"As energias renováveis despertam interesse econômico em segurar as mudanças climáticas"

O economista francês Christian Stoffaës fala sobre as negociações para a COP-21, a ser realizada em Paris neste ano, e a importância das fontes sustentáveis para o comprometimento global de reduzir as emissões de gases de efeito estufa

 
O economista, engenheiro e professor da Universidade de Paris Christian Stoffaës(Gustavo Stephan/Agência o Globo)

Para o francês Christian Stoffaës, membro do Ministério de Economia da França e professor de economia internacional na Universidade de Paris, o desenvolvimento da indústria de energia renovável e o consequente barateamento dos recursos sustentáveis serão pontos essenciais para que os países cumpram as metas de diminuição de emissões de gases de efeito estufa a serem estabelecidas na Cúpula do Clima de Paris, que acontece em dezembro deste ano. 

A expectativa é que, no fim da conferência, os 195 países da ONU assinem um acordo que vai substituir o defasado Procotolo de Quioto, de 1997, até hoje base para a implementação de leis sustentáveis. Stoffaës falou a VEJA em visita ao Brasil na semana passada, durante um círculo de palestras na FGV do Rio de Janeiro.



Na última Cúpula do Clima, que aconteceu em Lima, no Peru, no fim do ano passado, surgiram críticas que apontaram a lentidão das negociações entre governos. O que podemos esperar de Paris? 

Até dezembro, os diplomatas continuarão negociando para encontrar um consenso mínimo sobre o acordo. 

Nos últimos quinze anos (que seguiram o Protocolo de Quioto) esse processo foi prejudicado pelo fato de os Estados Unidos não terem ratificado o documento e por países participantes, como o Canadá e a Austrália, terem desistido de suas metas no meio do caminho. 

É importante lembrar que nessa COP as vozes a serem ouvidas não são só a dos diplomatas, mas também a de representantes da sociedade civil, da indústria e de ONGs. A expectativa é que haja 45 000 pessoas em Paris, e só o fato de tanta gente se encontrar para debater essas questões já é algo importante. 

Gera mais pressão para que se apresente um resultado satisfatório, o que certamente irá acontecer, mas nós ainda não sabemos como esse documento será. 

Se as conversas relativas a corte de emissões não evoluírem, é importante achar outras vias de negociação.


Quais seriam essas outras vias? 

Acho que um bom exemplo é a COP-15, que aconteceu em Copenhague em 2009. No evento, a posição defensiva dos Estados Unidos impediu qualquer possibilidade de avanço nas negociações de redução de emissões, então foi preciso encontrar outra forma de ajudar os países em desenvolvimento a lidar com as mudanças climáticas. 

O resultado foi a criação do Fundo Verde do Clima, que é basicamente o comprometimento dos países desenvolvidos em transferir 100 bilhões de dólares por ano às nações em desenvolvimento, mais vulneráveis economicamente, para lidar com as mudanças climáticas. 

Mesmo hoje, um dos focos da negociação ainda é esse, porque 100 bilhões de dólares não é uma quantia fácil de encontrar. Alguns países já se comprometeram, mas ainda é difícil. A negociação para um novo Protocolo de Quioto não será fácil, mas temos que construir esse consenso.


Quais serão os maiores obstáculos para se chegar ao consenso? 

Existe uma coalizão entre os países desenvolvidos e, do lado oposto, outra entre as nações em desenvolvimento. O Protocolo de Quioto estabeleceu que apenas os primeiros deveriam se comprometer com reduções absolutas de emissões. 

A posição dos países desenvolvidos é de que a concentração de dióxido de carbono na atmosfera não é de responsabilidade exclusiva deles e que, portanto, eles não merecem ser prejudicados, por também terem direito a investirem no próprio desenvolvimento, o que pode ocasionar no aumento das emissões de CO2. 

É um argumento forte, mas se quisermos um acordo, é preciso que os países se comprometam. 

De qualquer forma, apesar desses acordos exigirem que os países estabeleçam metas, não há nenhuma penalidade caso eles não as cumpram. Em resumo, o grande obstáculo a ser superado é o da conciliação entre o grupo dos desenvolvidos com o dos em desenvolvimento.


Esse é um embate presente nas conferências há algum tempo, e a impressão que ficou de Lima é que nenhum dos dois lados está disposto a ceder. Há solução? 

Esse é o trabalho dos diplomatas. As negociações são sigilosas, eu não sei exatamente o que está acontecendo, mas tenho certeza que estão trabalhando duro nisso. 

Quanto ao embate entre os dois lados, o papel das Nações Unidas é defender a unanimidade, ou seja, um acordo só passa se for aprovado por todos. 

