Por um fórum permanente para buscar soluções sustentáveis para as enchentes

 
Jair, meu vizinho, ficou até às quatro horas da madrugada do dia 11 de janeiro tentando conter a entrada das águas do Tietê em sua casa com um balde. Quando o nível na rua estava mais alto que o nível de seus ralos, por onde água encontrou um caminho mais fácil, ele desistiu e foi dormir.
Às oito, lá estava ele com mangueira na mão para limpar a sujeira e botar um pouco de normalidade na sua vida após a enchente 'anual' na Barra Funda. Numa breve conversa, ele botou a culpa pela sua desgraça, inclusive um dia perdido de trabalho como autônomo, na população 'mal-educada que joga lixo na rua'.
Ao assistir o Jornal Nacional na mesma noite, escutei uma autoridade qualquer (não peguei nome) do secretariado de Geraldo Alckmin (PSDB) reforçando o mesmo tema: a população tem que colaborar dando destino correto ao lixo, disse o engravatado.
Nas capas dos principais jornais, fotos de carros alagados e muitas fotos do lixo que acumula no Tietê: garrafas de PET, galhos, móveis etc.
Tudo isso reforça uma fantasia dos nosso governantes e da mídia de que a culpa para atual situação é do indivíduo, do cidadão paulistano ou da grande São Paulo que não coloca o lixo no devido lugar. Balela!
Como tenho escrito, esta é apenas parte da história. A outra parte, de conceitos mais complexo, provavelmente não são captadas pela mídia e são evitadas pelos governantes. Além disso, os governantes municipais e estaduais são deixados 'ao léu' pela imprensa durante o ano inteiro até as chuvas, pois não se acompanha programas, projetos e não se fazem cobranças para soluções ao longo do ano.
No entanto, há sim um grave problema do descarte do lixo pela população, mas é inconcebível que mais de duas décadas depois da democratização não haja soluções duradouras de longo prazo encaminhadas que envolvem planejamento urbano regional metropolitano, alocação de recursos adequados para combater enchentes, gestão de água e implementação e fiscalização de leis de uso e ocupação do solo, programas progressistas de gerenciamento do lixo e sistemas de incentivos para implementação de políticas urbanas adequadas.
Tudo isso passa por uma visão sustentável e de longo prazo da metrópole. Por isso, sugiro desde já, a criação de um fórum permanente de debate sobe a questão, pois medidas inovadoras e audaciosas precisam ser implementadas, medidas que vão além da construção de piscinões e do aprofundamento da calha do Tietê.
Abaixo uma lista de tópicos que necessitam ser discutidos:
  1. A rápida implementação da Política Estadual de Resíduos Sólidos e expansão de facto da política de coleta seletiva integrada na região metropolitana de São Paulo que tem potencial enorme de reduzir descarte e efetivar que a população dê destino adequado, pois cria cadeias de valor em torno do lixo
  2. Elaboração de pesquisas baseadas em sistemas de geoprocessamento para estudar e identificar – cruzando com dados de impermeabilização do solo etc - com mais precisão as causas localizadas dos pontos que mais alagam em toda a bacia do Tietê
  3. Financiamento de pesquisas para transformar o lodo e o material retirado do rio - areia, argila detritos orgânicos etc – em matéria-prima para outros produtos ou insumos energéticos, criando assim uma cadeia de valor em torno da manutenção do rio
  4. Implementação de políticas de incentivos fiscais para obrigar a implementação de sistemas de construção verde em residências existentes e novas construções que captem água da chuva, permeabilizem o solo, utilizem entulho como matéria-prima de construção e racionalizem sistemas de coleta de resíduos para reduzir o descarte indevido
  5. Transformação do rio Tietê em uma hidrovia urbana com várzeas arborizadas, combinando com estudos para reduzir e transferir o trânsito de veículos nas Marginas, visando sua demolição no futuro próximo
A paralisia dos administradores públicos paulistas aliada a políticas de terceirização de serviços públicos e a redução do tamanho do Estado – a principal causa da corrupção que leva à falta de fiscalização na ocupação e uso do solo e à acelerada especulação imobiliária – e à crença falaciosa e criminosa que a causa de todos os males é a má educação da população, faz das enchentes na região metropolitana de São Paulo mais uma sessão do Vale a Pena Ver de Novo da Rede Globo: Um programa de mau gosto que repete não só os sofrimentos, mas também as mesmas informações e debates que todos os anos são trazidos pela imprensa paulista.
É preciso encarar estas questões com uma mente aberta, percebendo que há inúmeras oportunidades na busca de soluções, e, principalmente, se é necessário fazer um debate permanente sobre a questão, pois as cheias envolvem toda a metrópole e necessita de soluções inovadoras e audaciosas.
Caso contrário, esperaremos, todos os anos, que o governo tenha limpado adequadamente as calhas dos rios e córregos que nem podemos fiscalizar, pois estão escondidos por árvores que separam o rio Tietê e outros cursos de água da vivência da população, ficaremos, aí sim, à merce do santos, La Niña e outras coisas mais.

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