Pesquisas mostram que edifícios sustentáveis reduzem em 30% o consumo de energia e em 50% o consumo de água. A procura pela certificação é grande, mas os desafios são maiores
Por Laurimar Coelho
Edição 155 - Fevereiro/2010
Edifício Ventura Corporate Towers (RJ) certificado na categoria Gold do Leed CS (Core and Shell Development Project). A principal dificuldade para certificar edifícios como esse é encontrar profissionais capazes de simular o desempenho energético do conjunto |
No ano passado, a arquiteta Beatriz Pacetta, que trabalha na Incorporadora e Construtora Trisul, em São Paulo, recebeu uma tarefa: visitar e analisar uma área na cidade de São Carlos, interior do Estado, onde seria implantado um novo conjunto habitacional. "Quando vi aquela imensa área verde, com araucárias e uma topografia interessante, percebi que tinha tudo para abrigar um empreendimento sustentável", recorda.
De volta à Capital, Beatriz não pensou duas vezes. Conversou com outros coordenadores envolvidos no empreendimento numa tentativa de convencê-los a certificar o conjunto habitacional. Já tendo conhecimento sobre os selos e certificações existentes no mercado nacional, passou a analisar qual seria o mais adaptado. Entre os argumentos da arquiteta, estavam sua experiência nos tempos em que trabalhou na França visitando empreendimentos sustentáveis pela Europa e a viabilidade de aplicação da certificação Aqua (Alta Qualidade Ambiental), desenvolvido no Brasil a partir da certificação francesa Démarche HQE.
"Falei com vários colegas de trabalho sobre a possibilidade de certificarmos o conjunto, mas havia um certo receio de todos. Quando me dei conta, já estava na sala do presidente da empresa para convencê-lo da minha idéia e deu certo", conta satisfeita. O projeto de São Carlos foi o projeto piloto durante a fase de adaptação da certificação Aqua Residencial para o Brasil. Atualmente, está em fase de aprovação junto aos órgãos públicos.
No Brasil, são aplicadas atualmente duas certificações ambientais: o Aqua e o Leed (Leadership in Energy and Environmental Design), de origem americana. Há ainda os selos Sustentax e Procel Edifica, ambos brasileiros (veja quadro).
A escolha de Beatriz pelo Aqua tem uma explicação: "É o único que foi estudado levando em conta a adequação aos critérios brasileiros. Ele propõe a avaliação do desempenho global do empreendimento, durante todas as fases do seu ciclo de vida".
O Processo Aqua fornece parâmetros de análise para o gerenciamento dos impactos do edifício sobre o ambiente exterior (ecoconstrução e ecogestão) assim como para a criação de um espaço interior sadio e confortável.
O engenheiro Manoel Martins, auditor da Fundação Vanzolini e coordenador do Processo Aqua, explica que a prática da certificação ambiental é compatível não só com a realidade dos projetos comerciais, como dos habitacionais no Brasil. "Ao investir na qualidade ambiental dos edifícios o retorno com economia de água e energia elétrica é excepcional. Na França, por exemplo, 80% dos empreendimentos habitacionais têm certificação e os não-sociais com certificação chegam a 25%."
Preconceito
Ser sustentável no Brasil não é fácil. Muitos consumidores duvidam da reputação e da qualidade dos produtos e serviços sustentáveis, porque confundem sustentabilidade com ecologia, baixa qualidade, rusticidade etc. Acham que tudo o que é sustentável é mais caro e não tem ampla oferta no mercado, além de desconhecerem os critérios que os tornam verdes. No Brasil, apenas 29% das empresas desenvolvem alguma ação de modo a organizar uma rede de fornecedores socialmente responsáveis e 31% possuem políticas para efetivar "compras verdes".
Paola Figueiredo, profissional acreditada pelo Leed no Brasil e diretora do Grupo Sustentax, diz que, em geral, 10% das empresas que buscam o selo não conseguem chegar até o final do processo, uma vez que, além do produto em si, são analisados produtos complementares, muitas vezes de empresas terceiras.
