O projeto de criar um Mecanismo de Desenvolvimento Verde para encarregar o mercado da preservação da biodiversidade recebe críticas como seu similar destinado a enfrentar a mudança climática.
Nairóbi, 31 de maio (Terramérica).- O setor privado poderia aportar muito dinheiro para frear a perda de biodiversidade, como faz com o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) para mitigar a mudança climática. Mas a proposta, apresentada na capital do Quênia, provoca debate entre ambientalistas. Até 2020, o Mecanismo de Desenvolvimento Verde (MDV) poderá contar com cerca de US$ 5 bilhões anuais, que chegariam diretamente para os que realizam tarefas de conservação, disse Francis Vorhies, da Earth Mind, uma organização não governamental que aposta em “potencializar sinergias para a sustentabilidade”.
“É um enfoque baseado no mercado e projetado para movimentar dinheiro para a conservação. E muitos destes fundos também serão investidos em um bom desenvolvimento”, explicou Vorhies ao Terramérica. O MDV é impulsionado como uma tentativa de frear o corte de árvores e o desaparecimento de pântanos, por exemplo, afetados por suculentos projetos extrativistas e agropecuários. Por esta via, a comunidade, organização ou governo que desejar conservar uma floresta, um mangue, região costeira ou arrecife coralino criará um plano de uso sustentável pelo período de dez anos.
Após uma auditoria independente, é dado ao plano um certificado de “hectares de biodiversidade protegida” para ser colocado no mercado de capitais, segundo projeto apresentado na III Reunião do Grupo de Trabalho Especial de Composição Aberta sobre a Revisão da Implementação do Convênio sobre a Diversidade Biológica, realizada entre 24 e 28 de maio, em Nairóbi. Não se trata de proteger apenas áreas virgens, mas, literalmente, qualquer atividade que potencialize a biodiversidade, desde um estabelecimento pecuário sustentável até fazendas orgânicas, um aquário comunitário para a conservação de peixes que dependem dos corais, ou um projeto de edificação que preserve um mangue.
Os compradores poderão ser corporações que queiram cumprir sua responsabilidade social ou investidores individuais que desejam adquirir um hectare de floresta tropical ou arrecife coralino sabendo que serão adequadamente manejados e conservados, disse Vorhies. “Se as 500 principais empresas multinacionais se comprometessem com apenas a centésima parte de 1% de seus ganhos anuais, seriam gerados US$ 2,5 bilhões ao ano para a conservação”, acrescentou.
Essas especulações foram consideradas “ingênuas” por Simone Lovera, da não governamental Coalizão Mundial pelas Florestas, com sede em Assunção, Paraguai. Se houvesse semelhante interesse empresarial em conservar a natureza “não teria havido, em primeiro lugar, nenhum problema para financiar a biodiversidade”, disse a ativista ao Terramérica. A ativista afirmou que por si só já é problemático criar um sistema de financiamento para proteger a biodiversidade que seja similar ao MDL, previsto no Protocolo de Kyoto.
As soluções para enfrentar a mudança climática que se baseiam no mercado foram rechaçadas categoricamente por vários países latino-americanos e pela sociedade civil na Conferência Mundial dos Povos contra a Mudança Climática e pelos Direitos da Mãe Terra, que aconteceu entre 19 e 22 de abril na cidade boliviana de Cochabamba. Porém, a principal crítica de Lovera ao MDV se refere à evidente omissão de “toda referência aos direitos e às necessidades de povos indígenas, mulheres, agricultores ou comunidades locais”.
Vorhies respondeu aos questionamentos de Lovera dizendo que ela está totalmente equivocada, pois o MDV não trata apenas de conservação, mas também de compartilhar equitativamente os ganhos e um uso sustentável para e pelos povos nativos. “Queremos investir nos guardiões da paisagem para lhes dar recursos a fim de continuarem sendo guardiões”, assegurou. Onde há disputas em torno dos direitos sobre a terra, não será possível o MDV, esclareceu. “Tem de haver um proprietário identificado e ficar bem definido quem é responsável por manejar a paisagem. De outro modo, o mercado rechaçará”, acrescentou.
Quanto ao MDL, “movimentou US$ 25 bilhões em financiamento” e muito se aprendeu sobre o que fazer, disse Vorhies. Em sua opinião, as empresas e os atores econômicos estão ansiosos para investir na proteção da biodiversidade, mas falta uma garantia de que seu dinheiro se destinará realmente a um bom manejo. Para oferecer essas garantias, o MDV deverá prever sanções, acrescentou. James Seyani, delegado de Malavi, disse em sua intervenção no Grupo de Trabalho que, embora “possa ser bom, são necessários mais debates sobre este assunto porque vários aspectos devem ser esclarecidos”.
Na reunião do Grupo de Trabalho foi formulada uma meta para 2020, após avaliar como mobilizar mais recursos para proteger a fauna e a flora, que será apresentada aos países-membros na cidade japonesa de Nagoya, entre 18 e 29 de outubro, durante a 10ª Conferência das Partes do Convênio sobre a Diversidade Biológica. Embora o Convênio não venha a participar do MDV, se o aprovar significará que os governos apoiam a ideia e então o mercado dará atenção. Esperamos ter seis projetos-piloto operacionais nos próximos 24 meses”, afirmou Vorhies.
Por sua vez, a filipina Joji Cariño, da indígena Fundação Tebtebba, afirmou que, onde a tendência da terra está clara e é apoiada pelo Estado, pode haver alguns benefícios para os povos originários. Contudo, “sem esses direitos, isto será apenas discurso, e pode ser outra forma de apropriação da terra”, disse Cariño ao Terramérica.
* O autor é correspondente da IPS.
Crédito da imagem: Domínio público
Legenda: Arrecife coralino de Yolanda, no parque nacional egípcio de Ras Mohammad.
Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.