parte destes acontecimentos faz parte da variabilidade natural do sistema climático. “De maneira geral, as pessoas tendem a considerar o clima como algo estanque e ‘bem comportado’, sendo qualquer variabilidade taxada como extremo. Convém lembrar que raramente é observado um valor de temperatura ou de precipitação que coincide exatamente com a climatologia. Em geral, os valores situam-se acima ou abaixo da média, e existe um range, um escopo de variação, intrínseco à variabilidade natural”, esclarece.

Embora haja pesquisas que apontam um aumento na frequência e intensidade de eventos extremos, Viana lembra que a população exposta a estes eventos também aumentou brutalmente desde a década de 1950. “Para se ter uma idéia, a população mundial em 1950 era de 2,5 bilhões de pessoas enquanto em 2010 atingiu 7 bilhões, ou seja, a população quase triplicou em apenas 60 anos”.

Ele destaca também o aumento do acesso à informação. Parte dele é devido à multiplicação de meios para registrar tais eventos, como câmeras digitais e celulares, combinada a facilidade de divulgá-los, por exemplo, através da internet. “Desse modo, pode ser que a quantidade de eventos não tenha aumentado, apenas a nossa capacidade de registrá-los e divulgá-los”, conclui.

Para Thomas Mote, existem algumas evidências de que eventos como os furacões podem ser menos freqüentes, mas mais intensos, com o aquecimento global. Além disso, ele ressalta que “tornados e tempestades severas precisam de calor e umidade, próximo ao solo, e ventos fortes em altitude. O quadro de mudanças climáticas deve trazer maior calor e umidade, no entanto reduzir os ventos em altitude nos subtrópicos. Ou seja, ainda não se sabe exatamente o que vai mudar, é um assunto importante para pesquisas”.

Os modelos climáticos que preveem as mudanças são apenas modelos e, por isso, não podem prever a realidade.

O professor Thomas Mote fala que nenhum modelo é perfeito, mas eles têm melhorado nos últimos 20 anos. Além disso, afirma que ao se comparar múltiplos modelos e seus resultados e observações, pode-se concluir que, em geral, eles estão corretos em suas previsões.

“Modelos são modelos. Os atuais capturam bem o clima da Terra nas últimas décadas. É exatamente por simularem bem os climas do passado e do presente que são utilizados para análises futuras. É mais factível usar modelos para simular o clima nos próximos 50 anos do que prever o tempo meteorológico por mais de 50 dias!”, diz o climatologista Francisco Aquino. As condições de curto prazo são mais difíceis de prever do que as tendências de longo prazo.

O chamado Período Medieval Quente (Medieval Warm Period), entre os séculos 9 e 13, também teve temperaturas acima da média. E não foi um aquecimento causado por atividades humanas. Por que agora seria diferente?

O climatologista Francisco Aquino ressalta que, se olharmos os últimos 2000 anos, o Período Medieval Quente, não foi tão quente quanto as últimas décadas. Além disso, afirma que esses anos assim como a Pequena Idade do Gelo (Little Ice Age) são explicados por variações naturais, como aporte de radiação solar e vulcanismo, com padrões diferentes dos atuais.

Thomas Mote reforça que o período Medieval não foi tão quente como hoje. “Vários estudos paleoclimáticos têm mostrado que o século 20 é o mais quente dos últimos 1.000 anos e que o aquecimento foi mais dramático a partir de 1920”, arremata.

Para o Brasil, quais serão as principais consequências do aquecimento global?

Caso se confirme que o número de eventos climáticos extremos está associado ao aquecimento do planeta, campo e cidade sofrerão, diz Viana. A agricultura brasileira, uma atividade central do país, enfrentará dificuldades maiores para manter sua produtividade. Por outro lado, o crescimento da população urbana fará com que cresça o número de vítimas a cada ação de evento extremo.

O climatologista Francisco Aquino ressalta que o Brasil já vem sofrendo algumas consequências perceptíveis, como o aumento da temperatura média nacional (+0,7°C), a diminuição do número de dias de geada, aumento da frequência de madrugadas mais quentes e de chuvas intensas em curto espaço de tempo. “Espera-se que todos esses eventos sejam intensificados com o aquecimento global, inclusive a incidência de ondas de calor”, declara Aquino.

Para completar o quadro de previsões, Thomas Mote lembra que as regiões costeiras do país sofrerão os efeitos adversos da elevação do nível do mar, além da questão da disponibilidade de água, que será afetada, podendo tornar os incêndios florestais mais frequentes. “Ecossistemas frágeis, como o Pantanal, são particularmente vulneráveis aos efeitos adversos da mudança do clima. Além disso, a queda na produtividade agrícola e a transmissão de doenças de clima quente também podem ser potencializadas”, finaliza.

Fonte: www.oeco.com.br