O que é uma Empresa Verde - Revista Época - Entrevista - Fábio Barbosa

Fabio Barbosa - "A empresa verde é um caminho sem volta"

Para o presidente do grupo Santander, não é mais possível fazer negócios sem preocupação ambiental

Alexandre Mansur
Há oito anos, o banqueiro Fabio Barbosa olhou para sua árvore e viu uma floresta. Então presidente do Banco Real, ele percebeu como uma instituição financeira poderia induzir práticas sociais e ambientais mais responsáveis em todo o setor privado. Levou o banco a adotar atitudes pioneiras, que depois foram incorporadas pelo mercado. Começou com talões de cheque de papel reciclado e evoluiu para práticas inovadoras. Em 2004, o Real expulsou 20 clientes corporativos, inclusive algumas madeireiras na Amazônia, porque não seguiam as leis ambientais. A experiência do Real foi uma das referências para elaborar os Princípios do Equador, uma seleção de critérios socioambientais criada pelo Banco Mundial e hoje praticada por 60 instituições financeiras. Há duas semanas, o Real foi eleito o banco mais sustentável do mundo pelo Banco Mundial e pelo jornal britânico Financial Times. Com a compra do Real pelo Santander, no ano passado, Barbosa foi nomeado presidente das operações do novo banco, o terceiro maior do país.
ENTREVISTA - FABIO BARBOSA

QUEM É
Paulistano, de 53 anos. É casado e tem três filhos
O QUE FEZ
Formou-se em Administração pela Fundação Getúlio Vargas e se especializou na escola de negócios IMD, na Suíça. Trabalhou na Nestlé e no Citibank. Era presidente do banco ABN Amro, que comprou o Real em 1998
CARGO ATUAL
É o presidente nomeado das operações do grupo Santander no Brasil e presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban)
ÉPOCA – Um banco não é uma ONG. Por que ele teria de ser bonzinho para a sociedade?
Fabio Barbosa – Não é uma questão de “ser bonzinho”. Trata-se de fazer aquilo em que acreditamos, influenciando outras empresas que compartilhem nossa visão de construir um banco melhor, um mercado melhor e um país melhor. Já temos muita gente nesse movimento, o que ajuda a consolidar o Brasil como referência em sustentabilidade para o mundo.
ÉPOCA – Hoje, vários bancos fazem propaganda de suas iniciativas socioambientais. Como saber quem é mais empenhado?
Barbosa – Sinceramente, não achamos que seja uma questão para medir ou comparar, e sim para comemorar. Quanto mais empresas, pessoas e governos apoiarem a causa da sustentabilidade, mais rápido teremos empresas melhores e um país melhor. Se o cliente estiver interessado em saber quem está mais avançado na inserção de sustentabilidade, ele consegue comprovar por meio do relacionamento se a prática da empresa condiz com a propaganda.
ÉPOCA – Todo mundo hoje diz que é sustentável. Cada um com entendimento diferente desse termo tão vago. Como avaliar quem é sério e quem apenas faz propaganda?
Barbosa – Quanto mais empresas e instituições começam a praticar e a comunicar suas ações em sustentabilidade, mais o tema se difunde na sociedade. Há cada vez mais opções de comunicação, e a capacidade de expressão dos consumidores só aumenta. O nível de crítica e de vigilância da sociedade tem aumentado também. E essa é uma ótima notícia, pois ajudará a diferenciar aqueles que realmente fazem daqueles que fazem menos.
ÉPOCA – É possível aferir as vantagens financeiras que os critérios socioambientais trouxeram para o Banco Real?
Barbosa – Sim. Com os clientes, isso se dá por meio do relacionamento. Uma rede hoteleira queria financiar a reforma e a modernização de dois de seus estabelecimentos. Apresentamos a possibilidade de inserir critérios socioambientais nas reformas, e o resultado foi que o cliente expandiu seu financiamento conosco. Nossa marca também tem ficado mais atrativa. Em 2004, a distância do Real para o banco líder em atratividade da marca era de 13 pontos porcentuais. Hoje, essa distância é de 3 pontos, quase um empate técnico. Isso significa novos clientes. Nos últimos 12 meses, conquistamos 200 mil correntistas. Esse reconhecimento pelo mercado também nos dá acesso a novos financiamentos, como a construção de grandes obras de infra-estrutura, onde somos escolhidos como líderes dos processos que envolvem muitos bancos e ao mesmo tempo responsáveis pela avaliação de riscos socioambientais para os Princípios do Equador. Tivemos também acesso a uma linha de financiamento de US$ 300 milhões do Banco Mundial para projetos socioambientais de nossos clientes.
ÉPOCA – O Real anunciou que adotou critérios ambientais para selecionar clientes. Mas nos últimos anos só eliminou 50 clientes empresariais de um universo de 6 mil. Isso significa que estão todos ótimos? Ou o critério não é restrito o bastante?
Barbosa – Nossos mecanismos de análise de gestão financeira são bastante rigorosos. Já trabalhamos com os melhores clientes de todos os setores, com foco na boa gestão financeira. Aspectos socioambientais são mais um filtro incorporado, melhorando ainda mais a análise financeira. Temos visto que uma boa gestão financeira se reflete na gestão ambiental de forma positiva. Durante os cinco anos em que fazemos a análise de risco socioambiental, fortalecemos o trabalho de engajamento dos clientes para investir em melhorias rumo à sustentabilidade.

