Eduardo Felipe Matias* -
Artigo orginalmente publicado no jornal Valor Econômico, em 11/12/2014
No meio do caminho até Paris tinha duas pedras.
Como contorná-las, possibilitando um acordo global efetivo de combate às mudanças climáticas, promete ser o grande desafio da humanidade neste ano que se aproxima.
Os países agora reunidos em Lima para a 20ª Conferência das Partes (COP-20) daConvenção do Clima da ONU se comprometeram a assinar, em dezembro de 2015, na COP-21 que ocorrerá na capital francesa, um tratado que se aplicará a todos eles a partir de 2020.
Uma das discussões importantes da COP de Lima é a do texto negociador que servirá de base a esse novo acordo.
A primeira pedra no caminho dessa negociação deriva de seu próprio modelo, baseado no consenso. Conciliar os diferentes interesses de mais de 190 países não é missão simples, o que frequentemente leva a dois resultados, ambos igualmente ruins: ou não se chega a um acordo, ou se alcança um acordo frágil.
Essa fragilidade resulta de dois traços comumente encontrados nesses documentos.
O primeiro é a linguagem diluída. Se a missão é chegar a um “produto” na forma de tratado, a forma mais fácil de cumpri-la é negociar um documento vago que permita aos governos dizer que tomaram uma atitude enquanto, na prática, não se sujeitam a maiores consequências.
O segundo é que esse tipo de acordo universal quase nunca estabelece sanções.
A exigência do consenso torna pouco provável que punições severas sejam aceitas por países que terão dificuldades em cumprir o acordado, o que leva seja ao enfraquecimento do mecanismo de sanção que estiver sendo discutido, a fim de manter esses países no acordo, seja à criação de brechas que poderão ser aproveitadas pelos países em questão.
E, quando esse obstáculo é superado e se chega a um mecanismo eficaz, os potenciais descumpridores quase certamente desistirão de aderir ao acordo, que deixa de ser universal.
Essa lógica é particularmente aplicável aos regimes ambientais internacionais por dois motivos.
Primeiramente, estes têm a finalidade de resolver problemas de caráter mais multilateral do que bilateral. Em um regime de comércio – como o da Organização Mundial do Comércio (OMC) – a violação por parte de um país membro pode na maioria das vezes ser efetivamente punida por outro membro, por meio de retaliações diretas.
No caso dos regimes ambientais, o descumprimento tende a afetar não a uma nação em particular, mas a todas, e o incentivo para um país punir individualmente o não cumprimento por parte de outro é menor, o que torna mais necessária a adoção de meios centralizados de sanção.
O segundo motivo é que regimes ambientais diferem de outros mais complexos – por exemplo, aquele da União Europeia, que abrange políticas comuns em diversas áreas, como concorrência, agricultura e pesca.
Uma vez que esses regimes complexos regulam grande variedade de assuntos, o não cumprimento acaba se distribuindo entre diferentes países, em diferentes áreas.
Nesse caso, é do interesse de todos aceitar mecanismos de sanção mais eficazes, pois mesmo que cada um deles ache isso indesejável naquela área particular em que poderá não respeitar as regras estabelecidas, a possibilidade de vir a ser punido naquela área é compensada pela perspectiva de que sanções sejam aplicadas aos demais países caso estes violem suas obrigações em outras áreas.
Já os regimes ambientais tendem a focar em um único assunto – biodiversidade, proteção florestal etc. –, o que faz com que o descumprimento normalmente se concentre em alguns países.
Para estes, aceitar sanções seria o equivalente à autopunição e, à medida que o consenso é exigido para adotá-las, eles se aproveitam disso para barrá-las.
Todos esses fatores complicam o trabalho dos diplomatas que atuam nesses amplos processos multilaterais na área ambiental, chegando-se a um acordo onde este é possível, o que leva a documentos que adotam apenas o mínimo denominador comum – conclusão especialmente verdadeira no caso das negociações climáticas.
E aqui nos deparamos com a segunda pedra no caminho de Paris, relacionada às próprias caraterísticas do problema que se quer combater.
Em temas como a regulação das emissões de gases de efeito estufa – que requerem uma complicada coordenação de políticas custosas e que, portanto, afetam a competitividade nacional – os compromissos que um país está disposto a assumir dependem daqueles que seus concorrentes econômicos assumirem, o que gera uma barganha justificável, porém mesquinha que impede os países de alcançarem o seu potencial máximo de redução de emissões.
Alinhar esses compromissos – as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas, que deverão ser entregues no primeiro trimestre de 2015 – é a árdua tarefa dos negociadores durante o ano que vem.
Essa definição “de baixo para cima” (bottom-up) do que os países estão de fato dispostos e são capazes de fazer permitirá prever objetivos globais baseados nesses dados de realidade.
Logo, é essencial que o processo vá além da fixação de metas – como aquela de limitar o aumento da temperatura global a 2ºC – e insista em estabelecer as medidas de controle de emissões que os governos irão adotar.
MENOS PROMESSAS E MAIS POLÍTICAS
Os dois fatores que podem dificultar que se chegue a um acordo em dezembro do ano que vem não são, por si sós, negativos.
O consenso legitima os acordos da ONU, cujo caráter democrático deveria contribuir, em princípio, para sua efetividade.
E a preocupação com a competitividade nacional face à de outros Estados é perfeitamente razoável e justa. Porém, combinados, servem de instrumento e pretexto para que soberanismos irracionais se imponham sobre uma agenda que a sociedade global precisa adotar com urgência. 2015 é o ano de superar esses obstáculos.
Caso contrário, como no poema, nunca esqueceremos que no meio do caminho tinha duas pedras. Tinha duas pedras no meio do caminho.
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*Eduardo Felipe Matias, sócio de Nogueira, Elias, Laskowski e Matias Advogados, é Doutor em Direito Internacional pela USP e autor do livro “A Humanidade contra as cordas: a luta da sociedade global pela sustentabilidade”, que dá nome a este blog. Twitter: @EduFelipeMatias
Foto: Mathias Fingermann/Creative Commons/Flickr
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