Gestão Ambiental, Normalização e a Família ISO 14000

Artigo #01 da série ISO 14001 Comentada
Liana Zumbach¹ e Giuliano Moretti²
Preserva Ambiental Consultoria
Núcleo de Estudos Científicos em Sustentabilidade (NECS)

Gestão Ambiental



A gestão ambiental está notavelmente se expandindo nos processos organizacionais, dada a indiscutível urgência de se estabelecer níveis de qualidade cada vez maiores na interface entre estes processos e o meio ambiente. 

Embora ainda se constate um significativo conjunto de organizações não claramente posicionadas quanto à inserção da Gestão Ambiental na sua gestão global, sabe-se que este processo vem se avolumando entre organismos de todos os tipos, portes e segmentos, ao redor do mundo. 

Seja por iniciativas mais nobres, como uma mobilização institucional dada pelo reconhecimento da responsabilidade compartilhada na promoção do bem-estar socioambiental, seja pela simples manutenção da competitividade e sobrevivência mercadológica, os resultados abarcados têm sido bastante representativos nos últimos anos. 

Hoje, a Gestão Ambiental se torna evidentemente imperativa nas corporações, acentuando a importância de metodologias voltadas à sistematização de suas práticas, como a própria ISO 14001.

Dentre outras definições, a gestão ambiental pode ser entendida como:

o ato de gerir as variáveis de um processo, produto, serviço ou atividade (ou o conjunto destes), através de controles e procedimentos específicos, de forma a garantir a melhoria contínua dos níveis de eficiência e qualidade ambiental, reduzindo os respectivos impactos negativos ao meio ambiente.

Assegurar que a gestão ambiental seja absorvida como parte da ética organizacional garante a conservação e o investimento no Capital Natural, ente fundamental para a manutenção de todos os processos existenciais antrópicos (sociais, econômicos etc.) e naturais (ambientais/ecossistêmicos). 

Organismos não alinhados aos novos modelos de desenvolvimento sustentável já vêm sofrendo com as consequências da perda mercadológica, com a regulamentação legal mais restritiva, com o custo da baixa eficiência e com a escolha mais consciente de clientes e consumidores. 

Ao contrário daqueles que vêm efetivamente reagindo a favor de um modelo de respeito não só ao meio ambiente, mas também às partes interessadas e, também, às pessoas envolvidas em todos os seus processos. 

Neste quadro é bastante relevante a prática da normalização para se prescrever requisitos e diretrizes no intuito de estruturar os Sistemas de Gestão Ambiental, com flexibilidade suficiente para serem adotados por quaisquer tipos de empreendimentos.

Normalização

A normalização é uma atividade que tem como um dos objetivos:

Prescrever padrões para a realização de atividades, quaisquer que sejam, dentro das melhores práticas já experimentadas, de forma que a sociedade possa usufruir de resultados mais positivos quando da reprodução dessas atividades.

Isto é, ao seguir os padrões ou normalizações de práticas, pretende-se que os resultados planejados pelas organizações sejam sistematicamente obtidos, agregando simultaneamente benefícios para a coletividade direta ou indiretamente sob sua influência.

Existem diversos organismos de normalização que são tomados como referências locais, regionais ou globais, nos quais se deposita a necessária credibilidade para a padronização das matérias de interesse econômico, social, ambiental, técnico etc.

A Norma ISO 14001, ou a própria família de Normas 14000 à qual ela pertence, é um exemplo de normalização. 

Ela foi criada com o intuito de normalizar o gerenciamento de atividades que oferecem impactos ambientais e possibilitar, por meio de suas orientações e diretrizes gerenciais, a redução desses impactos e a promoção da melhoria contínua nas trocas entre a organização e o meio ambiente.

A Norma ISO 14001 é uma das milhares de normas publicadas pela International Organization for Standardization (ISO: http://www.iso.org), uma instituição sem fins lucrativos, sediada em Genebra na Suíça. A ISO estabelece, segundo a própria entidade, uma “ponte entre o setor público e o setor privado“.

Fazendo-se presente por meio de um representante em 160 países, a ISO congrega vários segmentos da sociedade como: governos, empresas, grupos de pesquisadores, técnicos e profissionais. 

Seu objetivo é deliberar acerca de assuntos de interesse comum entre o meio empresarial e a sociedade. 

Pelo consenso obtido nessas deliberações, a entidade provê publicações de normas que visam à regulação, disseminação e adoção das melhores práticas em diversas matérias de influência difusa, tais como: qualidade, meio ambiente, responsabilidade social, para citar apenas poucos exemplos. 

O campo de atuação da ISO estende-se para muito além dessas matérias. No Brasil, a ISO é representada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

A Família ISO 14000

A ISO 14000 é, em termos gerais, uma família de normas que oferece orientações gerenciais para atividades que interferem no meio ambiente. 

O reflexo da utilização dessas normas, porém, vai muito além dos resultados unicamente ambientais. Incremento na qualidade produtiva, melhores relações com colaboradores, fornecedores e comunidades, maior controle da legislação aplicável e redução de custos operacionais são apenas alguns exemplos dos benefícios desfrutados no médio e longo prazos (estes benefícios serão mais bem explorados no próximo artigo desta série).

O carro-chefe da família 14000 é a Norma ISO 14001, mundialmente adotada e reconhecida, que apresenta requisitos e orientações para a consolidação de um Sistema de Gestão Ambiental. 

Isto é, qualquer tipo de organização disposta a implantar um Sistema de Gestão Ambiental, poderá tomar como base esta consagrada norma, focando na evolução contínua de sua gestão ambiental e em níveis de excelência dos indicadores de desempenho.

