Sustentabilidade: risco e oportunidade

Alice Marcondes, da Envolverde


Ao longo de sua carreira como consultor em sustentabilidade, o jornalista Ricardo Voltolini conheceu muitas corporações e suas lideranças. As experiências vividas mostraram que grande parte das empresas tem um discurso que não reflete a prática na questão da sustentabilidade e que apenas a minoria coloca o tema realmente na cultura da gestão. 

Mas afinal, o que faz algumas empresas, mais do que outras, se engajarem e levarem a sustentabilidade para o centro de seus modelos de negócio?

Foi a busca da resposta para esta pergunta que fez com que Voltolini mergulhasse profundamente no tema “liderança sustentável”. Desta imersão, surgiu o livro Conversas com Líderes Sustentáveis, lançado em junho de 2011 pela editora Senac, e a Plataforma Liderança Sustentável, um movimento que tem o objetivo de oferecer a jovens líderes exemplos de executivos de sucesso que colocam a sustentabilidade como referencial de suas decisões. 

O trabalho desenvolvido fez com que ele se tornasse especialista no tema.

Nesta entrevista, Voltolini fala sobre o que significa ser um líder sustentável e o papel desta figura nas empresas. Confira a íntegra da conversa.

Envolverde – O que levou você a eleger a liderança sustentável como tema central dos seus trabalhos?

Ricardo Voltolini - Eu estou nessa vida há quase 14 anos e vivi de tudo um pouco nas empresas. Depois de muito tempo neste trabalho, comecei a me perguntar por que a sustentabilidade avançava mais em algumas empresas e menos em outras. Em 2008, junto com a minha equipe, fiz um grande estudo, para o qual entrevistamos 50 importantes executivos do Brasil, com o objetivo de responder essa pergunta. Ao final desse estudo, uma das conclusões foi de que havia um conjunto de variáveis que eram comuns nas empresas que tinham avançado mais. A liderança era a variável mais importante. Tive uma noção clara de que, sem líderes comprometidos com o tema, as mudanças para a sustentabilidade são mais demoradas e menos consistentes. Quando o líder coloca os valores da sustentabilidade no centro das tomadas de decisão, o conceito se insere mais rapidamente na gestão do negócio, na estratégia e na cultura da empresa.

E - Onde que nasce o comprometimento dessas lideranças com a sustentabilidade? É algo que eles trazem de sua trajetória pessoal?

RV - É impossível falar de liderança para a sustentabilidade sem falar de liderança com valores. O líder sustentável não é um líder pragmático, que olha números, planilhas e toma decisões importantes. Ele tem valores consistentes, que podem ser valores familiares, trazidos desde a primeira infância, ou que surgiram nos últimos tempos, quando ele passou a discutir mais sobre sustentabilidade. São líderes que respeitam os valores estruturantes da sustentabilidade. Respeitam a diversidade, respeitam o outro, respeitam o meio ambiente, a transparência e a ética. Quando o líder é conduzido por esses valores, ele tem mais chances de se tornar um líder sustentável.

E – A missão de trazer esses valores pessoais para a cultura da empresa é mais fácil quando o líder é o dono da empresa e não um presidente eleito?

RV – Eu acho que não. Os executivos que foram designados para o cargo estão lá atendendo a interesses de acionistas ou de donos da empresa, mas eles colocam seus valores na gestão, porque eles acreditam que isso é importante. Não há problemas nisso porque não existe incompatibilidade entre sustentabilidade e rentabilidade. Isto é um mito. Está acontecendo um aumento importante no nível de consciência dos executivos e empresários pelo fato básico de que vivemos em um tempo marcado por escassez potencial de recursos. Tudo isso vai acabar, de alguma maneira, prejudicando a médio e longo prazos, inclusive o próprio negócio.

E – E quando esse líder sustentável não está no topo? Uma liderança de um escalão mais baixo pode também exercer influência na cultura da empresa?

RV – Eu tenho uma tese de que, se não houver condições propícias nas empresas para que essas lideranças de médio escalão efetivamente realizem ações concretas de sustentabilidade, isso não vai acontecer. O presidente precisa ser aberto e inteligente o suficiente para perceber que esse é um tema importante para os negócios. Mas, é evidente que a velocidade da mudança será muito maior se o principal líder da empresa for porta-voz da sustentabilidade.

E – Você acredita que, quando a sustentabilidade está na cultura da empresa, esse engajamento chega efetivamente à consciência dos funcionários dos escalões mais baixos?

RV – Depende muito da maneira como o tema é inserido no cotidiano da empresa. Se o líder escolhe caminhos que não sejam de imposição, que, por exemplo, passem por um incentivo para que cada uma das pessoas que trabalha na empresa entenda a importância da sustentabilidade e comece a praticar, então eu acho que esse nível de consciência acontece. Algumas empresas que acabam optando por modelos muito autoritários e não dão o tempo necessário para que se compreenda o sentido das mudanças e se entenda que elas vêm para melhorar o desempenho e não para criar um desvio de função ou outra atividade.

E – Que tipo de ferramenta você acredita ser efetiva para o engajamento dos colaboradores na questão da sustentabilidade?

RV – A mais importante é quando a empresa atrela a remuneração variável aos resultados de sustentabilidade. Isto significa que o tema deixou de ser objeto de alguns projetos e iniciativas isoladas e entrou no planejamento. Você coloca o executivo para pensar não só no resultado econômico, mas também nas metas de sustentabilidade, isto é o que a gente chama de moldar o sistema de recompensa.

E – Essas empresas que estão engajadas na questão da sustentabilidade encontram algum tipo de entrave no mercado? O mercado está preparado para esta mudança?

RV – O mercado vem se preparando. Tenho uma tese de que a sustentabilidade é uma espécie de revisão do capitalismo. É como se fosse um novo elemento regulando o sistema. Isto obriga a uma revisão de princípios e práticas, que não acontece tão rapidamente, mas as empresas estão crescentemente mais abertas. Pela minha própria experiência pessoal, nos últimos cinco anos, a gente trabalhou dez vezes mais do que a gente trabalhou nos primeiros anos. O período de transição é longo. Algumas empresas estão preocupadas com o custo que essas mudanças podem trazer, e este é um raciocínio muito focado no curto prazo. Elas ficam adiando esses investimentos sob as mais diferentes alegações. Mas as empresas que são realmente líderes já entenderam a importância do tema e estão trabalhando para mudar.

E – As empresas que não mudarem, vão deixar de existir?

RV – Alguns setores empresariais não conseguem focar a sustentabilidade com um olhar de oportunidade. Eles enxergam como um risco. As mudanças necessárias vão alterar o seu modelo de negócio e essas empresas não querem correr esse risco. Imagino que vai acontecer com a sustentabilidade algo semelhante ao que aconteceu com a qualidade total. Na década de 1980, ela era um diferencial, hoje é uma exigência básica. Daqui a uns dez anos, a sustentabilidade vai ser um pré-requisito para se atuar em qualquer negócio. Se você não tiver, você está fora. E isto virá por meio de regulações públicas e autorregulações, e dos consumidores que exigirão das empresas que elas tenham esses compromissos.

(Agência Envolverde)

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