Por Gabriel Wedy
Tive a honra de ser aluno do economista Jeffrey Sachs durante um semestre, na sua interessante cadeira de Desenvolvimento Sustentável, na School of International and Public Affairs, da Columbia University, em 2015.
Sachs, além de professor da instituição, é diretor do Earth Institute e diretor da UN Sustainable Development Solutions Network.
É conselheiro especial da Secretaria-Geral da ONU, desde a gestão Kofi-Annan. Para além do profundo conhecimento acadêmico, exerceu naquele ano papel decisivo na construção dos 17 objetivos e das 169 metas aprovados pela ONU, em Nova Iorque, que culminou na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.
São estes os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável inseridos na referida agenda:
1) acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares;
2) acabar com a fome, alcançar segurança alimentar e melhorar a nutrição;
3) assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos;
4) garantir educação inclusiva, equitativa e de qualidade;
5) alcançar a igualdade de gênero e tutelar todas as mulheres e meninas;
6) garantir disponibilidade e manejo sustentável da água;
7) garantir acesso à energia barata, confiável e sustentável;
8) promover o crescimento econômico sustentável;
9) construir infraestrutura resiliente e promover a industrialização inclusiva;
10) reduzir a desigualdade entre os países e dentro deles;
11) tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros e resilientes;
12) assegurar padrões de consumo e produção sustentáveis;
13) tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima;
14) conservar e promover o uso sustentável dos oceanos;
15) proteger, recuperar e promover o uso sustentável das florestas;
16) promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável;
17) fortalecer os mecanismos de implementação e revitalizar a parcela global.
De acordo com Sachs, no seu célebre e recente livro, The Age of Sustainable Development, o desenvolvimento sustentável é, para além de uma ideia, uma referência nos dias atuais.
É uma maneira de entender o mundo e um método de resolver os problemas globais. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável devem propiciar “um crescimento econômico socialmente inclusivo e ambientalmente sustentável”[1].
Para se alcançar esses objetivos econômicos, sociais e ambientais, deve estar presente a boa governança[2].
A perspectiva normativa do desenvolvimento sustentável ao certo contribui especificamente para a preservação do meio ambiente.
Como afirmado por Sachs, “se nós rompermos os sistemas físicos de água e a biodiversidade”, se “destruirmos os oceanos e as grandes florestas tropicais, nós vamos perder imensamente.
Se nós continuarmos no caminho que certamente está mudando o clima da terra, nós enfrentaremos graves perigos”[3].
Abordagem normativa do desenvolvimento significa que a boa sociedade não é apenas a economicamente próspera (com alta renda per capita), mas também inclusiva, ambientalmente sustentável e bem governada[4].
Boa governança, por sua vez, deve aplicar-se não apenas aos estados, mas às empresas privadas[5].
Governos corruptos que usam a arrecadação em benefício de uma pequena classe de infiltrados ligados à cúpula governamental podem criar expressiva desigualdade[6] e crises ambientais.
Observa-se claramente isso no Brasil, nos escândalos do petrolão e do mensalão, exemplos nefastos de patrimonialismo e de corrupção moral da classe política orquestrada com setores influentes da sociedade que, em perversa química, colaboraram imensamente para o aumento da desigualdade social, a disparada da dívida pública e a perda da confiança no governo. Outras vezes a má governança, ligada à regulação insuficiente, causa catástrofes ambientais, como no caso de Mariana.
Sachs atribui relevância fundamental aos limites planetários definidos por Rockström[7].
Tratam-se dos limites de exploração que o planeta pode suportar. As nove fronteiras planetárias são assim sistematizadas:
1) relação humana com as mudanças climáticas: essa é a mais importante fronteira planetária e refere-se às ações humanas que causam a aceleração nas emissões dos gases de efeito estufa na atmosfera, causando o aquecimento global;
2) acidificação dos oceanos: os oceanos tornam-se mais ácidos com o aumento do gás carbônico na atmosfera. O fenômeno ameaça várias espécies de vida marinha, incluindo corais, lagostas, moluscos, entre outras;
3) depleação da camada de ozônio: a depleação da camada de ozônio causada por clorofluorcarbonetos (CFCs), encontrados em sistemas de refrigeração e aerossóis, é uma grande ameaça à saúde humana.