Paola salienta que os produtos atestados e edificações certificadas têm diferenciais competitivos, uma vez que atendem a requisitos nacionais e internacionais. "Quando começamos a trabalhar com o Selo Sustentax achamos que o segmento de produtos que possuem compostos orgânicos voláteis, como tintas, vernizes, carpetes, adesivos, colas, entre outros, seria o primeiro a buscar a obtenção do selo, dadas as questões de toxicidade e qualidade ambiental interna. Mas isso não aconteceu num primeiro momento. Tivemos, sim, uma grande procura por fabricantes, por exemplo, de pisos elevados, uma vez que no Brasil eles enfrentam uma concorrência acirrada. E hoje percebemos todos esses segmentos empenhados nesse objetivo, incluindo a certificação de produtos de limpeza."
Pesquisa divulgada pelo Ibope em 2007 já mostrava que 52% dos consumidores brasileiros estão dispostos a comprar produtos de fabricantes que não agridem o meio ambiente, mesmo que sejam mais caros (veja recomendações no site do Conselho Brasileiro da Construção Sustentável para compra de produtos verdes). E 98% dos brasileiros alegam que trocariam de fornecedor se um produto fosse certificado, no levantamento da Accenture sobre mudanças climáticas para os consumidores, em 2008.
Capacitação profissional
Pesquisas realizadas por empresas de consultoria especializadas no segmento de construções sustentáveis mostram que empreendimentos verdes reduzem em até 30% o consumo de energia, em 50% o consumo de água, em 35% a emissão de CO2 e em até 90% o descarte de resíduos, além de garantir um ambiente interno mais saudável e produtivo. Nelson Kawakami, diretor-executivo do Green Building Council Brasil, afirma que "a ideia da certificação não é impor limites ao mercado da construção civil e, sim, convidar os profissionais deste setor a participar de projetos sustentáveis de forma adequada. Estamos longe de ter um edifício 100% sustentável no País, mas caminhamos para isso. O Brasil oferece 95% dos recursos e da tecnologia necessários para este objetivo".
Na opinião do executivo, "ser verde não é ser mais caro, até porque o retorno financeiro do investimento ocorre em no máximo cinco ou seis anos. Hoje, grandes empresas multinacionais, como a Petrobras, por exemplo, buscam certificações ambientais em seus projetos. O que falta para o desenvolvimento deste segmento são verba e conhecimento".
Luiz Henrique Ceotto, diretor de Design & Construção da Tishman Speyer - empresa gestora de investimentos imobiliários à frente dos projetos dos edifícios Rochaverá Corporate Towers, em São Paulo, e do Ventura Corporate Towers, no Rio de Janeiro - ambos certificados Leed - afirma que a principal dificuldade enfrentada no processo de certificação é encontrar profissionais capacitados para fazer simulações de desempenho energético dos prédios. "Não basta projetar. É preciso comprovar a eficiência do edifício antes mesmo de sua conclusão por meio de softwares especiais. Alguns são sofisticados e outros até bem simples. Mas se você não sabe inserir corretamente os dados no programa não obtém resultados confiáveis."
Conheça os critérios de quatro certificadoras
Loja Leroy Merlin - Niterói (RJ)
Desde outubro, o Brasil mantém a primeira loja de varejo a receber a Certificação Aqua (Alta Qualidade Ambiental). Trata-se da unidade da Leroy Merlin - loja especializada em materiais de construção - que fica em Niterói (RJ). Quando resolveu certificar o empreendimento, o gerente de obras Pedro Sarro sabia que enfrentaria dificuldades para atingir seus objetivos, mas usou sua experiência pessoal em gestão de obras para alcançá-los. "A Leroy Merlin já contava com um projeto interno de sustentabilidade e resolvemos unir nossa experiência em gestão com essa iniciativa, aplicando tudo em uma de nossas unidades. Começamos pesquisando as certificações ambientais que já existiam no exterior, a exemplo do Leed. Mas vimos que no caso dessa certificação americana não havia muita relação com a nossa realidade. Optamos pelo processo Aqua, porque avalia a gestão e não somente o desempenho."
Mesmo a certificação Aqua, baseada na HQE francesa, precisava de ajustes. "O projeto da unidade de Niterói foi um piloto, porque estudamos juntos com o pessoal da Fundação Vazolini as adaptações que deveriam ser feitas no processo Aqua para adequá-lo à realidade brasileira", conta Sarro.
