O Estado de São Paulo, Adriana Ferraz e Rodrigo Brancatelli
Cidade tem onda de lançamentos sem criatividade, que vendem status para morador em detrimento das necessidades urbanísticas
É um bocado difícil argumentar que São Paulo seja visualmente mais bela e mais ordenada do que Paris ou Viena, claro. Não que seja despeito com a maior metrópole do Hemisfério Sul, pelo contrário.
A beleza de São Paulo sempre esteve no fato de ela ser uma cidade em constante construção, um organismo mutante, um local de absurdos 1.524 quilômetros quadrados onde o tecido urbano está sempre em transformação. São Paulo é viva, acima de tudo, e não pode ser comparada com lugares congelados como... Paris, por exemplo.
O problema é que mesmo esse argumento da beleza paulistana pode perder sua força. Com o boom imobiliário que lançou 13.501 prédios e 733 mil apartamentos nos últimos 15 anos, São Paulo está ficando com a mesma cara. A arquitetura dos edifícios hoje se padronizou, quase todos têm o mesmo visual - depois de ir da taipa de pilão ao concreto armado, passando pelas residências operárias, pelas casas modernistas e também pelos prédios com inspirações brutalistas, São Paulo não segue mais linha nenhuma de arquitetura.
Ou melhor, segue, sim: é o que os próprios profissionais chamam de "arquitetura conformista", uma ditadura dos prédios idênticos.
"O modelo dominante hoje é bastante conformista, ele reflete a preocupação constante das construtoras em agradar à maioria, assim como a rapidez com a qual as operações estão montadas por pressão financeira", diz o arquiteto Gui Sibaud, sócio do escritório Triptyque.
"Esse sistema exclui praticamente toda forma de experimentação. Resulta disso uma clonagem de modelos. Diria que o brasileiro pode até talvez se preocupar com arquitetura, mas não é o caso das construtoras. Creio que há muita demanda por prédios diferenciados por parte do público, mas poucas incorporadoras têm a coragem de produzi-los."
Um dos principais motivos é mesmo o financeiro. Hoje, as incorporadoras têm pequenos grupos de arquitetos em suas equipes, a maioria deles recém-formados que trabalham com modelos prontos de prédios. Os projetos são replicados em todas as regiões, sem uma preocupação com o restante da paisagem e com a demanda de cada bairro. Assim, as empresas conseguem economizar até 20% do orçamento da construção.
Terraço. Além disso, para não errar em um lançamento imobiliário, as construtoras criaram um "gosto do paulistano", um prédio sem uma arquitetura clara, que serve mais como um símbolo de status para o comprador do que um exemplo de habitação perfeita que traga felicidade para os moradores.
O maior exemplo desse modelo é o apartamento com varanda gourmet - a sacada ampla, com churrasqueira e espaço para reunir a família e os amigos.
Em São Paulo, seja qual for a região, pipocam prédios que priorizam a área externa e vendem o conceito gourmet como símbolo de conforto, qualidade de vida e status. É o novo padrão dos prédios paulistanos que atende ao modelo desejado pela classe média, mas ajuda a deixar os bairros com a mesma cara.
Exemplos desse cenário não faltam, principalmente em bairros que até a década passada eram predominantemente ocupados por casas - como Vila Mariana, Ipiranga e Vila Olímpia, na zona sul; Pinheiros e Pompeia, na zona oeste; Tucuruvi, na zona norte; e Mooca e Vila Prudente, na zona leste. No lugar do batido e contestado estilo neoclássico, que dominou as construções nos anos de 1990, reinam hoje fachadas claras, com sacadas envidraçadas e áreas comuns que prometem atrações típicas de um clube.
Diante da procura, a oferta, antes destinada apenas ao mercado de alto padrão, ganhou opções variadas de plantas, a partir de 57 metros quadrados. Na zona oeste, a Vila Leopoldina é uma das campeãs nesse tipo de lançamento. Somente na Avenida Bolonha, há oito torres em construção com essa característica. Perto dali, na Avenida Mofarrej, são outras seis.
Para Ricardo Monezi, pesquisador do Instituto de Medicina Comportamental da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o novo padrão de moradia atende ao desejo da população que quer morar em casa, mas que, diante do temor da violência, acaba optando por um apartamento.
"O modelo de bem-estar vai mudando com o tempo. Esse é o atual. A sacada funciona como uma espécie de quintal", diz. "A busca pela felicidade é dinâmica, e ocorre pela pressão social."
Futuro. O maior reflexo desse movimento é a própria perda de qualidade de vida dos moradores. Fosse a arquitetura igual a uma música, um filme ou um quadro, não haveria discussão - a beleza de um prédio sempre estaria ao gosto do morador, e ponto final.
O detalhe é que os prédios de uma cidade são uma espécie de arte pública, formam o tecido urbano que une todos. Assim, a falta de preocupação com a visual da cidade se reflete no urbanismo. "Nós moldamos nossos edifícios; depois eles nos moldam", como disse o estadista britânico Winston Churchill.
"À medida que está se generalizando esse estilo de morar, a rua fica esvaziada e se resume ao escoamento de veículos sobre rodas", diz o arquiteto Gui Sibaud. "
A grande verdade é que os arquitetos não estão convidados a opinar sobre o futuro das cidades brasileiras e participam de fato de uma fatia muito modesta do volume total das construções.
O poder público tem de organizar uma grande reflexão coletiva sobre as cidades brasileiras e definir politicas viáveis, interferindo nesse modelo que vem a se impor e a se generalizar sem que ninguém aparentemente tenha decidido por isso."
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