A camada de ozônio protege a Terra dos raios ultravioletas, e o buraco nela causado, em virtude da ação humana, comprovadamente causa câncer de pele e outras doenças.
A regulação dessas emissões tem diminuído nos últimos anos, mas os CFCs precisam ser eliminados por completo e substituídos por substâncias químicas inteiramente seguras;
4) poluição causada por nitrogênio e fósforo: poluição causada pelo uso de fertilizantes químicos à base de nitrogênio e fósforo utilizados na produção agrícola.
Cerca de 4 bilhões de pessoas no mundo hoje se alimentam com a produção gerada com base nesses poluentes.
O maior problema é que o fósforo e o nitrogênio não ficam apenas nas lavouras; são levados pelo ar para outras localidades e contaminam nascentes e rios, que com pesadas concentrações de ambos os levam a estuários que desembocam no mar e contaminam os oceanos, causando danos irreparáveis à vida marítima;
5) uso excessivo e desperdício de água potável: cerca de 70% da água potável no mundo é usada para agricultura, 20% é utilizada pela indústria e 10% resta para o uso doméstico.
Fontes de água estão sendo exauridas globalmente. De todos os limites planetários, a escassez de água é a que vai enfrentar a maior crise nas próximas décadas;
6) uso da terra: a humanidade usa uma quantidade imensa de terra para cultivar alimentos, para o pastoreio de rebanhos, para a produção de madeira, de outros produtos da floresta e para a expansão das cidades.
A humanidade tem convertido a terra, originalmente de florestas, em lavouras e pastagens por milhares de anos.
Essa prática tem aumentado a emissão de CO2 (o carbono retido nas árvores derrubadas retorna à atmosfera), agravando o aquecimento global. Em decorrência da degradação da terra pelo uso, ecossistemas são rompidos e espécies são extintas;
7) biodiversidade ou diversidade biológica: a evolução da vida na Terra criou entre dez milhões e cem milhões de espécies distintas, das quais a maioria ainda não foi catalogada.
A biodiversidade não apenas contribui com a vida no planeta, mas também coopera de modo fundamental para as funções do ecossistema, a produtividade das colheitas e a saúde e sobrevivência da humanidade.
A biodiversidade está ameaçada pela ação humana;
8) carregamento de aerossol: quando são queimados carvão, biomassa, óleo diesel e outras fontes de poluição, pequenas partículas chamadas aerossóis são espalhadas no ar.
Cria-se uma imensa poluição no ar, que causa danos aos pulmões, vitimando muitas vidas de seres humanos e não humanos todos os anos e causando um significativo impacto sobre o clima;
9) poluição química: o último dos limites planetários, extremamente amplo, é a poluição química. Indústrias petroquímicas, de produção de aço e mineração, usam grande quantidade de terra e água nos seus processos produtivos e também adicionam poluentes no ambiente, muitos dos quais são acumulativos e mortais para seres humanos e outras espécies[8].
Está demonstrado que, quando os seres humanos ultrapassam esses limites, a pressão sobre o meio ambiente torna-se maior do que podem suportar os sistemas naturais, resultando em uma grande mudança nos ecossistemas da Terra[9]. Ultrapassar tais limites coloca em risco todos os seres vivos.
As pessoas mais afetadas são as que habitam os países mais pobres. Nações pobres possuem menos infraestrutura para enfrentar os impactos ambientais causadores igualmente de imensos prejuízos econômicos.
No aspecto interno dos países, por sua vez, são os pobres quem mais sofrem com a violação desses nove limites. Fundamental é que o processo de desenvolvimento permaneça observando esses nove limites ou as fronteiras planetárias para que se evitem danos aos seres humanos, ao meio ambiente e à economia[10].