As dificuldades no início não foram poucas. O gerente de obras explica que foi preciso compensar alguns quesitos exigidos pelo Aqua e que o empreendimento não podia cumprir. "O processo prevê, por exemplo, que você deve utilizar material vindo do entorno do empreendimento em um raio de 200 km. Neste caso, como conseguimos atestar que nem tudo estava disponível nos arredores, isso foi possível compensar com outras medidas para atingir nossas metas de sustentabilidade como, por exemplo, o processo de reciclagem dos resíduos da obra."
Outras iniciativas favoráveis ao meio ambiente no empreendimento são o uso de piso de concreto polido, que dispensa cera ou removedor e requer pouca água para a limpeza; a criação de um depósito de 150 mil litros de água de reúso para os vasos sanitários, limpeza da loja e manutenção dos jardins; reaproveitamento do piso do antigo estacionamento que havia no local de implantação da loja; uso de tintas à base de água; válvulas sanitárias de duplo fluxo nos banheiros; mictórios que não utilizam água e nem produtos químicos na descarga; ar-condicionado com ajuste automático de temperatura; coletores solares para aquecimento da água e iluminação da fachada com leds, que gastam três vezes menos energia. A loja com mais de 17 mil m2 oferece 50% de economia de água e 17% de energia elétrica em relação a um empreendimento convencional deste porte.
O gerente lembra que não teria conseguido isso sem a ajuda de antigos parceiros da rede varejista. "Sem uma gestão eficiente da obra, tudo o que você planejou fica só no papel. É preciso contar com fornecedores em conformidade com seus objetivos de sustentabilidade e ainda ter mão de obra treinada, o que não é fácil porque o mercado da construção civil lida com profissionais nem sempre qualificados, como no caso de ajudantes de obra, por exemplo. Em geral, são pessoas que não conseguiram emprego em outras atividades que exigem maior nível de escolaridade e, ao trabalharem na construção, precisam ser orientados de forma correta."
Em todo o mundo, a Leroy Merlin mantém 800 lojas e a de Niterói, no Brasil, é a primeira a ser certificada. A obra levou 130 dias para ser concluída e todo o projeto - desde seu programa, concepção até a realização - exigiu oito meses de trabalho. Com a certificação, o custo da obra teve um acréscimo de 8%, mas Sarro calcula que o retorno financeiro deve acontecer em seis anos.
Rochaverá Corporate Towers (São Paulo)
Este complexo de escritórios de alto padrão em São Paulo recebeu a certificação Leed CS - Core and Shell Development Project, na categoria Gold, que comprova que o empreendimento atende a todos os requisitos necessários para aliar o máximo aproveitamento dos recursos naturais com a redução do impacto ambiental da construção - durante a obra e, também, no período de funcionamento do edifício.
"Adotamos elevadores com sistema de antecipação de chamada e regenerador de energia para reduzir o consumo. O ar-condicionado também utiliza um sistema descentralizado, que possibilita seu desligamento quando não há usuários em um determinado ambiente", conta Milene Abla Scala, coordenadora do escritório de arquitetura Aflalo & Gasperini - responsável pelo projeto do complexo.
Para otimizar o funcionamento do sistema de refrigeração do edifício, houve um estudo detalhado da fachada, que ganhou planos inclinados e ficou com 59% de sua superfície opaca e 41% translúcida. Ela foi dividida em módulos para a realização de estudos do tratamento externo conforme a orientação solar.
As mesmas soluções implantadas em outros edifícios certificados projetados pelo escritório, como o Eldorado Business, de São Paulo, e o Ventura Corporate Towers, no Rio de Janeiro, também estão presentes no Rochaverá, como o uso de vidros de alto desempenho, esquadrias com o máximo de estanqueidade, além da medição individualizada de água e energia elétrica. Somente a redução no consumo de energia elétrica deste empreendimento chega a 15%.
Para Milene, a certificação veio para reforçar um trabalho que no escritório já era focado no desempenho energético. "Ela traz uma abordagem ambiental que antes não era tão aprofundada no mercado nacional. Com a certificação, buscamos alternativas e nos surpreendemos com ótimos resultados obtidos a partir de soluções muitas vezes simples."
A arquiteta conta que em vários projetos no escritório houve a tentativa de utilizar persianas importadas e personalizadas, que são fabricadas de acordo com a orientação solar imposta ao edifício. "Mas descobrimos que apenas com o uso de vidro laminado, rolô e dimerização da iluminação junto à fachada, poderíamos obter uma eficiência energética superior."
