Se a boa arquitetura pressupõe critérios de sustentabilidade, por que algumas das maiores obras de referência da arquitetura brasileira não são exemplos de eficiência ambiental?


"A arquitetura, para ser boa, já o é, implicitamente, sustentável." 

A afirmação, feita pelo arquiteto português Eduardo Souto de Moura, para o jornal espanhol El País (2007), reflete a opinião de que não se pode exaltar um edifício por ser sustentável, já que a boa arquitetura necessariamente incorpora conceitos que garantem o conforto ambiental. 

"Seria como elogiá-lo por ficar de pé", acrescenta o arquiteto português. Por um lado, há uma certa unanimidade entre alguns arquitetos de que a boa arquitetura já é sustentável. 

Por outro, faltam exemplos de arquitetura sustentável no Brasil - e sobram reclamações a alguns edifícios ícones, como a falta de conforto térmico. O que, afinal, faz uma arquitetura sustentável e o que falta para a boa arquitetura brasileira ser uma delas?



Monica Brooke
Carlos Leite, professor da FAU-Mackenzie e consultor de desenvolvimento urbano sustentável
A boa arquitetura brasileira tem como pressuposto excelentes noções de conforto ambiental que são o básico para se conseguir sustentabilidade. Alguns ícones não tinham estes parâmetros como prioritários, o que não os diminui na história - sua importância está em outros parâmetros relevantes. Porém, a real diferença na construção civil se dará na adoção de sistemas construtivos industrializados e mais inteligentes: em vez de obras, linhas de montagens limpas e design massivo. Muito mais do que o "greening" dos edifícios, isso envolve conhecimento, inovação, técnicas e tecnologias contemporâneas.



Fernando Luiz Lara,
arquiteto e professor da
University of Texas as Austin



acervo pessoalPara mim essa história de que toda boa arquitetura é sustentável é uma grande falácia, uma desculpa para a inércia da profissão. O cálculo de energia embutida nos materiais e o cálculo de energia gasta no uso do edifício nunca foram e, em geral, não são considerados até hoje. Em defesa dos antigos, até a crise do petróleo de 1973 imaginava-se que a energia seria sempre barata. Mas lá se vão 40 anos e ainda não aprendemos a introduzir energia no cálculo do preço por metro quadrado. Nesse tempo, o problema só piorou. Hoje temos de um lado o paradigma desenvolvimentista em que tudo se resolve com mais cimento e mais asfalto, e do outro um marketing verde confundindo as coisas. Espero   que os alunos de hoje façam melhor em 2030.


divulgação Andrade Morettin Arquitetos
Marcelo Morettin, sócio do escritório Andrade Morettin
A sustentabilidade entrou definitivamente na agenda dos escritórios de arquitetura e é um assunto importante em todas as esferas que envolvem a produção do espaço urbano. Embora seja difícil contestar sua pertinência, somos obrigados a reconhecer que há muita informação duvidosa sobre o assunto e que precisamos separar o joio do trigo. A boa arquitetura pressupõe uma abordagem caso a caso que tem como pressuposto identificar de que maneira a eficiência ambiental deve ser considerada para cada projeto específico. Não devemos encará-la como um acessório que aplicamos no final, quando o edifício está pronto. Nesse sentido, a sustentabilidade não deve se sobrepor aos outros parâmetros de projeto. Somente o pensamento integrado de todo processo pode levar a um resultado satisfatório - sobretudo do ponto de vista ambiental.

acervo pessoal
Claudia Naves David Amorim, vice-diretora da FAU-UnB e coordenadora do Laboratório de Controle Ambiental e Eficiência Energética da UnB (Lacam)
O ato de projetar é extremamente complexo e influenciado por vários condicionantes que levam em conta as perplexidades da época. Sendo assim, o próprio conceito de boa arquitetura, ao longo do tempo, valorizou ou exaltou aspectos diferentes, dependendo do contexto. Hoje se fala em sustentabilidade, recuperando-se na verdade conceitos já utilizados há milênios, quando não se podia contar com tantos aparatos tecnológicos para melhoria da habitabilidade, por exemplo. Mas quando se fala em qualidade arquitetônica, espera-se que padrões mínimos de habitabilidade sejam alcançados e mantidos pela própria arquitetura. Grandes obras arquitetônicas, icônicas e referenciais, não deveriam incorrer em erros graves nesses aspectos, sob pena de não poderem ser consideradas referências.


acervo pessoal
Miguel Pereira, arquiteto
É preciso ter cuidado ao fazer definições. As maiores obras da arquitetura brasileira são exemplos do bom uso dos materiais, da preocupação com orientação solar e ventilação, da boa distribuição dos espaços, da valorização cultural, do respeito ao espaço urbano e do conforto do usuá­rio. Enfim, são exemplos de arquitetura sustentável. Podemos citar, inclusive, a obra de João Filgueiras Lima, cuja qualidade ambiental vai muito além de soluções como a reutilização de água para irrigação de jardins ou o aquecimento de piscinas com energia solar, soluções muito comuns na arquitetura entendida, atualmente, como sustentável. A busca por certificações fez surgir centenas de critérios de sustentabilidade que muitas vezes camuflam a ausência de conceitos básicos e conhecidamente essenciais para uma boa arquitetura. O termo sustentabilidade foi exaustivamente utilizado na última década como estratégia de marketing para vender projetos. Eficiência ambiental se confundiu com alta tecnologia e automação. E a banalização do termo fez surgir o chamado greenwash, a propaganda enganosa da sustentabilidade.