Gestão do lixo é responsabilidade de todos

Com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, cresce o debate sobre a logística reversa, que responsabiliza empresas e sociedade pelo descarte sustentável dos produtos

A cada ano a produção de lixo cresce exponencialmente no País, em decorrência do desenvolvimento econômico e também dos elevados índices de consumo da população. Somente em 2010 no território nacional foram produzidas 60,8 milhões de toneladas de resíduos sólidos – o que corresponde a uma produção diária de 195 mil toneladas de detritos. Deste total excretado ao longo do ano, 42,4% foram destinados a locais impróprios como lixões, aterros irregulares, rios e córregos. É o que aponta o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil, publicado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).

Diante deste cenário, surge o questionamento: o que fazer com tanto lixo? Algumas respostas para esta questão constam nos termos da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), regulamentada em dezembro de 2010 após tramitar por mais de vinte anos no Congresso Nacional.

 
Brasil perde anualmente R$ 8 bilhões ao enterrar materiais que poderiam ser reaproveitados. Na foto, depósito da Supply Service

Composta por 58 artigos, a PNRS estabelece a responsabilidade compartilhada pela gestão dos resíduos sólidos, envolvendo sociedade, empresas, prefeituras e governos estaduais e federal. "Essa legislação tem a característica de chamar à ação todos os elos da cadeia produtiva", destaca Paulo Roberto Leite, presidente do Conselho de Logística Reversa Brasileira (CLRB). O documento prevê também a extinção dos lixões até 2014 e o incentivo ao serviço prestado pelas cooperativas de catadores de material reciclável.

Outra determinação relevante é a logística reversa, que responsabiliza fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes pelo recolhimento e destinação correta de seus produtos. De acordo com Paulo Leite, essa prática pode ser dividida em duas esferas: a logística reversa de pós-venda, que diz respeito aos produtos que retornam antes do consumo, tanto por existência de falhas quanto por não terem sido vendidos; e a logística reversa de pós-consumo, que inclui os produtos que foram consumidos, chegaram ao final de sua vida útil e devem ser descartados.

 
 
Em 2010, projeto Reciclagem da Sandvik Coromant recolheu aproximadamente 25 toneladas de pastilhas e ferramentas

Além de contribuir para a redução dos impactos ambientais, a logística reversa também pode beneficiar a imagem corporativa das empresas e promover a geração de novas fontes de lucro. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil perde anualmente R$ 8 bilhões ao enterrar materiais recicláveis que poderiam ser reaproveitados pela indústria.

Entre os entraves existentes para a destinação correta destes resíduos, Wanderley Baptista, analista de políticas industriais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), destaca os altos custos do transporte de resíduos. "O ideal seria que os governos concedessem isenção de imposto a este tipo de transporte", analisa. "Por este motivo, já está sendo discutida uma regulamentação comum a todos os estados que efetive esta desoneração".

Sobre a melhor aplicação da logística reversa, Baptista destaca a necessidade de diferenciação das estratégias elaboradas para cada produto. "A destinação e o tratamento de alguns materiais exigem uma política de incentivo muito forte, enquanto outros podem ser beneficiados com pequenas medidas".

 
Entre as medidas ecológicas empreendidas pela CSN está a reutilização de resíduos ferrosos como matéria-prima

Resíduos industriais

Metais pesados, resíduos ferrosos, fluidos de corte, névoas e vapores, cavacos, borras, solventes e óleo lubrificante estão entre os principais resíduos produzidos pelas indústrias metalmecânica e siderúrgica. No entanto, com exceção do óleo – cujo descarte será regulamentado nesta primeira fase da implementação da logística reversa –, a PNRS ainda não aborda diretamente o descarte destes outros materiais. Antecipando-se a futuras regulamentações, porém, algumas indústrias do setor já desenvolveram e têm colocado em prática planos de descarte sustentável.

A logística reversa pode beneficiar a imagem corporativa das empresas e promover a geração de novas fontes de lucro

É o caso da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que está entre os maiores complexos siderúrgicos integrados do mundo. Seu primeiro plano de gestão ambiental data de 1993, mesmo ano em que foi privatizada. Após esta primeira iniciativa, que envolveu os setores de Suprimentos, Meio Ambiente e Vendas, a empresa passou a adotar muitas outras ações sustentáveis. Um marco neste sentido foi a assinatura do Termo de Compromisso em janeiro do ano 2000, no qual se comprometeu a realizar 130 obras para melhorar o desempenho ambiental de suas operações industriais.

