O Direito Internacional da Sustentabilidade e a COP21

Eduardo Felipe Matias é Doutor em Direito Internacional pela USP, com pós-doutorado na Espanha pela IESE Business School da Universidade de Navarra, e sócio responsável pelas áreas empresarial, internacional e de sustentabilidade do escritório Nogueira, Elias, Laskowski e Matias Advogados (NELM). 

É também mestre em direito internacional pela Universidade de Paris e foi visiting scholar na Columbia University, em Nova York. Autor de 

“A Humanidade e suas Fronteiras: do Estado soberano à sociedade global”, ganhador do Prêmio Jabuti na categoria Economia, Administração, Negócios e Direito, em 2014 publicou seu novo livro, 

“A humanidade contra as cordas: a luta da sociedade global pela sustentabilidade”.



Eduardo Felipe Matias é Doutor em Direito Internacional pela USP, com pós-doutorado na Espanha pela IESE Business School da Universidade de Navarra

Nesta entrevista, ele analisa aquela que julga ser uma das maiores tendências mundiais surgidas no último quarto de século – a sustentabilidade – tema no qual o advogado, que já publicou uma centena de artigos em diversos meios de comunicação, é uma das principais referências no País. 

Aqui, ele discute a influência que essa tendência tem sobre o mundo jurídico, que estaria assistindo ao surgimento de um novo ramo, o Direito Internacional da Sustentabilidade, e a postura do Brasil em relação a esses assuntos. 

“O Brasil poderia se propor a assumir um papel de protagonista, o que não vem fazendo” diz o especialista.

Veja a entrevista completa.

1 – O senhor diz que o Brasil não tem bom desempenho nas duas grandes tendências surgidas nas últimas décadas: a globalização e a sustentabilidade. Especificamente sobre a segunda, qual vem sendo a postura do Brasil?

A sustentabilidade é uma megatendência porque representa uma mudança que acaba por se tornar um imperativo estratégico incontornável. 

O aumento da demanda e a crescente escassez de recursos fez surgir um “funil da sustentabilidade” que vem se estreitando a cada dia.

Algumas empresas brasileiras já perceberam que quem passar antes por esse funil não só vai garantir sua sobrevivência em um mundo em que as práticas mais sustentáveis se tornarão obrigatórias, mas também irá usufruir dos benefícios de ter se adaptado primeiro a essas transformações.

Nosso Estado precisa estar em sintonia com essa realidade, o que nem sempre acontece. Este deve fornecer os sinais corretos para o setor privado, o que acontece quando, por exemplo, estabelece limites mais rigorosos para as emissões, estimulando inovações e investimentos em tecnologias verdes. 

Há vários instrumentos à disposição do Estado para isso, como a tributação, que permitiria precificar o carbono, algo que se torna cada dia mais imprescindível.

2 – Com isso deixaríamos de perder oportunidades?

Sem dúvida. O mesmo raciocínio que se aplica às empresas vale para as nações. Aquelas que saírem na frente evitam os riscos de ficar para trás e podem ter ganhos significativos.

Neste caso, mais uma vez, no plano internacional, o Brasil poderia se propor a assumir um papel de protagonista, o que não vem fazendo. 

Caso a sustentabilidade se consolide como imperativo, nosso País possui características naturais que lhe assegurariam grande vantagem competitiva. Ou seja, temos condições de atravessar mais rapidamente o funil da sustentabilidade e, feito isso, teríamos até interesse em que as paredes desse funil se estreitassem. 

Por isso entendo que nossa postura deveria ser de ponta, liderando o movimento da comunidade internacional para, por exemplo, a adoção de um acordo global efetivo de combate às mudanças climáticas.

3 – A sustentabilidade é um fenômeno que se reflete também no mundo do Direito?

Sim. Da mesma maneira como ocorre com a globalização, que foi acompanhada da proliferação de regras internacionais e transnacionais de promoção do livre comércio e proteção de investimentos, a sustentabilidade conta cada vez mais com instrumentos destinados a assegurá-la. 

E é possível afirmar que o direito que surge como resposta aos desafios relacionados ao desenvolvimento sustentável claramente possui conceitos, normas, instituições e princípios específicos, o que permite inclusive que se fale no surgimento de um sistema jurídico próprio, um novo ramo do direito, o “Direito Internacional da Sustentabilidade”, que não pode mais ser ignorado.

4 – Como se dá o nascimento desse novo ramo do Direito?

Surge por meio de uma confluência de agentes e fatores. As grandes conferências internacionais da ONU sobre desenvolvimento sustentável, como aquela que deu origem à Convenção do Clima, dão grande aporte. 

Mas também o fazem os diversos documentos internacionais abordando outros aspectos da sustentabilidade – lembrando que esta vai muito além da área ambiental – como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável aprovados em setembro na ONU, que tratam, entre outros temas, de erradicação da pobreza, redução das desigualdades, condições decentes de trabalho e consumo e produção responsáveis.

Atores transnacionais da sociedade global, como as organizações não-governamentais e as empresas, dão uma contribuição valiosa para que o Direito Internacional da Sustentabilidade floresça – processo, aliás, que é muito parecido àquele de desenvolvimento da lex mercatoria e do Direito do Comércio Internacional, no qual a participação dos atores privados foi essencial.

Além disso, há o papel da jurisprudência. 

Nesse sentido, vale citar uma inédita sentença recente de um tribunal holandês que, apoiada na obrigação de respeitar o desenvolvimento sustentável como princípio, assumida pelo Estado em acordos internacionais, ordenou que este aja para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. 

Ora, caso esse entendimento pelo judiciário se consolide, as práticas dos Estados contrárias a esse princípio poderiam ser passíveis de litígio, o que aumentaria a força coercitiva do Direito Internacional da Sustentabilidade mesmo nos casos em que não existam sanções pelo descumprimento de suas diretrizes.

5 – Falando nisso, qual a sua expectativa para a Conferência das Partes da Convenção do Clima (COP-21) que ocorrerá em dezembro, em Paris?

Algo que chamou a atenção foi a série de manifestações recentes sobre o combate às mudanças climáticas, que podem ser interpretadas como o surgimento de uma grande convergência a respeito desse tema. 

É o caso, por exemplo, da declaração do G7 prometendo extinguir o uso de combustíveis fósseis até o final deste século e do acordo em que China e Estados Unidos aceitaram assumir metas de redução de emissões.

Acredito que o tratado a ser celebrado em Paris será positivo ainda que, como é provável, não venha a prever sanções. 

Primeiro, porque a legitimidade do processo da ONU cria uma espécie de dever moral, o que gera cobranças e aumenta a fiscalização pelo cumprimento das metas estabelecidas. Segundo, porque, como comentei, os objetivos assumidos podem começar a ser vistos como um dever legal.

Acordos internacionais como esse têm, ainda, o efeito indireto de dar uma sinalização que pode influenciar o comportamento de outros atores. É por isso que são tão relevantes para a governança global da sustentabilidade que, de fato, é descentralizada. 

Não basta apostar na ação dos Estados. É preciso envolver todas as esferas de autoridade, inclusive as de caráter privado, acionando todos os instrumentos disponíveis. Esse é um processo que se retroalimenta, uma vez que, com novas iniciativas e mais incentivos, outros atores serão estimulados e pressionados a mudar sua postura. 

É o círculo virtuoso da sustentabilidade, movimento que precisamos acelerar e ampliar a fim de superar a crise atual.

Com as informações meioambienterio.com

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