Ser sustentável é mais trabalhoso do que parece

Para Rebecca Henderson, referência em sustentabilidade empresarial, estratégias ambientais podem transformar negócios — desde que cuidadosamente definidas

Por Renata Vieira

                         (Divulgação/Ser sustentável é mais trabalhoso do que parece
                          Revista EXAME)

São Paulo – Depois de uma década no renomado instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos, onde deu aulas sobre o papel da tecnologia nos negócios, e há quase sete anos como professora na escola de negócios da Universidade Harvard, a engenheira britânica Rebecca Henderson está hoje à frente da Iniciativa de Negócios e Meio Ambiente da instituição. 

Trata-se de um grupo que auxilia executivos a desenvolver estratégias que lhes permitam superar desafios ambientais.

Segundo a especialista, metas genéricas em várias frentes — água, resíduos e emissões, entre outras — tendem a fracassar. 

Em vez disso, é preciso identificar oportunidades reais de ganhos de acordo com a especificidade do negócio.

Em seu último livro, Leading Sustainable Change: An Organizational Perspective(numa tradução livre, “Liderando uma mudança sustentável: uma perspectiva organizacional”), ela defende que negócios baseados em investimentos sustentáveis já se provaram bem-sucedidos, mas que muitas empresas não conseguem aplicá-los por causa de executivos descomprometidos com o tema, processos internos pouco eficientes e ausência de propósito. Rebecca virá a São Paulo em novembro para o evento HSM ExpoManagement, e, de Boston, falou a EXAME por telefone.

EXAME: Existe uma estratégia de sustentabilidade básica que se aplique a qualquer empresa?

Rebecca Henderson: Não há, absolutamente, nenhuma estratégia genérica que funcione. 

Toda empresa precisa pensar meticulosamente na sustentabilidade com base em suas características. 

Para algumas companhias, sustentabilidade diz respeito aos fornecedores, ou seja, garantir que vão ter os insumos e serviços de que precisam no curto e no longo prazo. 

No agronegócio, as mudanças climáticas tornaram a produção sustentável um imperativo de sobrevivência e de crescimento.

Já as empresas de bens de consumo precisam estar atentas ao que pode ser associado à imagem de suas marcas. 

Há ainda os casos em que essa estratégia diz respeito à inovação e ao preço: negócios como o site Airbnb, de aluguel de casas e apartamentos, tornaram-se multibilionários ao encontrar clientes por meio de caminhos inusitados e disruptivos.

EXAME: A senhora diz que há modelos de negócios que, baseados na sustentabilidade, podem elevar a lucratividade das empresas. Que modelos são esses?

Rebecca Henderson: Um deles está centrado na eficiência operacional, isto é, no uso de sistemas inteligentes de gestão que permitem economizar insumos, como combustíveis. 

O varejista Walmart hoje consegue economizar 1 bilhão de dólares por ano em sua rede logística dessa maneira.

Outro modelo nasce de uma boa política de prevenção e gestão de riscos. 

Temos visto muitas empresas em busca de insumos de origem sustentável — como óleo de palma, soja, couro e carne bovina. 

O objetivo delas é proteger suas marcas das polêmicas que giram em torno dessas matérias-primas, que pode lhes custar muito. 

Há ainda aquelas cujos produtos sustentáveis estão no cerne do negócio. 

É o caso do varejista Whole Foods e da fabricante de carros elétricos Tesla.

EXAME: Esses exemplos são casos isolados ou podemos falar em uma tendência?

Rebecca Henderson: O caso da fabricante de bens de consumo Unilever é emblemático. 

Em 2010, para evitar ter sua marca de chás Lipton associada a questões como desmatamento e violações dos direitos humanos, ela se comprometeu a vender apenas chá de origem certificada. 

Já havia ali um entendimento de que não se posicionar sobre o tema poderia fazê-la perder uma parcela de seu mercado. 

A empresa atualmente responde por cerca de 30% das vendas de chá em vários países do mundo.