Para evidenciar o caráter sistêmico da família 14000, abaixo são relacionados os outros pares da ISO 14001:

NORMA 

ESPECIFICAÇÃO

14004 Orientações gerais sobre princípios, sistemas e técnicas de suporte. É uma norma que provê orientações adicionais acerca do uso e aplicação da ISO 14001;

14005 Orientações para a implementação do Sistema de Gestão Ambiental em etapas, por meio do ciclo PDCA, aplicável a todas as organizações, mas especialmente às pequenas e médias; também auxilia na integração dos requisitos do sistema com processos de avaliação do desempenho;

19011 Orientações para o estabelecimento e implantação de auditorias, não só aplicável em auditorias de Sistemas de Gestão Ambiental ISO 14001, como também em Sistemas de Gestão da Qualidade ISO 9001;

14020, 14021, 14024 e 14025 Princípios e procedimentos para a rotulagem e declarações ambientais;

14031 Orientações para a avaliação do desempenho ambiental;

14040, 14044, 14047 e 14048 Orientações sobre princípios, requisitos e condução da Avaliação do Ciclo de Vida para a redução dos impactos ambientais de produtos e serviços;

14050 Termos e conceitos fundamentais relacionados à gestão ambiental, especificamente sobre o vocabulário contido em toda a família ISO 14000;

14063 Orientações e exemplos que auxiliam processos de comunicação ambiental com as partes interessadas internas e externas;

14064 partes 1, 2 e 3 Orientações e requisitos para a quantificação, monitoramento de atividades e elaboração de declarações ambientais sobre a redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), além de requisitos para organismos verificadores e validadores dessas declarações;

14065 Complementa a 14064, com requisitos para o uso em acreditação ou outras formas de reconhecimento de organismos que realizam a verificação e validação das declarações de GEE

NORMAS EM FASE DE ELABORAÇÃO
14006 Orientações para a incorporação do ecodesign;

14033 Orientações e exemplos para compilar e comunicar informações ambientais quantitativas;

14045 Princípios, requisitos e orientações para a avaliação da ecoeficiência;

14051 Orientações e princípios gerais para o cálculo dos custos dos fluxos materiais, com o objetivo de promover a redução do consumo relativo de recursos e dos respectivos custos inerentes;

14066 Requisitos para a competência de verificadores e validadores de processos de redução dos GEE;

14067 partes 1 e 2 Orientações e requisitos para a quantificação e comunicação dos GEE de produtos (pegada de carbono);

14069 Orientações para o cálculo da pegada de carbono dos produtos, dos serviços e da cadeia de suprimentos


Tabela 1: Normas ISO vigentes e em fase de desenvolvimento. Fonte: iso.org.

As normas acima citadas, como se vê, versam sobre as mais urgentes questões ambientais enfrentadas pelas organizações. 

Dificilmente todas serão adotadas concomitantemente numa única entidade, já que a adequada aplicabilidade depende dos processos, produtos e serviços com os quais ela opera. 

No entanto, respeitando suas respectivas aplicabilidades, elas podem tanto ser utilizadas separadamente para atender à uma demanda específica, como em conjunto com com outras normas para uma abrangência mais ampla. 

Além disso, podem – e devem – servir de suporte à melhoria contínua de um Sistema de Gestão Ambiental baseado nos requisitos normativos ISO 14001.

Muitas dessas normas ainda são desconhecidas por uma grande parcela das empresas brasileiras, que ainda primam pela reatividade frente aos desafios da transição para o modelo sustentável. 

Isto é, mobilizam-se prioritariamente para a contingência das premissas legais que vão surgindo como “barreiras” às suas operações. Isto faz com que a progressão para a sustentabilidade seja mais lenta do que deveria. 

Países que estimulam a proatividade nesta transição através da inovação, ao contrário da reação compulsória comum no Brasil, certamente desenvolvem mercados mais competitivos, níveis de produtividade e eficiência ambiental expressivos e economias socialmente mais justas, em prazos condizentes com a urgência socioambiental.

A boa notícia é que muitas instituições brasileiras vêm revertendo, de forma exemplar, este perfil reativo numa postura de pró-ação, absorvendo o grande ferramental dado pelas normas ISO sobre gerenciamento ambiental (entre outras). Consequentemente, assumem a liderança do chamado “desenvolvimento sustentado”, favorecendo o equilíbrio ambiental, econômico e o bem-estar social.

O segundo artigo da série ISO 14001 Comentada explorará as motivações e vantagens que levam ao sucesso da implantação da Norma em diversas organizações.

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1 – Liana Zumbach: Administradora de Empresas com MBA em Sistemas de Gestão Ambiental. Diretora de Projetos Socioambientais da Preserva Ambiental Consultoria. Coordenadora do Núcleo de Estudos Científicos em Sustentabilidade (NECS). Consultora e Auditora Ambiental. Membro do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (IPEDT).

2 – Giuliano Moretti: Engenheiro Químico com MBA em Sistemas de Gestão Ambiental e Mestrado em Gestão Ambiental. Diretor Executivo de Operações Sustentáveis da Preserva Ambiental Consultoria. Vice-Coordenador do Núcleo de Estudos Científicos em Sustentabilidade (NECS). Consultor, Auditor e Perito Judicial Ambiental Cível. Professor dos cursos de pós-graduação MBA em Gestão de Obras de Edificações no SENAI (CIETEP Curitiba) e Sustentabilidade em Arquitetura e Desenvolvimento Urbano na Universidade Positivo. Membro do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (IPEDT).

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