Meio ambiente e energia: um falso conflito para o Brasil

Adilson de Oliveira* 

Usina Hidrelétrica de Energia (UHE) em Jirau, em Rondônia (RO). 

O processo civilizatório está intimamente vinculado ao diálogo da humanidade com a natureza. 

A revolução industrial marcou uma inflexão nesse diálogo ao centrar no consumo de recursos fósseis a expansão do consumo de energia. 

Desde então, o incremento do bem-estar da humanidade passou a exercer pressão sobre a disponibilidade de recursos fósseis do planeta e, consequentemente, sobre a capacidade de os ecossistemas absorverem os gases resultantes de sua combustão.

A engenhosidade humana tem permitido superar a preocupação com o esgotamento físico dos recursos fósseis, porém com concentração de riqueza e com tensões geopolíticas crescentes. 

No entanto, a comunidade científica identifica nos eventos climáticos extremos, induzidos pela concentração de gases na atmosfera, um risco para o bem-estar conquistado pela humanidade. 

Para mitigar, senão evitar, esse risco, a comunidade científica indica ser indispensável uma transformação no padrão de consumo das sociedades industriais.


Eficiência energética

"Nossa política energética tem negligenciado as políticas de eficiência, nas quais reside o maior potencial de redução das emissões"

A diplomacia ainda não conseguiu propor uma agenda coletiva de ação para a redução do consumo de combustíveis fósseis. 

No entanto, os países têm adotado metas unilaterais para a mitigação de suas emissões que, sem comprometer a melhoria do bem-estar de sua população, permitem reduzir seu consumo de recursos fósseis. Para alcançar esse objetivo, são adotadas dois conjuntos de políticas. 

O mais importante deles visa reduzir o consumo de energia com incrementos da eficiência energética dos equipamentos, dos processos e da logística de transporte. O segundo busca fomentar a substituição dos combustíveis fósseis na geração de eletricidade e nos motores a combustão interna.

O Brasil também adotou metas unilaterais para a redução de suas emissões de gases. Contudo, nossa política energética tem negligenciado as políticas de eficiência, nas quais reside o maior potencial de redução das emissões. 

Essa negligência é recorrentemente justificada com o argumento falacioso de que, sendo nossa matriz energética majoritariamente composta por fontes renováveis, medidas de eficiência energética teriam pouco efeito do ponto de vista das emissões de gases. Trata-se de um grande equívoco.

A maior parcela renovável de nossas emissões de gases está vinculada ao desmatamento descontrolado da Amazônia. 

E a expansão da oferta de eletricidade está programada para ser suprida com a construção de hidrelétricas naquela região. Ainda que as hidrelétricas amazônicas não sejam o único fator do desmatamento descontrolado da região, são inegáveis os efeitos socioambientais dessas obras cujos condicionantes os órgãos governamentais se mostram incapazes de fazer cumprir. 

Mais ainda, como as centrais hidrelétricas amazônicas necessariamente não podem ter reservatórios relevantes, sua operação econômica fica dependente da operação dos reservatórios hidrelétricos existentes na região Sudeste. 

Dessa forma, o imenso potencial eólico ambientalmente amigável, que também necessita desses reservatórios para garantir sua economicidade, é reduzido drasticamente, e a expansão do parque gerador termelétrico torna-se indispensável para garantir a confiabilidade do suprimento de eletricidade.


Oportunidade nos transportes

"Após a identificação de reservatórios gigantes no pré-sal, a política de fomento ao consumo de biocombustíveis perdeu impulso e, mais importante, os incentivos governamentais foram direcionados para o transporte individual"

O núcleo duro da transformação da matriz energética reside no sistema de transportes. 

O Brasil adotou política pioneira na substituição dos recursos fósseis pelos biocombustíveis com o uso do etanol combustível. Porém, sua logística de transportes permanece assentada essencialmente nas rodovias. 

Após a identificação de reservatórios gigantes no pré-sal, a política de fomento ao consumo de biocombustíveis perdeu impulso e, mais importante, os incentivos governamentais foram direcionados para o transporte individual. 

Consequentemente, nossas emissões de gases vinculadas à logística de transporte estão crescendo rapidamente.

A reorganização do mercado energético em torno de recursos energéticos não fósseis será necessariamente um processo longo. 

Ela é mais fácil de ser empreendida no sistema elétrico, no qual basta conectar as centrais alimentadas com recursos renováveis à malha de distribuição elétrica. 

Ela é mais complexa no setor de combustíveis, em que a transformação depende em larga medida de mudanças na logística de transportes.

As incertezas que atualmente cercam o mercado do petróleo, principalmente a volatilidade de seu preço, dificultam essa transformação. 

O suprimento seguro de petróleo é indispensável para que essa reorganização ocorra de forma sustentada e socialmente justa. 

Com matriz energética pouco intensiva em combustíveis fósseis, amplo potencial de fontes renováveis e supridor de petróleo seguro, o Brasil está credenciado para assumir papel central na liderança do processo de reorganização do mercado energético global. 

Para tanto, é preciso abandonar a percepção conflituosa entre ambiente e energia para abraçar as sinergias entre a proteção do meio ambiente, o progresso social e a expansão do consumo de energia.


*Adilson Oliveira é professor do Instituto de Economia da UFRJ

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