Quando essa decisão foi tomada, não estava muito claro de que maneira isso era um bom negócio. 

Mais tarde, porém, os executivos da empresa descobriram que era possível ampliar sua participação em mercados estratégicos, como Itália e Índia, uma vez que esse tipo de mensagem, de fato, atrai o consumidor de hoje. 

Conclusão: num negócio com pouquíssima margem para diferenciação — um saquinho de chá é apenas um saquinho de chá —, a Unilever se deu muito bem.

EXAME: A correlação entre sustentabilidade e lucro ainda não é um consenso. Estamos perto de comprovar isso?

Rebecca Henderson: As muitas pesquisas feitas nos últimos anos nessa seara sugerem que empresas movidas por um propósito podem ser mais produtivas e inovadoras do que suas concorrentes. 

Mas, se a pergunta é se já existe uma evidência indiscutível de que uma empresa orientada pela premissa da sustentabilidade lucra mais, a resposta é: não, essa evidência ainda não existe. 

Por outro lado, também não há evidência indiscutível de que a sustentabilidade diminui a lucratividade, o que é uma ótima notícia. 

Afinal, estamos falando de empresas que estão fazendo a coisa certa sem perder dinheiro por isso.

EXAME: A senhora associa propósito e sustentabilidade. Mas para muitos executivos, propósito é um conceito etéreo. Como torná-lo mais concreto?

Rebecca Henderson: Uma empresa movida por um propósito é aquela que tem objetivos que ultrapassam a maximização do lucro. 

E há uma correlação direta entre propósito e cultura de uma companhia — e é isso que vai determinar quanto a visão de sustentabilidade permeia um negócio ou não. 

Prova disso é o fato de que um dos aspectos mais importantes para a produtividade nas empresas é o engajamento dos funcionários — e isso depende de altos níveis de confiança entre chefes e equipes.

Em empresas nas quais o nível de confiança é muito baixo, os funcionários são menos previsíveis, menos produtivos e, por consequência, menos confiáveis. 

Acredito que é possível gerir esses ambientes de maneira diferente — e isso passa por um relacionamento transparente com funcionários e fornecedores. 

Em outras palavras, isso tem a ver com cultura — um conceito difícil, mas importante no mundo dos negócios. 

É preciso mostrar que há uma correlação clara entre os valores de fundação de uma empresa e seu desempenho.

EXAME: Há setores que estão mais aptos que outros a fazer essa transição para modelos de negócios sustentáveis?

Rebecca Henderson: Empresas de agronegócio, de bens de consumo e, sobretudo, de energia estão liderando esse movimento. 

Algumas das maiores companhias de energia do mundo têm sido bastante sistemáticas em seus investimentos em fontes renováveis. 

Ao mesmo tempo em que respondem a desafios ambientais, sobretudo ao aquecimento global, essas empresas estão reduzindo o risco associado a seu portfólio — e antecipando mudanças regulatórias previstas, como a taxação do carbono.

É claro que, com isso, não quero dizer que uma petroleira como a Chevron vai se transformar na nova Patagonia (empresa americana de artigos esportivos que desincentiva o consumo desenfreado).

EXAME: Empresas sustentáveis tendem a ser mais inovadoras?

Rebecca Henderson: Uma das vantagens estratégicas da sustentabilidade é o potencial que esse tema tem de se desdobrar em inovações. 

Ela gera novos mercados, novos produtos, novos tipos de cliente, diferentes fontes de lucro. 

Em empresas movidas por um propósito — e não só por lucro — o nível de abertura à inovação tende a ser mais alto. 

Isso lhes rende uma capacidade muito maior de lidar com dificuldades e conflitos gerados por mudanças drásticas, a exemplo do que aconteceu recentemente com os mercados de transporte e hotelaria.

Não quero com isso dizer que toda companhia pode lucrar muito por meio de estratégias de sustentabilidade, mas que isso é um caminho para muitas delas. 

As empresas de energia Schneider Electric e General Electric são bons exemplos: hoje constroem negócios bilionários a partir da demanda por eficiência energética.

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