De acordo com o artigo acadêmico Logística Reversa: Oportunidades para Redução de Custos em Decorrência da Evolução do Fator Ecológico – escrito por Sérgio Ulisses Lage da Fonseca e Sueli Ferreira de Souza em 2008, durante o curso de pós-graduação em Gestão Estratégica da Logística da Universidade Guarulhos (UNG) –, entre as medidas ecológicas empreendidas pela CSN estão o reaproveitamento dos gases gerados durante o processo industrial como combustível para termelétrica e a reutilização de resíduos ferrosos como matéria-prima.

 
Transporte do material coletado é feito pela Supply Service e, para isso, a empresa conta com veículos de vários tamanhos

A companhia também reaproveita as escórias de alto forno e de aciaria, que são convertidas em brita, areia e clínquer siderúrgicos. Produtos carboquímicos (como óleos, solventes e piche), sucatas ferrosas e não ferrosas, plásticos, papéis, papelões, madeiras e cal são outros exemplos de resíduos aos quais a CSN oferece destinação correta. Os benefícios deste trabalho vão além do campo ambiental, já que o reaproveitamento de materiais rende à empresa uma economia de mais de R$ 150 milhões por ano.
Destino sustentável

A Sandvik Coromant também está preocupada com a destinação correta de suas ferramentas de corte e pastilhas, especialmente na fase pós-consumo. Por meio do projeto Reciclagem, a empresa compra as pastilhas e as ferramentas inteiriças de metal duro de seus clientes ao final da vida útil. "Esse projeto começou em 1996, mas ganhou mais força há cinco anos", relata Ricardo Chagas, líder local do projeto Reciclagem e supervisor de Atendimento ao Cliente da Sandvik Coromant.

O processo pode ser iniciado pelo cliente, que solicita uma oferta para a compra de suas pastilhas usadas, ou pela própria Sandvik Coromant e seus distribuidores autorizados, que fazem a oferta às empresas. Após avaliar o material, a Sandvik Coromant faz uma oferta e, caso o cliente aceite, encaminha a ele embalagens adequadas para colocar a mercadoria e custeia o seu transporte.

O material coletado é exportado para a Índia, onde a Sandvik Coromant possui uma planta na cidade de Chiplun especialmente dedicada à reciclagem de metal duro. "Em todos os países nos quais a Sandvik atua, o material recolhido passa pelo mesmo processo", explica Chagas. "Trata-se de um conceito global da empresa". Nas instalações do país asiático, o material passa então por um processo químico, transformando-se em pó de metal duro.

O pó obtido é utilizado como matéria-prima para a produção de novos produtos que serão usados em diversos setores da indústria.

De acordo com Chagas, em 2010 este projeto da Sandvik Coromant recolheu aproximadamente 25 toneladas de material, minimizando a geração de resíduos que causam danos ambientais e contribuindo para a redução da extração de minérios.

Da teoria à prática


Para elaborar e planejar as ações de gerenciamento dos materiais descartados previstas na Política Nacional de Resíduos Sólidos, foram criados dois grupos: o Comitê Interministerial da Política Nacional de Resíduos Sólidos e o Comitê Orientador para a Implantação dos Sistemas de Logística Reversa.

Composto por representantes de doze ministérios, entre eles a Casa Civil e a Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, o Comitê Interministerial é responsável pela aprovação do calendário de ações e pela formulação de estratégias que promovam a criação e a utilização de tecnologias limpas para a gestão dos resíduos sólidos.

Já o Comitê Orientador, presidido por Izabella Teixeira, ministra do Meio Ambiente, deverá avaliar o andamento das políticas propostas e analisar a viabilidade técnica e econômica da logística reversa. Este grupo conta com a participação de quatro outros ministros, assim como de assessores de cada um dos ministérios envolvidos.

Wanderley Baptista, analista de políticas industriais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), explica que a PNRS prevê três formas de se implementar a logística reversa: por meio de acordos setoriais; de decretos; e de termos de compromisso, que complementam os dois primeiros itens.

Os acordos setoriais são contratos firmados entre o poder público e os fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes. Eles têm por objetivo estabelecer a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto e podem ser iniciados tanto pelo poder público quanto pelas empresas.

