Tendência arquitetônica, fachadas espelhadas criam paisagens ilusórias


Apesar do efeito estético positivo, a opção pelo vidro gera controvérsias entre especialistas




A antiga sede da Bolsa de Valores do Rio, na Praça Quinze: mais um exemplo de construção com paredes de vidro, que exibem um pouco do que há em seu entorno
Foto: Gustavo Stephan / O Globo

A antiga sede da Bolsa de Valores do Rio, na Praça Quinze: mais um exemplo de construção com paredes de vidro, que exibem um pouco do que há em seu entornoGUSTAVO STEPHAN / O GLOBO

RIO - Durante o dia, o azul do céu colore fachadas, e, no fim da tarde, os reflexos ganham tons avermelhados. Não é miragem; apenas um recurso que caiu no gosto de arquitetos que projetam edifícios comerciais e corporativos no Rio. 

O uso do vidro no revestimento de construções virou tendência, especialmente no Centro e na orla, onde imóveis históricos e o relevo refletidos costumam dar leveza a novos espigões. É o caso da futura sede da Petrobras, que está sendo erguida na Avenida Henrique Valadares 28, no Centro. 

Seus quatro blocos, de 68 a cem metros de altura, que ocupam todo um quarteirão, refletem até o imponente prédio de 1910, em estilo neoclássico, que abrigou o antigo Departamento da Ordem Política e Social (Dops).

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Apesar do efeito estético positivo, a opção pelo vidro gera controvérsias entre especialistas. Um grupo de arquitetos e urbanistas condena esse tipo de revestimento, alegando que a solução não é nada ecológica: ao deixar passar os raios solares para o interior, o material tornaria o ambiente mais quente. 

Outros profissionais, no entanto, garantem que, atualmente, há tecnologia para manter o calor do lado de fora da edificação.

— Hoje existem vidros espetaculares, que estão, cada vez mais, presentes na arquitetura. Há vidros com controle solar e eficiência energética. 

Ao mesmo tempo em que deixam a luz entrar, controlam o calor — assegura o arquiteto Sérgio Conde Caldas, que projetou um prédio comercial revestido de vidro transparente para a Rua Vinícius de Moraes, em Ipanema.

No projeto da Vinícius — como no empreendimento Movimento Terras, condomínio de casas em Pedro do Rio, distrito de Petrópolis, o primeiro na América Latina a ter a certificação Breeam, a mais rigorosa em critérios ambientais — Sérgio usa o vidro low-i. 

Trata-se de uma placa única, com duas camadas de vidro que têm no meio uma lâmina translúcida metálica.

— Esse vidro é cerca de 10% mais caro, mas vale a pena pelo conforto que proporciona — explica.

Ex-secretário municipal de Urbanismo, o professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da UFRJ Flávio Ferreira considera a tendência “suicídio ecológico” por exigir mais refrigeração por ar-condicionado:

— Apesar das novas técnicas, onde entra luz entra calor. As coberturas e as fachadas de vidro esquentam o ambiente. Prédios de tijolo revestidos de cerâmica, granito ou mármore, por exemplo, são muito mais frescos do que os de vidro.

Depois da obra, o arrependimento

José Paskin, presidente da Paskin Engenharia, aprendeu na prática que vidros resultam em mais gastos de energia. Sua empresa ergueu o Atlântica Business Center, com 18 andares na Praia de Copacabana, esquina da Avenida Princesa Isabel. 

A paisagem da Pedra do Leme refletida no edifício é estonteante, mas Paskin garante que não voltará a explorar o recurso estético:

— Há 12 anos, quando fiz o projeto, gostava do efeito espelhado. Só que notei que aumenta a insolação, mesmo usando material com alta tecnologia. Agora, sou um verdadeiro “ecochato”. Sei que a beleza não está apenas no visual, mas também no conteúdo.

No mesmo tom, o arquiteto Nelson Polzin, da área de projetos, afirma que o uso do vidro como revestimento é uma tendência mundial que o Rio copia de forma equivocada:

— Somos “copistas”. Na Europa, usam muito. Países frios precisam da luz solar para aquecer o ambiente. Em lugares tropicais, o vidro não serve. O material tem de ser complementado com cortina ou persiana para barrar o calor.

Presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil, Sérgio Magalhães esquenta o debate:

— A arquitetura contemporânea é menos de chavões e mais complexa. A preocupação é de não contrastar com o entorno. Se o vidro se ajusta melhor a isso, tudo bem.

O arquiteto Luiz Carlos Toledo, que idealizou o Centro de Convenções Sulamérica, na Cidade Nova, reconhece que o calor era um problema no passado, mas diz que a nova geração de vidros disponível solucionou a questão:

— Esse material traz vantagens em iluminação e simplifica a construção da fachada, acelerando a execução da obra. Trata-se de uma arquitetura que se tornou conhecida no mundo dos negócios e reflete a modernidade daqueles que estão dentro do prédio.

A primeira intenção de se optar por vidros é beneficiar os escritórios com o máximo de vista possível, afirma Alberto Costa, engenheiro da WTorre, responsável pela construção da futura sede da Petrobras:

— Os vidros temperados são feitos com várias camadas de materiais, inclusive metalizados. Isso é que o torna reflexivo, com aparência espelhada.

Para a arquiteta, professora e urbanista Evelyn Furquim Werneck Lima, o vidro, se bem utilizado, traz leveza e transparência às edificações:

— Construído nos anos 70 em Boston, na Copley Square, há um bom exemplo de arquitetura com fachadas de vidro espelhado, que refletem a Trinity Church, a torre da praça e o prédio histórico ao lado. 

Discordo, porém, da falta de imaginação de arquitetos que projetaram, nos anos 70 e 80, torres comerciais com fachadas em cor de vidro, sem cuidado estético.


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