Marina Grossi, presidente do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável) defende que novas formas de mensuração do valor da sustentabilidade ainda precisam ser incorporadas em níveis empresarial e governamental para aumentar o estímulo á economia de baixo carbono.
26/10/2016 – Economista, Marina Grossi assumiu a presidente do CEBDS em 2010. No CEBDS desde 2005, ela atuou como diretora-executiva e coordenadora das Câmaras Temáticas de Mudança do Clima e Energia, Construção Sustentável e Finanças Sustentáveis.
Possui um vasto currículo ligado á área governamental, atuando como negociadora do Brasil na Conferência das Partes (COP) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP do Clima) entre 1997 a 2001, e como coordenadora do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas entre 2001 e 2003.
Participou das negociações do Protocolo de Kyoto e representou o Grupo dos 77 (G77) mais China na área de Mecanismo Financeiro na COP 6 ½ (segunda fase da COP 6) que ocorreu em Bonn, na Alemanha.
Com sua abrangente experiência no setor de sustentabilidade, como avalia a evolução deste tema?
A sustentabilidade está passando a ser vista de maneira mais estratégica, como um elemento de competitividade.
Neste cenário, as empresas já entenderam que sustentabilidade não é custo, e, sim, investimento e lucro.
Os retornos podem ser de médio a longo prazos, mas os benefícios em reputação e competitividade são notáveis.
No entanto, novas formas de mensuração deste valor da sustentabilidade ainda precisam ser incorporadas, tanto em nível empresarial quanto no governamental.
É essencial que haja um maior estímulo à economia de baixo carbono, tanto por meio de soluções de negócios quanto pela construção de um ambiente regulatório mais favorável.
O Brasil é protagonista em várias áreas, como florestas, biodiversidade, energias renováveis, biocombustíveis e eficiência energética.
O CEBDS, juntamente com o parceiro global World Business Council for Sustainable Development, está trabalhando nesses temas e trazendo para o Brasil a discussão e o desenvolvimento de soluções que desenvolvam e deem escala à tecnologias de baixo carbono que contribuem, de maneira considerável, a solucionar esse problema global da mudança do clima.
Ainda temos muitas barreiras a superar, mas temos condições de avançar bastante.
Para isso, é essencial que sustentabilidade e desenvolvimento sejam pensados de forma integrada, promovendo a realização de projetos de médio e longo prazos.
A adoção dos princípios e práticas de sustentabilidade depende desta integração. O futuro das empresas, do governo e da sociedade é o mesmo, as agendas não podem ser pensadas separadamente.
O CEBDS acaba de completar 19anos e tem uma história marcada pelo incentivo às boas práticas ambientais e conquistas positivas em prol da implementação da Economia Verde no Brasil. Quais as expectativas da entidade para os próximos anos?
É possível perceber que as empresas evoluíram muito nos últimos 20 anos, de vilãs a agentes estratégicos nesse processo de transição para o desenvolvimento sustentável. A partir de agora, é preciso avançar para a implementação porque o discurso da sensibilização já passou.
Nos próximos anos, o CEBDS trabalhará para dar ganho de escala às boas práticas do mercado e para construir junto com o poder público propostas de regulação que favoreçam a economia verde.
Sem políticas públicas de governo, não haverá um salto de qualidade nas ações de sustentabilidade.
Este ano, o CEBDS realizou a primeira edição do Fórum Água 2016, num momento crucial em que toda a sociedade deve combater a crise hídrica. Qual a posição da entidade em relação ao reuso de água na indústria e uso de tecnologias que ajudem na gestão dos recursos hídricos?
O Fórum Água 2016 promoveu o debate dos principais desafios enfrentados pelo setor empresarial na gestão dos recursos hídricos, além de estratégias de sucesso para superá-los, entre as abordadas estava a questão do reuso.
Um tema importante, porque cada vez mais empresas investem no reuso como alternativa para redução do volume de captação de água tratada, gerando economia e minimizando riscos durante a escassez, tanto do ponto de vista operacional quanto do ponto de vista de conflitos com a sociedade.
Porém, ainda há uma grande carência de normais legais que incentivem a sua adoção, assim como produtos financeiros que beneficiem empresas que investem nessa prática, além da necessidade de maior regulamentação sobre os diversos usos para essas águas.
Esses fatores são importantes para permitir o desenvolvimento de um mercado consolidado de água de reuso.
O CEBDS defende duas grandes bandeiras no que tange ao reuso: a necessidade de mecanismos financeiros que estimulem a adoção dessas práticas e tecnologias, como é o caso do incentivo previsto pelo Projeto de Lei – PLS 12/14, que prevê a redução de impostos e taxas de produção/importação de equipamentos.
A segunda grande bandeira é a defesa pela regulamentação federal para os diversos aproveitamentos das águas de reuso, com vias a não só viabilizar o uso interno pelas empresas, mas também criar um mercado de vendas dessas águas, tanto para águas de processo como até mesmo água potável.
Como exemplo, temos o caso da Ambev, empresa associada ao CEBDS, que visando reduzir o uso da matéria prima, entre 2002 e 2013, a empresa diminuiu em mais de 38% a captação de água em suas unidades, tornando-se referencia internacional.
No Maranhão, a empresa reduziu o descarte de efluentes para o Rio Pedrinhas em 72% com o projeto de reutilização dos efluentes em parceria com a Alumar.
Os desafios da mudança do clima também exigem uma agenda mais proativa do setor industrial e o CEBDS tem atuado diretamente em encontros mundiais, como a COP 21, em Paris. Quais os riscos e oportunidades para o Brasil e suas empresas?