Conjunto habitacional - São Carlos (SP)
O conjunto habitacional a ser implantado pela Incorporadora e Construtora Trisul na cidade de São Carlos (SP) poderá ser o primeiro empreendimento desta categoria a receber uma certificação ambiental no Brasil.
A empresa optou pelo processo Aqua, por julgá-lo adaptado à realidade brasileira. "É um modelo global que leva em conta os critérios de desempenho brasileiros", diz a arquiteta Beatriz Pacetta, coordenadora de arquitetura na Trisul. O conjunto, que atualmente está em fase de aprovação junto aos órgãos públicos, prevê a construção de seis edifícios de 12 andares cada, com seis apartamentos por andar, além de 167 casas com dois e três dormitórios cada. O local abrigava um antigo hotel-fazenda e oferece uma ampla área verde com mata nativa, que será recuperada e preservada, onde é possível encontrar espécies protegidas, como as araucárias.
"A busca pela certificação não é uma tarefa simples. Dificilmente um projeto atenderá a todos os itens existentes na certificação, mas é um excelente cheklist para se obter um projeto que respeite o meio ambiente", enfatiza Beatriz.
Para a arquiteta, o Brasil não está tão atrasado quanto se imagina em matéria de sustentabilidade. "Temos à nossa disposição excelentes profissionais e tecnologia suficiente para a obtenção de bons resultados", diz.
Além de um programa de preservação e manutenção da área verde, o empreendimento deve contar com soluções para a captação e o reaproveitamento da água da chuva, ventilação e iluminação naturais, reciclagem de lixo etc.
Outra iniciativa a ser implantada no conjunto habitacional é o sistema de informação ao usuário. "É preciso planejar muito bem a escolha de sistemas eficientes, para que haja uma real economia por parte dos moradores ao longo do tempo, a fim de garantir o resultado satisfatório das medidas implantadas em projeto", conclui Beatriz.
Ventura Corporate Towers (RJ)
Este edifício recebeu a Certificação Leed CS - Core and Shell Development Project, na categoria Gold, que trata da envoltória do empreendimento, suas áreas comuns e internamente com o sistema de ar-condicionado e elevadores.
Nas fachadas, a proporção entre as superfícies opaca e a translúcida (WWR) ficou em 58% translúcido e 42% opaco. O edifício incorpora vidros de alto desempenho, que reduzem os efeitos da incidência solar sem comprometer a entrada de luz.
Foram planejadas esquadrias com o máximo de estanqueidade, visando minimizar a penetração de ar (o que eleva a eficiência energética do sistema de ar-condicionado), sem comprometer a visão externa e a iluminação natural.
No quesito consumo, o Ventura conta com medição individualizada de água e energia elétrica. O elevador oferece sistema de antecipação de chamada (ADC) e regenerador de energia - que gerencia a energia gasta nas frenagens e arranques. Já o sistema de ar-condicionado é do tipo VRV (Volume de Refrigeração Variável), que opera individualmente por ambiente. Há, ainda, o sistema de dimerização da iluminação junto à fachada.
Para reduzir ao máximo o consumo de água, o edifício oferece reservatório para retenção de água de chuva com tratamento para reutilização. A água é destinada à irrigação. Há também o aproveitamento da água de condensação do sistema de ar-condicionado e em todo o edifício há aparelhos economizadores nas bacias, lavatórios e mictórios.
O projeto do Ventura priorizou o máximo de área verde permeável e o uso de acabamentos claros para evitar absorção de calor na cobertura. Os espaços destinados ao estacionamento têm ampla área coberta também para evitar ilhas de calor. Oferecem ainda vagas exclusivas para veículos movidos a álcool e GNV e um bicicletário.
No edifício, foram utilizadas madeiras certificadas e o projeto priorizou o uso de materiais fornecidos em regiões próximas ao empreendimento, minimizando o impacto com transporte na cidade. E o lixo produzido no empreendimento conta com depósitos especiais identificando baias e prateleiras para plásticos, metais, papel, papelão, vidro e orgânicos.
>>> Confira o infográfico: Sistemas para edificações sustentáveis
Fonte: techne.pini.com.br