Novo design ecológico

Um documento radical, apoiado por organizações do segmento e pelos principais designers e consultorias, planeja definir um novo padrão de sustentabilidade em design. Confira!


Valerie Casey estava em um vôo para outro país – seu terceiro naquele mês – quando teve uma crise de consciência. A designer, que trabalhava para a frog e agora está na IDEO, havia acabado de dar a ideia de um projeto de embalagens a um dos maiores serviços de entregas do mundo, uma empresa com um registro ecológico apenas razoável. O filme Uma Verdade Inconveniente ainda ecoava em sua cabeça, mas ainda assim ela não sabia nem como começar uma conversa sobre sustentabilidade com seus clientes. Em sua frustração, ela escreveu aquilo que chamou de "Tratado de Kyoto" do design.

Pouco mais de um ano depois, seu ensaio evoluiu para um conjunto mais formal de princípios que recebeu o nome de "Acordo de Designers", que já foi assinado por milhares de designers e continua sendo assinado por muitos outros. Seu comitê consultivo de seis membros inclui Paul Hawken, autor "best-seller” e fundador do Natural Capital Institute (Instituto do Capital Natural), o CEO da IDEO, Tim Brown, entre outros.

O Acordo dos Designers surgiu na época do crescente interesse e demanda por produtos, serviços e práticas de negócios sustentáveis, mas em uma era de incerteza contínua sobre como definir ou medir o nível "ecológico" e a crescente impaciência dos consumidores com as falsas declarações ecológicas de algumas empresas. Embora ainda seja cedo para estimar seu impacto, o acordo tem o potencial de alterar de forma drástica a prática do design e as práticas de negócios das milhares de empresas que trabalham com consultorias de design.

O Acordo dos Designers é ao mesmo tempo um pequeno empurrão e um passo radical. Um pequeno empurrão no sentido de que muitos designers e escritórios de design já praticam vários dos princípios delineados no acordo: colocar em prática um programa para treinar suas equipes em design sustentável, iniciar um diálogo sobre impacto ambiental e alternativas sustentáveis com cada cliente, medir a pegada de carbono/gases causadores do efeito estufa de sua empresa e comprometer-se a reduzir, de modo significativo, essa pegada a cada ano, entre outros (para obter uma lista completa dos princípios e mais informações sobre o Acordo dos Designers, acesse designersaccord.org).

Uma alteração no paradigma do design

“Uma das empresas com que falei na última semana me disse que já está fazendo a maioria das coisas que estão no acordo, e que assiná-lo a ajudaria a comprometer-se com as práticas sustentáveis de forma completa", diz Allan Chochinov, editor-chefe do website de design Core77 e outro membro do conselho do Acordo dos Designers. “Se observar a maioria dos princípios descritos no Acordo, verá que não são particularmente onerosos e irão, de modo bem pragmático, aumentar o conjunto de habilidades e a conscientização tanto do escritório de design quanto do cliente. E isso cria uma espécie de parceria em direção à mudança positiva".

Apesar de vários dos princípios serem relativamente simples, o Acordo marca uma mudança de paradigma: em primeiro lugar, designers de todo o segmento, incluindo os principais escritórios como a IDEO, SmartDesign, Continuum e frog, já assinaram, e as duas grandes associações profissionais americanas – a AIGA e a IDSA (Sociedade de Designers Industriais dos EUA), que juntas representam mais de 22 mil membros – já deram seu endosso ao acordo. Casey conta mais de 3.500 signatários no momento, mas o número tem crescido rapidamente, com a assinatura de várias multinacionais e empresas que possuem equipes internas de design.

Para os clientes, isso é importante porque significa que a sustentabilidade passará a ser parte do assunto, não importa com qual escritório de design estejam conversando. Chochinov, da Core77, faz uma comparação com a LEED (Liderança em Energia e Design Ambiental), o sistema de classificação introduzida pelo GBC (Conselho de Construções Ecológicas dos EUA) em 2000. “Hoje em dia, não dá para conversar com um arquiteto sem que surja o assunto LEED”, ele diz. “O acordo irá tornar a sustentabilidade parte da conversa sobre design”.

Novas restrições para a abordagem centrada no usuário

E, enfatiza Chochinov, isso vai acontecer muito em breve, o que é importante. Por exemplo, se a equipe criadora do projeto considerar questões de sustentabilidade na fase de protótipo, será possível sair em busca de materiais mais ecológicos ou de uma bateria mais eficiente. Embora seja difícil discutir diante dessas melhorias, o Acordo dos Designers deseja mais do que, como diz Casey, "os mesmos negócios de sempre, mas com materiais melhores".

Ao incluir a sustentabilidade na discussão desde o início, o Acordo deseja promover a reflexão sobre novos comportamentos e novos modelos de negócios. Pense na ZipCar, uma empresa cujo impacto depende não de carros mais ecológicos, mas, sim, de um comportamento mais ecológico dos motoristas e da utilização mais eficiente de recursos.

Para os designers, o Acordo traz novas camadas e limitações à abordagem centrada no usuário que a maioria deles utiliza atualmente. “Será um conjunto todo novo de ideias”, acrescenta Brown, da IDEO. “Mas descobrimos que a sustentabilidade complementa muito nosso processo de inovação centrado no ser humano”. Ele diz que ela também estimula os designers a olharem além do artefato e a pensarem em um sistema mais amplo.