Observam-se, no Brasil, políticas públicas — econômicas, ambientais e sociais — altamente pautadas na sua construção e, em especial, na sua execução, por políticos profissionais despreparados tecnicamente, não raras vezes contaminados pela corrupção, em detrimento de técnicos preparados e honestos, que seriam fundamentais na concretização dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
É o que se chama do nefasto e tradicional loteamento do governo brasileiro pela vastíssima fauna de partidos cujos membros não se pautam pela fidelidade partidária e, tampouco, pelo comprometimento político com um programa de governo sério, altruísta, ambientalmente responsável e bem elaborado.
A participação plural dos mais diversos setores da sociedade é essencial para o múltiplo e complexo desafio da implementação do desenvolvimento sustentável e para a luta contra mazelas econômicas, sociais e, especialmente, ambientais.
Conclui-se que a obra The Age of Sustainable Development é uma das mais completas até o momento sobre o tema e demonstra a salutar e nítida influência de Sachs na construção dos 17 objetivos e das 169 metas do desenvolvimento sustentável adotados pela ONU no ano de 2015 na Agenda 2030.
Todavia, a sugerida implementação paulatina de tais objetivos por Sachs pode não responder às necessidades imediatas das nações para os graves problemas que afetam a humanidade no aspecto humano, ambiental, econômico e de governança, em especial nos países em desenvolvimento, como o Brasil.
Ou melhor, a implementação desses objetivos esbarra na falta de um mecanismo coercitivo de distribuição de recursos financeiros, das nações ricas para as pobres, para o financiamento do desenvolvimento sustentável.
A própria estrutura concentradora de renda dentro das nações em desenvolvimento não permite tal distribuição, que poderia se dar como fruto da tributação das rendas e das heranças milionárias acumuladas pelas atuais gerações e, igualmente, pela tributação do carbono.
Recursos acumulados, investidos e reinvestidos especulativamente no mercado de ações e na indústria dos combustíveis fósseis precisam ser investidos em políticas públicas verdes e na geração de energia e de empregos sustentáveis.
Outro problema está nas estruturas marcadas pela governança caótica, marcada pela corrupção e pela completa ineficiência operacional que afetam grande parcela de governos dos países em desenvolvimento, os quais, mesmo recebendo assistência técnica, recursos provenientes de doações, investimentos internacionais ou da própria arrecadação interna, não têm a capacidade de alocá-los para políticas públicas promotoras do desenvolvimento sustentável.
O Direito Internacional não oferece mecanismos jurídicos efetivos para a implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, e tampouco existe uma corte internacional com poder de coerção para implementá-los.
É notória, outrossim, a falta de uma corte ambiental internacional para apreciar demandas relativas ao pilar ambiental da sustentabilidade.
Seja como for, ainda assim, a solução formulada por Sachs no sentido da construção, divulgação e implementação dos objetivos e das metas do desenvolvimento sustentável é de relevância singular, revolucionária, ao menos como norte, para a atuação de governos e da iniciativa privada em todo o mundo visando melhorias nos padrões de tutela ambiental, de inclusão social, de boa governança e de um desenvolvimento econômico movido por energias renováveis.
[1] SACHS, Jeffrey. The age of sustainable development. New York: Columbia University Press, 2015. p. 3.
[2] Idem.p. 3.
[3] Ibidem. p. 12.
[4] Ibidem. p. 12.
[5] Ibidem. p. 42.
[6] Ibidem. p. 59.
[7] ROCKSTRÖM, Johan et al. Sustainable Development and Planetary Boundaries. Background Paper for the High – Level Panel of Eminent Persons on the Post – 2015 Development Agenda. New York: Sustainable Development Solutions Network, 2013.
[8] Obra citada. p. 185-193.
[9] Obra citada. p. 193.
[10] Ver: FOLADORI, Guillermo. Los limites del desarrollo sustentable. Montevideo: Ediciones de la banda oriental - Revista Trabajo e Capital, 1999.
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