Grupo brasileiro apresenta propostas para economia de baixo carbono na África do Sul

Movimento composto por entidades que trabalham com o uso da terra é pioneiro

POR VINICIUS GALERA DE ARRUDA*, DE DURBAN (ÁFRICA DO SUL)
roberto_waack_florestas_amata (Foto: Vinícius Galera)
As propostas da Coalizão Brasileira do Clima, movimento multissetorial formado por agentes relacionados ao uso da terra no Brasil, foram apresentadas durante o XIV Congresso Mundial de Florestas (World Forestry Congress - WFC 2015), que termina nesta sexta-feira (11/9) em Durban, na África do Sul.
O objetivo do grupo é criar uma agenda viável diante das mudanças climáticas e desenvolver uma economia de baixo carbono que sirva de modelo.
A coalizão reúne cerca de 120 entidades como a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), Amaggi, Eldorado Brasil Celulose, Eucatex, União da Indústria da Cana-de-açúcar (Única),Instituto Terra e Sociedade Rural Brasileira (SRB). “O mundo está caminhando para uma economia de menor carbono. Poucos países têm condição mais adequada que o Brasil de jogar esse jogo. O agronegócio brasileiro está percebendo que uma demanda por commodities mais ambientais e socialmente corretas veio para ficar”, diz  Roberto Waack, fundador e presidente do conselho administrativo da Amata S.A.e membro do conselho deliberativo do Instituto Ethos.
Waack, um dos líderes do movimento, participou na última quarta-feira (9/11) de um painel sobre soluções inspiradoras para um futuro sustentável.
Visão comum A coalizão vem trabalhando desde o final do ano passado. Em julho deste ano, foram definidas 17 propostas agrupadas em três frentes: a implementação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), a transparência e a questão fundiária. “Uma coisa é a lei, outra é a lei na prática. O que precisa ser feito para que o sistema do CAR funcione?”, diz Waack, lembrando que as discussões nasceram após a criação do código“. Pode parecer absurdo um grupo se reunir para discutir a implementação de uma lei, mas é assim mesmo. Se você não tem uma mobilização da sociedade, a lei não pega”.
Transparência
Um dos pontos pacíficos do movimento é a transparência. “O grupo, hoje com quase 120 organizações, acha que tem que ter transparência em todo esse processo. Olhar o mapa do Brasil e saber onde estão as propriedades, onde estão as florestas, onde
estão as APPs  é fundamental”, diz. 
Aspecto delicado do uso da terra no Brasil, a questão fundiária também será atacada. “Precisamos avançar na discussão da qualidade fundiária, na discussão dos direitos fundiários, ainda tem muito problema nisso. Sempre que falamos  do conceito do uso da terra, a questão da propriedade aparece. Impossível falar no Código Florestal sem entrar nessa questão”.
Remuneração e florestas As especificidades da produção de baixo carbono, segundo Waack, devem ser levadas em conta no momento da remuneração. “É uma agricultura que tem valores que precisam ser reconhecidos. O pagamento por serviços ambientais é uma questão importante”, diz.
Segundo ele, os mecanismos ainda precisam ser definidos e têm de funcionar no mundo todo. Por isso, a discussão sobre as florestas é fundamental para a implementação das propostas. “Estamos falando de todas as florestas. O Brasil é um dos poucos países do mundo que têm uma vantagem comparativa enorme em todos os tipos de florestas: tropicais,  altamente intensivas e plantações”, diz.
Chamam a atenção dois aspectos florestais característicos do país: o desmatamento e a qualidade da produção florestal. Para combater o primeiro, a coalizão criou um compromisso: acabar com o desmatamento ilegal. “Está diminuindo, não há dúvida, mas ainda falta um esforço adicional da sociedade. E estamos falando do compromisso do agronegócio caminhar para o desmatamento zero, que é uma virada de página na discussão do código”, diz Waack.
Um dos principais problemas relacionados ao desmatamento das florestas tropicais é o tráfico de madeira, que contribui para a degradação das florestas. “Temos que consolidar um mercado legal e rastreável de madeira tropical. 80% do mercado, ou é ilegal, ou tem algum tipo de ilegalidade. O grupo tem o compromisso de eliminar a madeira ilegal das suas cadeias de produção”.
O movimento está trabalhando em um mecanismo de rastreabilidade para a madeira. “Já existe para o boi, para asoja, tem que ter para madeira”, diz Waack, lembrando que as compras públicas de madeira precisam ser feitas na legalidade. “O governo não pode comprar madeira sem rastrear. E isso tem a ver com a declaração da presidente Dilma de acabar com o desmatamento ilegal até 2030”. 
Para o grupo, uma das obrigações estabelecidas pelo Código Florestal - a necessidade de recomposição de áreas devastadas - precisa ser economicamente viável para os produtores. “Ou a restauração se paga por si, atrai investidores e o que é um passivo para os produtores vai se tornar um ativo, ou ela não é viável. A viabilização é algo central”, diz.
Para viabilizá-la, ele aponta o caminho da pesquisa na silvicultura para florestas nativas. “Tudo o que já está pronto na economia da floresta altamente intensiva que é a economia do eucalipto temos que fazer com florestas nativas. Temos que parar com essa história de dizer essa floresta boa e outra é ruim. Todas as florestas são boas, cada uma tem um papel”.
Bioenergia A coalizão espera ter uma participação importante entre os países do Hemisfério Sul, especialmente na aproximação do Brasil com o continente africano. Um movimento desse porte precisa estar em diálogo permanente com o governo. Desde o começo, o grupo tem conversado com três pastas: Agricultura, o do Meio Ambiente e Fazenda. “Nós começamos com a expectativa de que esse diálogo seria fragmentado, mas ele não está sendo e isso é um grande passo. Temos reuniões com os três ministérios ao mesmo tempo e isso é muito importante”, diz Waack, que ainda espera avançar nas conversas com o ministério da Ciência e Tecnologia.
COP 21 Todos esses pontos, diz Waak, farão o país avançar na criação de uma economia de baixo carbono que compreende o uso intensivo do solo com mais integração entre floresta e agricultura.
As propostas serão demonstradas durante a COP 21, que será realizada em dezembro em Paris. "Não adianta fazermos essa mobilização para Paris e depois acabar tudo. Sabemos que é um projeto de muitos anos, um ciclo que vai até 2030. Os mecanismos não são triviais e não podem ser superficiais, estamos trabalhando já”.
* O jornalista viajou a convite da FAO.

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