“Trata-se de um falso dilema acreditar que ou você é
bem- sucedido nos negócios ou faz as coisas certas”
ÉPOCA – Um empresário no Brasil mal consegue ser competitivo, gerar emprego e dar lucro com a carga tributária atual. Por que ele também precisa adotar critérios socioambientais voluntariamente? Não estamos cobrando muito?
Barbosa – Trata-se de um falso dilema acreditar que ou você é bem-sucedido nos negócios ou faz as coisas certas. Critérios socioambientais, em meu modo de ver, não são um adendo ao negócio. Eles devem ser o jeito de fazer negócios. Quando um empresário toma um financiamento para reutilizar a água e tratar os efluentes e com isso reduz seus custos e aumenta sua produtividade, estamos provando que uma coisa não é antagônica à outra. Temos percebido também que empresas que pontuam melhor no questionário de risco socioambiental que aplicamos têm excelente performance financeira.
ÉPOCA – Como fazer negócios com esses critérios de sustentabilidade em regiões como a Amazônia, onde madeira e pecuária, algumas das principais atividades econômicas, têm problemas ambientais, fundiários e tributários?
Barbosa – De fato, temos todos os problemas mencionados. Mas temos também clientes que fazem as coisas do jeito certo. É com esses que temos procurado trabalhar. Temos empresários que há anos exportam madeira da Amazônia fazendo o manejo sustentável. Outros que contam com certificações. Existem maneiras – e esses nossos clientes provam isso – de fazer negócios e manter a floresta de pé.
ÉPOCA – O que faremos com todos esses investimentos empresariais em políticas responsáveis com o meio ambiente se essa onda de preocupações passar?
Barbosa – Essa não é uma “onda”, mas um caminho sem volta. Tudo o que está sendo feito veio para ficar. Principalmente porque é a sociedade que está cobrando e porque não há outro jeito de se fazer. Os americanos dizem: “Quando as pessoas fazem, os líderes seguem”. Os consumidores, tanto no Brasil como no mundo, estão cada vez mais exigentes e conscientes sobre o assunto, forçando as empresas a mudar suas práticas.
ÉPOCA – Como o senhor acordou para os cuidados socioambientais?
Barbosa – Sempre procuro fazer as coisas certas do jeito certo. Meus valores familiares sempre reforçaram isso, e, aos poucos, percebi que existe uma receptividade da sociedade. Essa crença ficou mais forte com o tempo e agora, em que a sociedade passa por um grande momento de transição, com o Brasil se tornando um país cada vez mais maduro, isso está sendo cada vez mais valorizado. E cada vez mais pessoas vêm nesse caminho.
ÉPOCA – O que o senhor mudou em sua vida pessoal para reduzir a pegada ecológica?
Barbosa – O filósofo americano Ralph Waldo Emerson disse: “Suas atitudes falam tão alto que não consigo ouvir o que você diz”. Precisamos ter coerência nas atitudes. No meu dia-a-dia, faço algumas coisas para isso. Reduzimos desperdício e reciclamos o lixo em São Paulo e no interior, onde estou certificando meu plantio de café como sustentável. Tenho satisfação em ver a preocupação socioambiental de meus filhos e dos amigos deles. A próxima geração, que já está chegando ao comando das empresas, tem um jeito novo de olhar o mundo. Eles, certamente mais do que nós, terão condições de deixar um mundo melhor para as próximas gerações.

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