Casey aponta o exemplo de uma escova de dentes que a IDEO projetou para a Oral-B há vários anos. “O resultado obteve muito sucesso de acordo com os principais indicadores da época: desempenho no mercado e design centrado no ser humano. Nota máxima”, disse ela. Mas as alças de plástico co-moldado que ganhavam tantos pontos no quesito ergonomia não são tão boas em termos de utilização de materiais. Sem mencionar todas as escovas descartáveis que acabam suas vidas em aterros sanitários.

Um novo design para o comportamento

Como a IDEO lidaria com o mesmo projeto agora? “Provavelmente não consideraríamos o fator da forma da escova, mas criaríamos um novo design para todo o ritual de higiene no banheiro", disse Casey. “Então pensaríamos no efeito negativo de produtos descartáveis e na água desperdiçada. Poderíamos nos concentrar em motivar as pessoas a fecharem a torneira durante a escovação.

“E se um simples monitor de água fosse usado em todos os novos designs de banheiro – um leitor fixado à válvula de fluxo padrão para que os usuários fizessem comparações com a leitura anterior ou com a de outra pessoa? Mas se fosse me concentrar no produto em si, imagino uma escova de dentes com cabeças descartáveis. Ou talvez uma escova de dentes com um irrigador que distribuiria a hidratação necessária ao apertá-la. E no nível mais básico, pensaria em outros materiais e processos de produção. Sem mencionar as embalagens!”, completa.

Como Casey admite sem pestanejar, nem todo cliente estará aberto para repensar seus negócios de maneira radical. O gerente da linha de produtos Oral-B provavelmente tem como único objetivo colocar uma nova escova de dentes no mercado. Mas quando as consultorias de design são contratadas pelos principais executivos das empresas para pensar em inovações estratégicas, há mais oportunidades para se pensar além do produto na direção de novos modelos de negócios.

Embora essa abordagem ecológica seja significativa, é a segunda parte do acordo que promete causar o maior impacto – sobre os estúdios de design, seus clientes e, por fim, sobre os consumidores. Os signatários do acordo prometem romper a tradicional discrição do segmento e compartilhar o que aprenderam sobre o design sustentável. “Ao reunir nossos recursos, provavelmente reduziremos o investimento” que cada empresa precisará fazer em pesquisas e treinamento de sustentabilidade, disse Casey, que afirma que, como aluna de Yale, foi influenciada pelas pesquisas realizadas por seu professor, Barry Nalebuff, sobre "co-opetição".

Protegendo a propriedade intelectual do cliente

“Isso é de extrema importância porque o conhecimento continua sendo o maior obstáculo ao design sustentável”, disse Ric Grefe, diretor-executivo da AIGA. “Há dois anos, eu poderia dizer que os clientes simplesmente não estavam prontos para falar de sustentabilidade. Mas isso mudou muito. O desafio agora é o que acontece durante qualquer mudança de paradigma: é preciso efetivar esse salto na base de conhecimento".

Casey imagina uma plataforma Web aberta na qual os signatários do acordo possam compartilhar informações e melhores práticas. Devido à natureza do design industrial e a necessidade de proteger a propriedade intelectual dos clientes durante a fase de design e, de certo modo, até mesmo após o lançamento de um produto, a plataforma será menos parecida com o Linux e outros projetos de software de código aberto no qual todo o código é público, e mais parecida com um arquivo de estudos de casos de sustentabilidade que envolva tudo, da obtenção de materiais e métodos eficazes de análise de ciclo de vida a questões sobre como a empresa começou a conversar sobre sustentabilidade com seu cliente e quais lições aprendidas puderam ser transferidas para outros projetos.

“Estamos falando de compartilhar conhecimentos novos de alto nível referentes a metodologias e processos, de maneira muito parecida com o que é feito pelas consultorias de gestão", disse Brown, da Ideo.  “Podemos compartilhar nossas descobertas de modo generalizado sem que seja necessário divulgar os detalhes específicos do trabalho do cliente", acrescentou Grant Kristofek, campeão de sustentabilidade da Continuum. Kristofek está ciente de que o envolvimento de sua empresa com o acordo poderia fazê-los perder alguns clientes não abertos a discussões sobre o design ecológico, mas diz que não foi difícil tomar a decisão de assinar. “É a coisa certa a se fazer. Faz sentido do ponto de vista dos negócios. E o design ecológico significa um design de melhor qualidade", disse ele.

Uma abordagem de baixo para cima

É importante ressaltar que o acordo não vincula seus signatários, o que faz com que seja relativamente fácil para as empresas assiná-lo. Não há nada que impeça uma empresa de adotar formalmente o acordo, mas não respeitar os seus princípios. E um cliente pode contratar a empresa de design sem querer ter qualquer tipo de conversa sobre sustentabilidade.

Posto isso, caso tenha sucesso, o Acordo dos Designers irá iniciar o movimento do design sustentável nos EUA, que, embora esteja claramente crescendo, ainda fica atrás do movimento na Europa, onde as leis governamentais mais rígidas vêm forçando as empresas a pensarem nas questões ambientais já há algum tempo.

Mas, por fim, esse movimento de baixo para cima que vêm se formando nos EUA pode levar a soluções mais inovadoras do que a abordagem de cima para baixo utilizada na Europa, que estimula os designers e engenheiros a cumprirem com os requisitos específicos, em vez de levá-los a pensar em maneiras novas e diferentes de fazer as coisas. O tipo de mudança que o acordo espera iniciar dificilmente é criado apenas por regulamentos. Ele se espalha por comunidades de pessoas dispostas a batalhar depois que abraçam uma ideia.
Jessie Scanlon é escritora-sênior de Inovação e Design da BusinessWeek.com

Fonte: Agenda Sustentável (www.agendasustentavel.com.br)

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