Se a regra fosse da maioria, seria mais simples: os países em desenvolvimento, que representam cerca de dois terços do total da ONU, seriam beneficiados; mas isso negaria todo o processo diplomático da ONU.


Há risco de que, depois de tanta negociação, o acordo de Paris caia na irrelevância ao não ser ratificado pelos países mais poluidores, como aconteceu com Quioto? 

Eu estava presente na COP-97, onde foi assinado o Protocolo. Al Gore veio à conferência com um mandato do presidente Bill Clinton. 

O vice-presidente assinou o documento, mas quando voltou para os EUA o senado o bloqueou. Poucas pessoas sabem disso, mas naquela época o senado americano votou uma resolução chamada Byrd-Hagel, que diz que os EUA nunca vão assinar um acordo de políticas climáticas em que não haja um comprometimentos dos países em desenvolvimento equivalentes àqueles assumidos pelos desenvolvidos. 

Essa questão ainda não foi resolvida, porém, é preciso ser otimista. Temos que lembrar que muita coisa mudou desde 1997. O maior exemplo talvez seja o surgimento da indústria de energia renovável, que teve um desenvolvimento espetacular nos últimos dez anos, em consequência das negociações climáticas.


É certo deduzir que as energias renováveis só se popularizarão quando forem mais vantajosas economicamente do que as fontes fósseis? 

Sim, mas hoje as renováveis não estão tão longe da competitividade econômica. É impressionante ver como o preço dos painéis solares caiu muito em pouco tempo, e isso é mais um resultado das negociações climáticas. 

Acordos como o de China e EUA (que se comprometeram a cortar significativamente as emissões de CO2 até 2030) só foram firmados porque hoje existem fontes alternativas viáveis, que permitem que os países assumam compromissos mais ambiciosos. 

Além disso, é preciso lembrar que o petróleo e o gás são finitos. A indústria finalmente percebeu a necessidade de encontrar substitutos para eles, e agora a competição está entre as renováveis e a energia nuclear.


O preço baixo do petróleo pode prejudicar a popularização das renováveis ou mesmo as negociações climáticas? 

O preço do petróleo tem muita influência, claro. Nos últimos meses, o preço caiu espetacularmente, pela metade. Nós veremos os efeitos disso em Paris, e ainda não há como prever com precisão os resultados. 

Mas é importante ressaltar que o consumo de carvão também aumentou na última década, apesar das negociações. 

E como o carvão ainda é a fonte de energia mais barata, geralmente é a melhor solução para os países em desenvolvimento que têm dificuldade em responder à demanda energética interna sem ter de apelar aos poluentes.


Se a energia renovável se tornar mais econômica, podemos admitir que mais pessoas optarão por elas. Mas isso não faria com que o preço dos combustíveis fósseis também caíssem, como efeito da lei de oferta e procura? 

Uma das opções é o uso de subsídios. A expansão das renováveis nas últimas duas décadas foi intensamente subsidiada, especialmente pela Tarifa Prêmio (Feed-in, em inglês), um mecanismo de promoção eficiente. 

Essa tarifa, desenvolvida pela Alemanha, estabelece que produtores de energia renovável possam vender a energia produzida para agências elétricas por um preço fixo, o que é vantajoso. 

Outra estratégia seria a taxação global dos combustíveis fósseis. As negociações devem avançar nesse sentido também.


Você citou o acordo bilateral entre China e Estados Unidos, apresentado em setembro do ano passado. Será que esses acordos menores não são mais eficientes em fazer com que países estabeleçam metas do que as negociações globais? 

De fato é mais fácil ter comprometimentos individuais em acordos bilaterais ou regionais do que em negociações globais, mas isso é uma negação do processo diplomático da ONU, que é multilateral e precisa ser assinado por todos. Além disso, são essas negociações globais que impulsionam os países a estabelecer esses acordos menores.

Há hoje condições financeiras e sociais para que os países estabeleçam planos que consigam limitar o aquecimento global à meta de dois graus de elevação até o fim do século, o ideal para evitar cenários de contornos catastróficos? 

Esse ponto é um problema. 

O último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, órgão da ONU) dá estimativas dos esforços que seriam necessários para atingir tal objetivo, e não estamos próximos de cumpri-los. 

Mas não vamos ser pessimistas, porque as coisas estão progredindo. Uma indústria poderosa de renováveis está sendo construída, e isso é importante porque no começo não havia nenhum interesse econômico nas negociações. 

Como os Estados Unidos estão de olho na indústria renovável, os seus diplomatas devem aceitar termos com os quais eles não concordariam no passado.

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