O setor empresarial reconhece que a implementação do Acordo de Paris requer avanços expressivos em áreas específicas, como a de energias renováveis.
Mas tanto no que se refere à meta global quanto às demais, vemos como principal ponto crítico para o Brasil a definição dos meios pelos quais as metas serão implementadas.
Para o CEBDS e suas associadas, será fundamental definir regras adequadas para a implementação das medidas, de modo a garantir, na prática, que o país alcance os objetivos propostos.
O setor privado está disposto e empenhado em trabalhar junto com o governo para que a ambição brasileira se torne realidade, contribuindo efetivamente para a retomada do crescimento econômico em termos mais sustentáveis e para a pavimentação do caminho rumo à economia brasileira de baixo carbono.
Consideramos que a participação do setor empresarial é fundamental para que todas as metas apresentadas sejam não apenas implementadas, mas também monitoradas, e se transformem em realidade.
O anúncio feito ano passado pelo governo brasileiro deve ser lido como um ponto de partida, e não de chegada para que o país retome o seu crescimento em termos mais sustentáveis e desenvolva uma economia de baixo carbono.
O novo acordo deverá conter mecanismos que promovam a geração de novas tecnologias e a transferência de tecnologias entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, fomentando a redução de emissões.
É necessário enxergar a implementação da meta como uma grande oportunidade. Uma oportunidade de gerar desenvolvimento, uma vez que serão necessários investimentos de grande porte em infraestrutura com empreendimentos de geração de energia renovável.
É também um momento para se repensar processos produtivos, buscando uma maior eficiência no consumo de energia, e buscando de forma contundente zerar o desmatamento ilegal no país.
É latente que para nos desenvolvermos de forma sustentável, tanto em termos econômicos quanto sociais e ambientais, precisamos acabar com esse tipo de questão.
Então, o que o Brasil precisa fazer é, de fato, reconhecer que a busca por alcançar as metas contidas na sua Contribuição Nacionalmente Determinada Pretendida (INDC), que em abril se tornou NDC com a ratificação do acordo, deve ser uma grande motivação para desviar dos prognósticos negativos que temos para país nos próximos anos.
O Brasil, como uma das 10 maiores economias do mundo e 12º maior emissor, segundo o Global Carbon Atlash, tem um papel crucial na busca pela redução das emissões globais.
Ainda que sua trajetória não tenha sido altamente emissora, como a dos países desenvolvidos, quando se fala sobre mudanças climáticas é necessário pensar em um futuro de longo prazo.
Pensamos em horizontes até 2050 e 2100. Precisamos nos desenvolver para que todos os brasileiros tenham condições dignas de vida, mas não podemos nos tornar grandes emissores.
Precisamos, portanto, nos desenvolver dentro desta nova lógica que irá reger a economia global, ou seja, emitindo o mínimo de carbono possível.
O documento Visão Brasil 2050, lançado pelo CEBDS com o apoio de mais de 70 das maiores empresas brasileiras, na Rio+20, visa que o Brasil seja uma potencial verde nos próximos 40 anos. Como estão sendo estruturadas as ações para alcançar esse objetivo? De que forma as empresas estão contribuindo para o alcance das metas?
Depois do lançamento durante a Rio+20 do Visão Brasil 2050, documento prospectivo que tem o propósito de apresentar uma visão de futuro sustentável e qual o caminho possível para alcançá-lo, nosso desafio tem sido pensar nas ações que precisamos fazer para a transição para futuro que a desejamos.
Junto com as 70 empresas associadas, o CEBDS está trabalhando no projeto “Do visão 2050 à Ação 2020”, que consiste em um plano de ação com objetivos claros para 2020, ações e indicadores.
O plano foi construído por meio de três passos principais, sendo que o primeiro foi a identificação dos Must Haves de cada tema. Must Have é uma meta quantificável e verificável que precisa ser atingida até o final da década em cada um dos temas.
O segundo passo é a identificação das ações necessárias, por parte do setor empresarial, para que os Must Haves sejam alcançados.
Por fim, é necessária a identificação dos indicadores de monitoramento das ações das empresas, com a finalidade de verificar se estamos no caminho certo para alcançarmos as metas propostas.
O Ação 2020 é um instrumento importante para unir as agendas da sustentabilidade e do desenvolvimento.
A evolução do mercado ambiental estimula um mercado importante, que necessita de profissionais qualificados. Temos condições de atender essa demanda? Existem oportunidades para esses profissionais no mercado de trabalho? O CEBDS tem alguma ação voltada para esse assunto?
Creio que temos um mercado bastante qualificado que cada vez mais cresce no Brasil. O CEBDS acredita e estimula que mais empresas se preocupem com o desenvolvimento sustentável do seu negócio.
Um relatório divulgado no começo desse ano prevê que a adoção de modelos produtivos mais sustentáveis pode gerar de 15 milhões a 60 milhões de empregos até 2030 em todo o mundo.
Não à toa, diversas escolas de negócio estão falando sobre a sustentabilidade já há algum tempo, e, mais recentemente, diversas escolas de estudos socioambientais perceberam a importância dos negócios para que o desenvolvimento sustentável possa ser alcançado.
Além disso, há já diversas ações dentro das empresas para que os profissionais se capacitem e se informem cada vez mais nas temáticas relacionadas à sustentabilidade empresarial – a Universidade Corporativa Brasil Kirin e a EY University são exemplos dessas práticas.
O CEBDS atua justamente fortalecendo essa diretriz da sustentabilidade corporativa não como um “anexo” da empresa, mas, sim, fazendo parte de uma estratégia sólida do negócio como um todo – inclusive ao capacitar os profissionais de outras áreas da empresa nesta direção.
Fonte: Revista Meio Ambiente Industrial
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