Regulamentos expedidos pelo poder público, os decretos podem ser instituídos de forma direta. Porém, devem passar por uma análise prévia do Comitê Orientador. Já os termos de compromisso vinculam as partes que os assinam à implementação da logística reversa.
Resíduos oleosos

Ao lado de eletroeletrônicos, lâmpadas de vapores mercuriais, sódio e mista, medicamentos e embalagens em geral, o óleo lubrificante e suas embalagens também terão regras definidas para o seu descarte na primeira fase de implantação da logística reversa prevista pela PNRS. O óleo mineral não é biodegradável e seu descarte incorreto pode originar diversos problemas ambientais. A poluição gerada pelo descarte de uma tonelada por dia de óleo usado no solo ou em cursos de água equivale ao esgoto doméstico de 40 mil habitantes.

 
Analista química Natália Souza, da Supply Service, realiza procedimento para identificar metais no fluido que seguirá para destinação final

No entanto, além desta nova normatização, o descarte correto de óleo lubrificante já havia sido determinado por outras leis, como a Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) número 362, de 2005. "Todo óleo usado ou contaminado deverá ser recolhido, coletado e ter destinação final, de modo que não afete negativamente o meio ambiente e propicie a máxima recuperação dos constituintes nele contidos, na forma prevista nesta Resolução", estabelece o artigo primeiro do documento.

Antes mesmo destas normatizações serem publicadas, algumas empresas já prestavam serviços para o descarte correto de óleo. Um exemplo é a Supply Service, que realiza a coleta e o tratamento de resíduos oleosos há 19 anos. "Quando começamos este trabalho, nós é que procurávamos as empresas para oferecer este tratamento", lembra David Siqueira de Andrade, diretor-presidente da Supply Service.

 
Operador da Supply Service, Adilson de Camargo Garcia filtra o óleo lubrificante já reciclado, pronto para a etapa de envase

Oferecidos ao segmento industrial, os serviços prestados pela Supply Service incluem o tratamento de sólidos contaminados com óleos e de emulsões aquosas de óleo solúvel (utilizadas em grande escala em processos de usinagem), a reciclagem dos lubrificantes industriais e o descarte de todo o resíduo oleoso.

Segundo Siqueira, as emulsões oleosas semissintéticas passam por um processo de decomposição, em que são separados o óleo mineral, a água e os resíduos sólidos. "Os metais são enviados para queima em fornos de cimenteira por meio de um processo chamado de coprocessamento", explica o profissional. "E depois de serem queimados em um forno, são utilizados na fabricação de cimento", acrescenta. Já o óleo é reciclado e retorna ao mercado como óleo mineral; e a água é devidamente tratada, até atender as especificações exigidas por lei, sendo posteriormente enviada em caminhões-tanque para a SABESP.

Siqueira relata que, após os clientes contratarem os serviços da Supply Service, é redigida uma carta de anuência, que comprova a aptidão da empresa a receber os materiais. Este documento deve ser então encaminhado à Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (CETESB), que, por sua vez, faz uma análise da capacidade de processamento da empresa coletora e emite um Certificado de Autorização de Destinação de Resíduos de Interesse Ambiental (CADRI). "A partir deste certificado, as empresas são autorizadas a entregar este material e a Supply Service a recebê-lo", comenta o diretor-presidente.

 
Ao final da vida útil, pastilhas são transformadas em pó de metal duro

O transporte do conteúdo coletado é feito pela Supply Service e, para isso, a empresa conta com veículos e caminhões de vários tamanhos. "Todos os custos, da coleta à destinação final, estão sob nossa responsabilidade", afirma Siqueira.

Com unidades em funcionamento nos estados de São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Paraná, além de uma em construção no Rio de Janeiro, a empresa atua também em outros oito estados brasileiros.

Atendendo diversos clientes do setor metalmecânico, incluindo a Sandvik Coromant, em 2010 a Supply Service tratou e descartou 46 mil toneladas de resíduos líquidos e sólidos, o que representa um crescimento de 37% em relação a 2007.

Muito mais do que uma obrigação, os projetos de logística reversa representam um compromisso que deve ser assumido pelas empresas com a sociedade, de modo a comprovar sua responsabilidade ambiental e sua preocupação com o futuro. "A logística reversa certamente permitirá maior satisfação dos clientes e da sociedade", conclui Paulo Leite, do CLRB.

Anna Ligia Machado
Rodrigo Hora
Jornalistas