O modelo da Rio+20 não basta para discutir sustentabilidade

Por: Thalita Pires, Rede Brasil Atual



Uma reunião de chefes de Estado organizada pela ONU não trará grandes avanços na questão urbana

O resultado final da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio +20, pode ser avaliado de diferentes maneiras em diferentes áreas. No que tange à questão urbana, está claro que a conferência foi um grande fracasso. 

Apesar de o documento final do encontro dedicar alguns parágrafos ao tema Cidades Sustentáveis e Assentamentos Humanos, não há grande avanço em termos práticos. 

Vou discorrer sobre alguns motivos para esse fracasso, que se confundem com os problemas gerais da Rio +20, sem a pretensão de esgotar o tema.


Em primeiro lugar, falta ao mundo uma compreensão maior da importância das cidades no bem-estar geral da humanidade. 

Os atuais líderes políticos se formaram em um tempo em que a maior parte da população vivia no campo, assim como a pobreza estava concentrada por lá. 

As cidades eram sinônimo de melhores oportunidades e, se uma pessoa era pobre na cidade, o entendimento geral era de que ela certamente teria acesso mais fácil aos serviços públicos básicos e a oportunidades de trabalho.

Acontece que esse mundo mudou. Já faz 5 anos que o mundo tem mais pessoas morando em cidades do que nas áreas rurais, um fenômeno que está longe de se esgotar. 

Além disso, a pobreza urbana está se acentuando. A onde neoliberal dos anos 80 e 90 diminuiu serviços públicos e arrasou economias, deixando muitas pessoas sem emprego. As condições de vida nas cidades deixaram de ser necessariamente melhores que as do campo. 

Hoje, quem vive em cidades tem mais chances do que no passado de desenvolver doenças respiratórias (por conta da poluição e do ambiente interno das casas dos mais pobres, com pouca ventilação) e do aparelho circulatório (por conta do aumento do consumo de alimentos industrializados e diminuição da atividade física), além de problemas clássicos relacionados à falta de saneamento básico. 

Tudo isso aponta para a necessidade urgente de deixar de pensar em pobreza como algo separado do território. Existem diferentes fardos na pobreza rural e na do campo, e eles devem ser considerados separadamente, sob pena de nenhum deles ser aliviado.

Outro ponto que merece crítica é a superficialidade dos termos usados no documento final da Rio +20 para falar das cidades. O texto cita a necessidade de criar cidades mais sustentáveis, mas sequer aceita do desafio de definir o que é sustentável. 

Além disso, o documento não tem força de lei, ou seja, mesmo assinando a resolução, nenhum país é obrigado a de fato aplicar as decisões. 

Aqui começa outra reflexão. Acredito que a Rio +20 se tornou uma decepção porque muitos esperavam dela mais do que seria possível. Claro, em muitos assuntos os países poderiam ter sido mais audaciosos nas suas propostas, mas alguém esperava que todos os chefes de estado presentes no Rio concordassem com medidas realmente importantes para o meio ambiente? 

É muito mais fácil que pequenos grupos de países, reunidos em torno de diferentes afinidades, consigam chegar a consensos. Da maneira como a Conferência acontece, ela estava fadada ao fracasso antes que o primeiro chefe de estado pousasse no país.

Seria interessante que o mundo se propusesse a achar uma maneira mais efetiva de discutir o desenvolvimento sustentável. Cada realidade traz desafios diferentes. Sustentabilidade nos países nórdicos tem um significado muito diferente daquele nos países do Sudeste Asiático ou da África Subsaariana, por exemplo. 

É impossível achar um consenso mundial, então que os governos comecem a procurar definições locais.

Central x local

Há ainda outro motivo pelo qual uma reunião de governos nacionais não poderiam avançar significativamente na questão urbana ou em quaisquer outras. 

A maior parte das medidas que devem ser tomadas para melhorar o meio ambiente não é decidida nas esferas de poder central, mas sim local. São as prefeituras e estados (e seus similares pelo mundo) que controlam grande parte das emissões de poluentes – circulação de carros e instalação de indústrias –, manejo do lixo, construção civil e muitos outros campos. 

Por melhores que sejam as intenções de presidentes, primeiros-ministros e similares, são os governadores e prefeitos que de fato aplicam grande parte das políticas que afetam a vida das pessoas.

Prova disso é que a reunião do C40, entidade que reúne as maiores metrópoles do mundo, apresentou resultados mais concretos que a Rio +20. As 59 integrantes do grupo, entre elas São Paulo e Rio de Janeiro, se comprometeram a cortar a emissão de 1,3 bilhão de gases do efeito estufa até 2030. 

É preciso lembrar que esse compromisso tampouco é oficial; se não for atingido, não haverá qualquer sanção. Mas é muito mais do que foi alcançado no conferência da ONU. Além disso, sempre é mais fácil cobrar um governo quando ele assumiu um compromisso público, ainda que não seja uma meta obrigatória. 

Além de apontar um caminho para futuras negociações, a reunião de prefeitos mostra a importância de cobrar nossos administradores municipais para avançar na questão da sustentabilidade. 

Localmente, é mais fácil detectar prioridades e tomar iniciativas que de fato façam a diferença. Fica também o alerta para levarmos a sério as eleições municipais que se aproximam. Seu resultado atinge o dia a dia de todos nós.

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